ORDÁLIO... MEDO DO ESCURO! (Vivências)

Olá pessoal, boa noite.

Sejam todos muito bem vindos.

Aos que me conhecem, agradeço a gentileza em me acompanhar, mais uma vez.

Aos que estão chegando agora, agradeço a presença... espero que continuemos conversando, por muito tempo.

Hoje, contarei a vocês como perdi o MEDO DO ESCURO.

Venho de uma Família composta por Mulheres, em sua maioria. Na casa Materna (meu pai foi só um item biológico), morávamos: Minha Avó – Sinhá Águeda; Minha Mãe – Anália; Minha Tia – Maria de Nazareth, Meu Irmão – Manoel, Minha Irmã – Maria Pastora e Eu.

Lembro pouco de brincadeiras com Meus Irmãos... da Minha Irmã, tenho lembranças de ter que assumir suas travessuras para que ela não apanhasse e... claro, eu apanhar em seu lugar. O que nunca acontecia, posto que, sempre descobriam que fora ela... como? Creio que a forma como eu assumia a culpa não funcionava bem.

Meu Irmão era um pouco reservado. Vez por outra ele me punha nos ombros para atravessar rios, algumas vezes confeccionava brinquedos de casco de moringa (cabaça). Até hoje não sei por que ele não foi um artesão.

Minha Mãe se entregou de corpo e Alma a sua crença e se despojou de tudo que representasse bens materiais... quando nada mais possuía para doar a Ordem... ela doou os filhos. Primeiro foram meus dois irmãos... que infelizmente não se adaptaram as normas e foram devolvidos.

Minha avó andava pelos lugares onde uma parturiente precisava dos seus cuidados... mas, ajudava cuidar dos netos, quando estava em casa. Eu amava ficar ouvindo suas poucas palavras, contando histórias... ou apenas observando seu silêncio!

Já Minha Tia Nazareth, com seu silêncio cheio de palavras que eu entendia perfeitamente... me cuidava como se cuida de algo muito precioso. Minha proximidade e afeição por ela eram tão especiais que quando minha mãe se despedia para cumprir sua peregrinação, eu abraçava minha tia e não chorava... mas, se quem tivesse que se ausentar fosse Minha Madrinha Nazareth... eu chorava desesperadamente. Enfrentava qualquer sacrifício e a seguia, para onde quer que ela fosse.

Ela sempre foi o meu ponto de referência, em relação a cuidados... carinho... segurança, posto que, minha mãe “vivia pelo mundo”, angariando donativos para a Ordem Religiosa a qual pertencia. Minha Avó, apesar de ser, também, um ponto de referência, bem parecido com minha tia... quase sempre estava ocupada, atendendo as parideiras... suas comadres.

Quando meus irmãos foram devolvidos... eu fui levada para o orfanato da Ordem. Tinha então... quatro anos. E lá, longe da minha família... minha avó, minha mãe e meus dois irmãos... fiquei com minha tia Nazareth. Ela resolveu ficar comigo, por eu ser ainda muito pequena e segundo ela, necessitar de cuidados. Mas, no Orfanato existiam regras muito rígidas e, portanto, eu não podia estar sempre junto dela... atrapalhando, uma vez que ela era uma jovem adulta e devia estar se ocupar, auxiliando na capela, na cozinha, na lavanderia, na faxina, no jardim... etc, etc etcetara e tal.

Encontrávamos, no entanto, uma forma de ficarmos, senão juntas, pelo menos perto. Daí creio que, com a intenção de me ajudar a melhor me adaptar as regras, minha Tia me ensinava todos os trabalhos que fazia... a Madre Superiora nos observava, mas não tinha argumentos para nos separar, muito pelo contrário. Dessa forma Minha Tia podia me ensinar, cuidar e acima de tudo, me proteger.

