O POEMA CONFESSIONAL
A proposta lírica ancora no meu coração e os neurônios inquietos me instigam à análise, saudando o poema e sua autoria, com alegria e muito apreço:
“Prefiro-me só.
A fingir-me sol, de lua vestida e ninho de pó,
Só estou.
Desenho as minudências da brisa com os dedos das palavras. Cada pétala
A sonhar-se raio de aurora por detrás dos cumes mais agudos da montanha.
E desenho sempre,
Nas pontas dos pés,
O tear de nuvem que o so(nho) me conta.
Sou, assim,
Só. Somente solitária
Ouço o eco da alegria imaginada…
Abro a largueza cantada do riacho e beijo
As nuvens…
Ninho de aves sem asas que os pés entornam
Quando choro.
Finjo-me sol
de pétalas de lua
E ninhos de nuvem. Sou pó. Só.”.
Autora: Margarida Afonso Henriques, poeta portuguesa.
– Publicado no Facebook em 30.08.2017, 17h45min.
Eis um poema reflexivo, denso, bem posto como proposta poética. Somente nele vejo muito transparente a presença da sofredora criatura que o joga no mundo, talvez na água do riacho que se faz presente no poema em voga. Talvez, caso houvesse uma tentativa de "despersonalização" da figura do EGO, a peça se tornaria mais pejada de Poesia, abrindo uma janela ao receptor e permitindo que o poeta-leitor se apossasse com avidez do texto, para fazer dele um instrumento amoroso aproveitável à sua felicidade pessoal, no mundo dos fatos. Embora a Poesia seja o território da farsa, do sonho e da fantasia. A tese de que o “Eu” que aparece na Poesia é o Eu Poético (o alter ego que Fernando Pessoa criou, nominou e notabilizou no vocábulo "heterônimo"), me parece inaplicável em determinados casos. E este aqui aparece assim, em estado de nudez, tão forte é a presença do Ego da autora. Mesmo com a utilização da metáfora e os comparativos, estes elementos compositivos do poema não levam a uma beleza estética pontual, e sim a esse inocente e ingênuo derramar-se do espiritual sensível da autora, sem maiores cuidados estéticos, não permite o atingimento de um patamar mais alto como poema com Poesia. Porém, não deixa de ser um formoso confessional lírico, tão ao gosto do público feminino de todo e qualquer tempo. Parabéns à autora, desejando sucesso no itinerário de popularização de sua obra. Tenho acompanhado com estranhamento e gozo a expressão poética de Margarida Afonso. Tudo indica que o talento desta tatuará digitalmente o seu nome na contemporaneidade poética do idioma português. Hosanas!
– Do livro A VERTENTE INSENSATA, 2017.
http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/6108803