Ensaio sobre a loucura
Ensaio sobre a loucura
Por Jorge Ribeiro
E quem deve tomar a sério a loucura? Pergunta-se Erasmo de Rotterdam no seu Elogio da loucura, enfatizando o que o ditado popular já diz em outros termos que “de médico e louco, todos temos um pouco”, esse axioma leva a uma constatação: todos têm um pouco de loucura. Pensamos e fazemos coisas que somente insanamente seria aceitável. Esse desvio do nosso comportamento tido dentro da normalidade e é o que percebemos quando agimos desproporcionalmente aos fatos. Se “de perto ninguém é tão normal“, diferentemente de que a maioria dita como normal aqui todo mundo está implicado numa espécie de coletiva loucura.
Quem decide os critérios da normalidade? Quem detém o poder? Quem tem as armas de manipulação? Quem possui o conhecimento? Se a ignorância como princípio de reconhecimento pode levar à sabedoria, a loucura como instrumento de crescimento pessoal pode nos ajudar a viver mais o equilíbrio pessoal. Rir ainda parece o melhor remédio diante dessa dissimulada e ridícula guerra na busca da “afirmação”. Tudo parece provisório: a vida, o ter, os contatos e para que tanto frenesi em fincar eternidades? É aqui que a loucura parece superior a toda sabedoria humana (Rotterdam).
O que leva uma pessoa, aparentemente feliz, cometer um desatino? O que impulsiona uma pessoa com certa estabilidade a se lançar numa fortuita aventura? O que instiga alguém a deixar os seus e se lançar no desconhecido? Seria loucura desafiar e desapontar os critérios e os padrões da maioria? O que é loucura para um jovem é também para um ancião? A loucura na velhice é a mesma para uma criança e vice-versa? O que se considera loucura para os religiosos é também para uma família? O que é loucura para um determinado grupo é também para outro grupo?
O parâmetro de julgamento quem dita? O modelo vigente? A certeza dos comportamentos e atitudes quem define? Quem tem o poder de estabelecer os padrões? Sem loucura a sociedade não sobrevive (Rotterdam), pois a loucura é o elemento formador da sociedade e das consciências. Sem loucura não há amizades e nem poesias, sem loucura não há descobertas ou invenções. A loucura é o combustível dos gênios e dos filósofos, a loucura é o desafio da natureza aos rótulos que os costumes tendem imperar. Somente o louco é feliz, pois sabe que tudo não passa de uma aventura e que a busca da razão para estabelecer sentido é sórdida loucura. É preciso uma dose de loucura para desafiar o estabelecido e irromper o óbvio. A loucura é o desacato do medo em prol da própria realização.
Se fossemos loucos para não dar satisfação? Morreríamos sim, mas livres. Se fossemos loucos para não se importar com as regras de condutas? Seriamos enxotados, mas autênticos. Se não prestássemos tanta atenção às opiniões, seríamos ignorados, mas nunca reféns. Então, “uma pessoa que odeia a si mesma poderá amar alguém”? (Rotterdam). A podridão dos costumes e a decadência das virtudes podem acionar a perda em “insípidas fábulas” e sonhos mirabolantes, quando não a onda de generalizada violência, falta de escrúpulos, revolta e indiferença. Somente a loucura pode libertar dessa pilhéria contumaz a humanidade que se deságua na dissolução de sua mesma construção. Criou-se um mundo que ninguém mais acredita e nem leva a sério, o grande teatro retrata a voluptuosa piada que se tornou a “aldeia global”. A loucura é o passaporte de quem não teme a maledicência da mesmice e aceita ser errante na própria terra.