SOCIOLOGIA DO "ROCK": um esboço

Com a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, na década de 1930, foram realizados estudos pioneiros sobre a cultura de massas e seu surgimento no capitalismo, por meio da sua indústria cultural. A música dita popular, em especial, foi objeto da análise de Theodor Adorno, o qual a colocou no campo da ideologia, já que havia interesses políticos nela.

Cultura de massas é aquela que deixa todas as consciências homogêneas, em prol da alienação.

Indústria cultural é a maquinaria que a produz em série, como mercadoria.

Ideologia é um pensamento ligado a uma classe social, numa visão de mundo parcial.

Logo, música, no século XX, ficou massificada, bem diferente das suas expressões em salões nobres ou nas festas populares dos séculos anteriores, sem interesses mercantis ou de risco empresarial.

No Brasil, notabilizou-se, nessa tendência crítica (materialismo histórico marxista), José Ramos Tinhorão. Ele realizava a demolição do gosto das classes médias e altas na sua coluna no Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro. Para tanto, metia-se na historiografia como forma de documentar seus argumentos com base na luta de classes, segundo ele já disse em várias entrevistas.

"Rock and Roll" pode ser considerado um gênero musical em crise, já que não conseguiu criar novos públicos. Isto ocorreu no final dos anos 90 do século passado.

Muito já se discutiu, entre os próprios autores da Escola de Frankfurt, sobre o caráter totalitário da indústria cultural: de inclusive ser capaz de criar o gosto do público de forma quase que "behaviorista".

Embora não tenha feito um século ainda, o "rock and roll", como gênero musical e como estilo de vida (ou teatralização de estilo de vida) está vendo seu público encolher. A indústria cultural o abandonou, como quem abandona um modelo de automóvel que não satisfaz mais seus consumidores.

O samba brasileiro, o jazz norte-americano e o blues ianque, por exemplo, ainda estão estáveis.

Os motivos da crise do "rock and roll" são: 1) o desinteresse do público; 2) a falta de criatividade dos seus artistas, neste exato momento da História.

Caso peguemos as estruturas melódicas do "rock and roll", do samba e do sertanejo, vamos encontrar em muitas canções famosas combinações entre sol, com ré e com dó, vistos já adaptados para cifras de violão. Já é um pouco difícil essa simplicidade melódica em gêneros como o jazz ou mesmo a bossa nova, com estruturas mais rebuscadas. Isso pelo fato do jovem de classe média que tocou a bossa nova ter passado por educação musical no piano, que era moda nos anos 50 na Zona Sul do Rio.

A melhor forma de superar a crise do rock seria por meio do despertar de novos músicos para sua recuperação, fazendo-os explorarem seus instrumentos e ritmos mais seminais, como bateria e guitarra.

Muitos músicos de Rock, aqui no Brasil, culpam a “invasão” do sertanejo massificado, do funk ofensivo e do pagode romântico como perda do seu público. Acham que há um complô da mídia em prol destes segmentos, de apelo mais popular nas camadas proletárias da população, por exemplo. Sambas, como de Zeca Pagodinho, chegaram a ser acompanhados por orquestras sinfônicas ao fundo - mostrando que o samba também ficou "erudito", não sendo mais percussão pura. O rock nunca se deu a esse luxo.

O "rock and roll" foi a música do jovem urbano de classe média dos anos 60 até 90. Um jovem em conflito com o estilo de vida pequeno burguês e puritano das famílias tradicionais daquele momento ("caretismo"). Renato Russo e Cazuza são as faces mais edipianas do arquétipo roqueiro: caras em conflito consigo e com o mundo "careta" ao seu redor.

O jovem passou por uma mudança profunda no começo do século XXI. Não teve mais família tradicional para reprimí-lo, já que boa parte das famílias já estavam sobre rearranjos. Rearranjos estes provocados pela expansão do feminismo e do divórcio.

As novas tecnologias, como a Internet, deram maior capacidade de expressão a este jovem, que não via mais sentido em rebeldia estereotipada.

As rádios FM já foram, nos anos 80, as principais sedimentadoras do Rock, que era a música juvenil, por excelência. Mas qual o motivo da decadência? A FM faliu!

O rock tem dois instrumentos, que a meu ver, são seus carros-chefes: a guitarra elétrica e a bateria. Desde Led, nunca mais houve a valorização das improvisações destes instrumentos, como aconteceu com o jazz. O motivo é que o músico precisa dominar muito bem as estruturas melódicas para poder fazer este improviso. Isso não é o caso de muitos guitarristas de bandas do rock nacional, que fizeram sucesso nos anos 80. Há uma diferença entre barulho insano e valorização da harmonia, como numa comparação entre Ratos de Porão e Rush, por exemplo.

A última grande banda de rock que fez isso foi Rush mesmo: o valor da harmonia. Ai veio uma excessiva valorização dos vídeos-clipes e pronto: cadê o rock? A MTV matou o rock, com sua transposição auditiva para mero produto cinematográfico.