Até aquele momento, eu nem desconfiava que existisse um fenômeno chamado ESCURIDÃO! Segurando a mão de Minha Tia, ou em seus braços, me parecia que o mundo era só Luz e Beleza!

Muita gente tem medo do escuro. É... no escuro, a gente não consegue ver nada. Por mais que você abra os olhos, parece que está na beirada de um precipício e que se você der um passo... mergulhará numa queda livre rumo à escuridão sem fim. Mas, se você ficar parada, um ser monstruoso emergirá da escuridão e... você já era!

E ai, ou você fica paralisada, sem sair do lugar, esperando, com os pulmões em ponto de explodir... ou você tenta caminhar devagar, tateando, com cuidado, para ver se consegue chegar a um lugar onde haja luz! Só.

Eu não tenho medo do escuro... não tenho! Perdi o medo do escuro... muito criança, ainda! E, apesar de não ter medo, não gosto do escuro... por que no escuro, não se enxerga coisa alguma... e, infelizmente, até hoje, não desenvolvi a visão dos predadores noturnos... que enxergam no escuro! Eu não tenho a visão do gato... não tenho a audição nem a visão dos animais que caçam a noite... do morcego ou da coruja... do guardião da noite, o cachorro... enfim!

Um dia, um irmão da Minha Tia, na companhia da Minha Mãe, apareceu no vilarejo onde se localizava o orfanato, com uma conversa de que queria visitar a irmã... me visitar! Entretanto, quando fitei os olhos do meu tio, percebi, de imediato, que ele não fora até ali visitar Minha Tia, menos ainda, me visitar.

Aquele homem que, para mim não passava de um estranho... naquele momento me pareceu um Mensageiro de Muita DOR. Ele fora até ali, com a firme intenção de Roubar a última Defesa que ainda me restava: Minha Tia Nazareth!

Agarrei a mão de Minha Tia e, a partir daquele instante, passei a segui-la para onde quer que ela fosse. Se soltava sua mão, agarrava na barra de seu vestido, mas não a largava de forma alguma. Se ela fosse pra capela, jardim, rio, cozinha, dormitório ou banheiro... pra onde quer que ela fosse eu ia junto.

Com o passar das horas, percebia que à medida que ia entardecendo, os adultos (Minha Mãe, Minha Tia e meu tio) começaram a conversar de uma forma meio que estranha, me parecendo que eles estavam tentando me distrair. Pedi pra minha tia me colocar nos braços... ela colocou e eu fiquei ali, agarradinha com ela.

Lembro que, na época, o trem era o meio de transporte mais rápido, e que abrangia uma distância considerável. Ele passava no vilarejo, duas vezes ao dia. A primeira entre 11h00min e 12h00min horas. A segunda entre 18h30min e 19h00min horas.

À noite, próximo ao horário previsto, ainda nos braços de Minha Tia, ouvi o barulho do trem. Instintivamente cruzei as pernas ao redor da sua cintura, os braços ao redor do seu pescoço e tentei não largar dela, de forma alguma.

Minha Mãe e meu tio... me arrancaram dos braços de Minha Tia e correram para embarcar... foram embora, os três. Naquele momento, senti como se alguém muito malvado, tivesse aberto o meu peito e, sem dó nem piedade, tivesse arrancado o meu coração fora, e levado junto com a Minha Tia. A cena, hoje, sessenta anos depois, está viva na minha memória... cai de joelhos no chão, me sentindo traída, abandonada, mutilada.

Uma das minhas colegas de internato ainda tentou me consolar, mas a madre superiora me arrancou das mãos dela e sem nenhuma gentileza ou consideração, por uma criança de quatro anos, que fora literalmente abandonada por sua família, me levou até um salão, uma espécie de dispensa, onde eram guardados mantimentos, como feijão, arroz, milho e farinha, em grandes tonéis de flandres... zinco... sei lá.

Aquele salão era um espaço muito grande... para uma criança de apenas quatro anos, aquele lugar era apavorante! Ela simplesmente me jogou lá dentro, apagou a luz e fechou a porta por fora.

