Medo do outro
MEDO DO OUTRO
Por Jorge Ribeiro
jorgeribeiroribeiro@gmail.com // www.pjribeiro.blogspot.com
Tudo que vive tem medo. Por que sentimos medo? A origem do medo está no desejo de ser absoluto? O medo é sentimento ou distanciamento dele? O que é o medo? A desconfiança de não estar sozinho? Ou o medo seria o receio de estar abandonado? A sensação do medo é a de ser vigiado ou a de ser dominado? No medo eu me sinto espiado ou eu me coloco como espião?
E esse suposto outro é meu inimigo ou pode ser um aliado? Esse outro, diverso de mim, que me mete medo, está fora de mim ou interno a mim mesmo? Depois da leitura do Des Cannibales (Michel de Montaigne), despertou-me essa reflexão de que chamamos de bárbaros e temos medo do que não temos domínio. Talvez por isso queremos exorcizar, extirpar o que não é nosso ou não são dos nossos. O diferente coloca outra possibilidade. O meu modo de ver e de ser não é o único e muito menos o melhor.
Então esse medo da alteridade seria porque nos sentimos ameaçados? Parece ser o que insinua Tzvetan Todorov no seu La peur des barbares, o que significa que o medo do outro se traduz bastante com o medo da inclusão ou da alteração. E isso acontece por risco de se perder? O medo do selvagem (Rousseau) é o medo que vai além do confronto da civilização e dos costumes, é a desconfiança da própria dissolução no que não me pertence ou não está sob meu domínio.
Certamente no encontro e no contato consigo mesmo e com os outros ha perigos de sujeição e de submissão, ali onde a barreira entre o que se é e se quer e tudo que uma civilização ou estereótipos culturais e religiosos nos impõem não faz muita diferenciação, pois o dado e o conquistado (Deleuze e Guattari) se confundem num amálgama que parece definir a própria identidade.
O diferente, muitas vezes é visto como o bárbaro, pois o desconhecido provoca insegurança e incertezas, e quem vive tem medo, mesmo porque a imaginação gera o medo. Não se pode viver numa continuada situação de perplexidade, faz-se necessário o aprender a ter medo, já que ele é constitutivo não somente dos humanos, mas de tudo que humanizamos (Eduardo Viveiros). É insustentável se viver num perpétuo pânico, pois a fábrica do medo pode não somente paralisar, como um caçador diante dum tigre, mas constrói uma civilização de perversidade que se deve destruir tudo que provoca ameaça e medo.
Essa cultura do medo gera o medo do medo (Montaigne), onde se arrasta ao invés de se caminhar, na qual se consolida a identidade de risco para justificar essa privatização do comum. Todos temos medo de alguma coisa e devemos estar com o outro e com outros, ainda que com o medo Face to face with fear (Krishnananda Amana) e isso é um dado. O que se passa é que o medo entrou em cena como instrumento de controle e essa possessão se transforma em incertezas, assim como o futuro e tudo que ainda não é. Superar esse abismo do medo? Talvez na analogia do devir-outro, reconhecendo que o meu Eu que é outro.
O medo do outro é medo de mim mesmo, pois toda coisa é humana, porque eu as faço assim, já que me torno o que possuo. O que dá a minha identidade? Os meus medos. Tem-se de adestrar o inimigo interno, para se tornar “eu mesmo” ou se enfeitar para fugir do medo de si? Seria o medo de ser visto como se é? O maior inimigo é o próprio “ensimesmo”, porque eu sou eu mesmo com os outros, no encontro / confronto do tu com outro tu que se reconhece como tal, ou seja, o medo está no desconhecimento provocado pela indiferenciação de um tu com outro tu: De l’un et de l’autre (De Finance).
Quem é o outro de mim? No perspectivismo soaria que cada um é cada qual. Isso quer dizer que o medo do outro é uma questão de perspectivas? Certamente cada um vê de modo particular e diferente, ainda que dentro da mesma espécie (Clastres, Montaigne, Da Mata, Freyre, Deleuze, Viveiros), mas o ponto de vista de cada um é que provoca esse extasiar-se diante da alteridade? Se quem vê tem medo (parafraseando Viveiros), concluo dizendo que, o que vive tem medo, quem não tem medo é um fantasma. Poxa! Sem medo não ha vida. Seguimos errantes, com medo, mas querendo sobreviver nessa insana verdade.