No Brasil, Mutantes e Secos e Molhados foram tão expressivos, que nada, mas nada mesmo, superou os vovôs dos anos 70! Parece que a primeira metade dos anos 80 é o último suspiro do gênero, que a meu ver ocorreu no LP Cabeça de Dinossauro, dos Titãs.

Outra coisa é a mensagem ideológica do Rock que cansou: anarquia, consumo, drogadição, promiscuidade, apologia à esquerda raivosa e tudo que fosse ofensivo. O jovem de hoje está interessado em ser gospel-evangélico ao invés de um drogado-revoltado com os pais e o sistema.

Ai veio uma onda de mortes de alguns dos músicos por "overdose", AIDS e a imagem desgastou: ninguém quer mais ser tão dionisíaco, mas sim apolíneo, para emprestarmos um jargão vindo de Nietzsche (um é a tragédia com estética, enquanto o outro é a harmonia como beleza, segundo este pensador alemão). Desgastou, pois o consumidor desta imagem percebeu que isso era uma propaganda subliminar a autodestruição como protesto. Mas como protestar se as grandes bandas, como Rolling Stones e U2 eram detentoras de aviões particulares, de mansões magníficas: ou seja – o público era idiotizado?

O sertanejo-raiz foi vendendo o estilo bucólico, de vida no campo e de lida com animais. Isso implicava numa indumentária específica: a chamada roupa de vestimenta "cowboy". Outra americanização também. Até a guitarra, por sua vez, entrou no sertanejo, agora universitário.

O universitário do novo sertanejo é o das grandes empresas particulares de ensino, diferente dos do Rock nacional, ligado às universidades federais. Aluno de federal era mais erudito: concordo! Renato Russo era aluno da Unb e um intelectual nato. Não falo o mesmo do Gustavo Lima.

Porém, qual a diferença da música dos dois?

Não digo o mesmo do advogado Almir Sater. Um violeiro raiz que sabe letrar e fazer lindas harmonias com viola (com seu doce som de cravo). Sater sabe até colocar elementos rítmicos de blues em suas canções e ainda é a fina flor do estilo. Mas seu violão é básico.

Eu quero demais que salvem o rock: mas salvem como baterias como do Led e do Rush. Salvem com solos de guitarra novos, como eram os de Eric Clapton, Dire Strait, “stairway to heaven” de Led e Van Halen. Façam letras, mas letras que critiquem o sistema de maneira não anárquica, de apologia ao esquerdismo insano. Letras como Alagados, dos Paralamas ou Proteção, da Plebe Rude.

Os alvos das letras são o que não faltam: a corrupção e a hipocrisia dos sistemas de poder político-midiático. Sepultura ainda faz esse mister e, por isso, ainda tem um público cativo e internacional.

Rodolfo, dos Raimundos, caiu fora do estilo, buscando o gospel e uma nova forma cristã de encarar o mundo (um direito dele).

Não tem mais sentido um Dinho, do Capital Inicial, ou um Dado Villa-Lobos, ambos com 50 anos, ainda manterem uma aura de adolescentes de classe média revoltados. Isso que não cola mais no inconsciente coletivo. Devem mostrar os erros que o rock cometeu.

Precisa-se muito reinventar o rock, antes que ele morra sem passar da meia-idade.

Rock, assim como sertanejo, é estilo de vida ou, para sermos mais rebuscados: ideologia de classe. O sertanejo conseguiu a façanha de roubar o público urbano e juvenil do rock, principalmente a classe média universitária.

Os grandes trunfos do sertanejo são: o bucolismo e o romantismo. O rock perdeu o romantismo e perdeu a capacidade de criticar o sistema - já que ele mesmo, rock, alimentou. Alimentou com lucros absurdos, sem mudar qualquer estrutura de pensamento. Muitos dos que "compraram a proposta de vida do rock", autodestrutiva, hoje estão na sarjeta, com o caso do baixista "Negreti" da Legião Urbana (que vive nas ruas do Rio, pedindo esmola).

O "rock and roll" é uma música da classe média urbana, o que não é diferente da bossa nova da zona sul carioca, por exemplo. Ambas são feitas por gente da classe média letrada. Hoje ambas passam por um encolhimento do seu público.

A mudança no seu público é uma mudança na estrutura da sociedade que repercute na ideologia. O bucolismo e o romantismo da música sertaneja conseguem maior penetração entre as massas jovens urbanas, ao invés da irreverência e da rebeldia roqueira.

Há muito pedantismo na classe média ao dizer que sua música é mais bela do que das camadas populares, como Lulu Santos disse sobre o sertanejo, num programa de TV, no começo dos anos 90.

Os gêneros musicais são a estratificação do mercado musical, de acordo com critérios como níveis de escolaridade, de renda e de faixa etária.

LUCIANO DI MEDHEYROS
Enviado por LUCIANO DI MEDHEYROS em 10/09/2017
Reeditado em 11/04/2020
Código do texto: T6110241
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