Eu chorei e gritei apavorada, pedindo pelo Amor de DEUS que ela não me deixasse ali. O coração doendo pelo fato de ter ficado sem a Minha Tia e doendo também pelo MEDO DO ESCURO... eu não conseguia enxergar nada... não passava ma fresta de luz, por pequena que fosse... pois a porta era de madeira maciça... onde a luz não tinha chance de atravessar!

Eu chorei, mas... eu chorei tanto meu Deus, que acabei adormecendo ali, no chão de cimento frio... sem um lençol e sem um travesseiro... sem um adulto pra ficar ali, pra me fazer companhia... pra me dizer que eu não tivesse MEDO DO ESCURO. Vieram me pegar no outro dia, as 06h00min horas.

Eu estava deitadinha lá, me queimando em febre. E ali foram três dias de febre violenta, com direito a alucinações, pesadelos horríveis, convulsões... foi algo pavoroso. Naquelas alucinações eu via pneus enormes passarem sobre mim, me esmagando. A cama girava me deixando com ânsias de vomito... virava, pois eu tinha a sensação de que ia cair.

O meu corpo encolhia, ficando do tamanho de um grão de arroz. Minha cabeça e meus pés ficavam enormes e se distanciavam quilômetros do restante do corpo, através do pescoço e dos tornozelos que se assemelhavam a fios de seda. Algumas das internas que tinham mais idade que eu, se revezavam para cuidar de mim. Elas me disseram que eu falava muito enquanto estava com febre... chamava Minha Tia Nazareth.

Depois desses três dias de febre, fui voltando ao normal, e... apesar de muito pequenina, comecei a perceber uma coisa: Quando a febre foi embora, ela levou junto o MEDO que eu senti do ESCURO.

Não morri da dor emocional de perder a única pessoa na qual eu confiava, que me cuidava, ensinava e protegia.

Sobrevivi a uma noite de frio, no ESCURO, abandonada, ferida, mergulhada num pavor que não tinha tamanho.

Sobrevivi a três dias e noites no inferno onde uma fornalha em chamas me consumia... quase anulando minha sanidade... algo começou a clarear na minha mente: Foi naquela noite pavorosa que começou o meu aprendizado... aquele aprendizado de que você nasce só, vive só e morre só.

A partir dali eu estava preparada para a luta pela vida. Apesar da certeza de que nasci só, viverei e morrei só... percebi que nem tão só, assim. Descobri que posso ser a minha própria companhia. Eu seria a minha companhia mais confiável.

Naquela noite, percebi que havia mais alguém, mais uma pessoa comigo, além de mim. Por que eu não enlouqueci de medo, de pavor, de tudo... naquela noite, por que provavelmente alguém me ninou até que eu dormisse... foi... até que eu dormisse.

Aprendi, naquela noite que MEDO não mata ninguém. Que por mais sozinha que você esteja ou se sinta, você ainda pode contar consigo mesma. Pode ser a sua melhor companhia, a mais confiável, né?

Você tem medo do escuro? (riso aberto, sincero).

Tenha não.

Não tenha MEDO DO ESCURO.

Você deve ter MEDO sabe do que? Da falsa luz que brilha ao redor das pessoas de Almas ESCURAS, TENEBROSA, sem CORAÇÃO.

Eu sobrevivi. Você sobreviverá, também, certo? (riso aberto, franco).

Gosto de uma musiquinha que diz mais ou menos assim... “quando a meia-noite me encontrar junto a você, algo diferente vou sentir... vou precisar me esconder... na sombra da lua cheia, esse medo de ser: um Vampiro, um Lobisomem, um Saci-Pererê”.

Vem. Tenha medo não.

Adda nari Sussuarana
Enviado por Adda nari Sussuarana em 01/10/2017
Reeditado em 04/12/2019
Código do texto: T6129774
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