AMAROMAR

Os pés imersos na dança constante das vagas os olhos fixam-se na retilínea união entre o firmamento e a imensidão oceânica. O Planeta líquido inunda os continentes e dá o contorno ao mapa – mundi que conhecemos. Diante das paisagens titânicas tornamo-nos pequenos espectadores do grandioso movimento universal. O vai- vêm das águas influencia diretamente o modo de viver dos habitantes do litoral conformando o ritmo do tempo e esculpindo as históricas marcas culturais: o sustento, a espiritualidade e a percepção do mundo. É perceptível a conexão ancestral dos seres vivos com o oceano, seja numa conotação místico-religiosa ou em assertivas científicas. O mar torna-se um manancial de divagações poéticas que embalam amores e dissabores, histórias extraordinárias, fantásticas descobertas, tesouros, náufragos e rotas marítimas que embalaram os contatos inter-étnicos e as trocas comerciais. Os oceanos exerceram fundamental importância para o desenvolvimento da humanidade desde as populações primitivas às sociedades modernas. Os testemunhos arqueológicos revelam longas ocupações por sociedades humanas complexas nas regiões litorâneas demonstrando a abundância de recursos naturais e áreas férteis para a exploração da caça, coleta de vegetais e pesca. O usufruto milenar das praias por infinitas motivações e diferentes contextos sócio-históricos comprovam o fascínio hipnótico e a influência das marés sobre a consciência dos indivíduos. A expansão marítima impulsionada pelas Grandes Navegações dos séculos XV e XVI alargaram as fronteiras do que se conhecia e o choque de civilizações pautou novas formas de pensar/agir e surgiram novos paradigmas sociais. Rompe-se com a concepção feudal e se inicia a primeira fase da globalização. A cada descoberta que fazemos das abissais oceânicas e da diversidade de seres vivos que se propaga nos mistérios subaquáticos, descortina-se um vasto campo de conhecimento que transformam a vida terrestre, assim como as descobertas no Cosmos ampliam a percepção de nossa existência. Nas transgressões e regressões marinhas ou no avassalador Dilúvio Bíblico, a fúria das águas moldou a planície costeira e suas ornamentais lagoas. As populações litorâneas convivem com um misto de exaltação e temor do mar, a dádiva pode acabar em tragédia, a exemplo dos colossais tsunamis. Nas sociedades industriais o turismo desbravou praias intocáveis, valorizando os benefícios medicinais e terapêuticos dos banhos e caminhadas à beira-mar. Viver ou estar na praia transformou-se em sinônimo de qualidade de vida, atividades físicas ao ar livre, alimentação saudável e repouso como um miraculoso elixir da longevidade. A interação com o mar está no afeto do coração e no ar puro da respiração, na mente arejada pelos ventos e pelo salitro que invade as reentrâncias do cotidiano e resguarda a maresia que está impregnada na contemplação do horizonte marinho e nas oferendas e consolação para os aflitos da alma. Um simples mergulho, os saberes/ fazeres da atividade pesqueira, à prática de esportes ou cevar um mate sentado na praia, momentos preciosos de felicidade inigualável. De coloração turva ou límpida, com grandes ondas revoltas ou na mansidão azul-turquesa, como nos relacionamos com o mar? Acima de tudo com respeito. Assim, evitamos os acidentes e casos trágicos de afogamentos e lutamos para sua plena preservação, pois atualmente, os oceanos estão sofrendo com os impactos da pesca predatória e o acúmulo de resíduos que ameaçam toda a fauna marinha. Quando fores se encontrar com as forças poderosas do mar não se esqueça de retribuir com o melhor de si, sabendo que tudo que goteja em suas águas se propaga pelo planeta inteiro.

Publicado no Jornal A Folha/ Torres.

Leonardo Gedeon
Enviado por Leonardo Gedeon em 22/08/2017
Código do texto: T6091746
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