A estética de Ángel Romero do Corinthians

A escrita sobre futebol, se feita acerca da análise de um determinado jogo ou condição de um clube, tem tudo para ser efêmera, tal e qual a natureza deste esporte e das coisas que orbitam em torno dele na atualidade: incluso o futebol perdeu nas coisas de sua lida diária o chão firme que a manutenção da tradição lega.

Coloco isto, pois escrever sobre o futebol praticado pelo paraguaio Ángel Romero - atualmente jogador do Corinthians - poderia ter o mesmo teor: seria mais um texto apontando a característica de jogo de um determinado jogador e, o quanto, supostamente, ele teria de melhorar... Não. Tal reflexão não se pretende efêmera, passageira, porque sem falsa modéstia, sabe que não é e, quem gosta de futebol, identificará a atemporalidade das palavras seguintes.

I

O futebol apresentado por Romero causa perplexidade em uma parcela considerável da crônica esportiva, porém não aquela perplexidade que um gênio como Messi (Messi é um gênio! Alguma objeção a esta obviedade?) provoca em todos: de natureza diferente, a perplexidade romeriana é justamente aquela causada por um palhaço sem graça que, inesperadamente, invade um determinado ambiente com tentativas frustradas de proporcionar o humor e, os que neste ambiente se encontram, atônitos com aquilo que presenciam, perguntam-se "como pode isto?".

Ángel Romero é justamente isto: um alienígena (em seu sentido etimológico estrito, a saber, aquele que vem de fora) que provoca o constante questionamento "como pode isto?".

A história do "como pode isto?", não é particular e originalmente nascida na figura de Romero dentro do futebol. Tanto na atualidade (Márcio Araújo, atualmente jogador do Flamengo, por exemplo) quanto na antiguidade deste esporte, dentro e fora do Brasil - isto é óbvio - a perplexidade de cronistas e torcedores diante de um "como pode isto?" se fez mostrar.

Tudo isto porque a priori, uma parcela considerável de analistas de futebol brasileiros, não titubeiam em afirmar que Romero é um jogador deficiente tecnicamente para a posição que exerce no campo - espera-se mais de um meia atacante/segundo atacante que jogue no Corinthians.

Um mantra: "ele é um jogador tecnicamente horroroso!".

Pois Romero é o meia atacante do Corinthians que - a exemplo do jogo Brusque vs Corinthians - para dar um passe em profundidade a Fagner, antes da execução do passe - que para um meia atacante dito de nível, como Jadson por exemplo, deixaria transparecer uma naturalidade de quem, antes de tudo, sabe jogar futebol - Romero visivelmente prepara todo o seu corpo para a concretização do gesto técnico, tal e qual um destro que raramente chuta com a esquerda faz: a impressão é que os gestos técnicos de Romero não saem ao natural, necessária - nesta maliciosa observação - por parte do paraguaio, uma densa racionalização do que irá fazer ("para que eu possa dar um passe, necessário que eu posicione meu corpo de uma maneira tal, relaxe os quadris, etc...).

A corrida de Romero é atabalhoada: o modo como ele corre dá a impressão de que a qualquer momento ele irá cair, um misto de duro com desengonçado, fortificando ainda mais a mirada atônita do "como pode isto?".

Porém Romero, fazendo jus à língua que fala (o espanhol) apresenta-se como um cantor de flamenco: pois no andamento da harmonia da canção, o cantaó emite melismas e comas, que de princípio soam desafinadas, mas que porém em seu fim, conectam-se com o andamento da harmonia, fazendo sentido com a afinação inicial. Romero é o cantaó flamenco: o que faz, inicialmente, gela a espinha entregando um futuro de desastre, porém, este futuro se revela contrário à pré-conceituação negativa vertida aos movimentos torpes do paraguaio.

A corrida atabalhoada de Romero converte-se em um ataque perigoso que resulta em gol; o passe premeditado - pois o paraguaio não é intuitivo - resulta em assistência, que faz a incredulidade jornalística afirmar - muito a contra gosto - que este é o artilheiro da Arena Corinthians. E eis a natureza diferente do "como pode isto?" romeriano do marcioaraujoniano: Romero é muito mais desafiador à estética de um futebol de imaginário que não se apresenta na realidade nacional do que Marcio Araújo, pois é um meia atacante e efetivo para o anseio coletivo: o gol.

II

A história legou casos de meias atacantes que causaram o "como pode isto?", a incredulidade ou o inconformismo por parte da platéia do futebol: jogadores considerados tecnicamente carentes, mas que porém, eram absolutamente efetivos na concretização daquilo que de fato importa no esporte, o score, o gol. Romero, obviamente, não é e não será o único.

Porém, o "como pode isto?" de Romero, vem carregado de algumas características especiais, que dão um sabor a esta situação de incredulidade.

Pois os questionamentos diante um caso como este, além de causar o espanto reiterado, também causa a revolta por parte daqueles que não conseguiram chegar nos gramados de holofote como é, por exemplo, o do Corinthians e, os clássicos questionamentos surgem: "como ele conseguiu? Esse cara é muito ruim!" ou "Ele deve ter um ótimo empresário" ou "Tudo isto, porque os times brasileiros pagam pau para estrangeiros"...

Romero é a personificação do jogador que faz tudo errado de princípio, mas, que a partir desta execução ou tomadas de decisões erradas dentro do jogo, consegue o objetivo que é o gol ou o passe para gol. O arquétipo daquele cara na pelada que joga descalço, de calça jeans, botinudo, sem técnica alguma (esta falta de técnica, não seria uma técnica?) mas que ao fim, sai com um número expressivo de gols, ao passo que o peladeiro considerado o mais apto tecnicamente, o mais habilidoso, aquele cujos gestos técnicos saltam aos olhos fazendo-os brilhar de prazer, passa em branco, despercebido. Eis um dogma romeriano: ele sempre será percebido dentro do jogo.

Mas o agravo da situação de Romero vem de seu duplo. Ángel Romero possui um irmão gêmeo: Oscar Romero e, na análise do jogo de ambos, não é exagero algum dizer que Ángel é a antítese de Oscar.

Em pesquisa, descobre-se que o significado do nome Oscar, tem relação com lança, com combate. Oscar Romero é lança, ponta de lança e dos bons. Jogador habilidoso, que tem introjetado os gestos técnicos, não sendo necessário pensar muito para a execução, ao contrário de seu irmão. Oscar está em todas as partes do campo com equilíbrio e certa elegância, sendo capaz de executar lançamentos precisos de modo a colocar o atacante cara a cara com o goleiro e também, sendo capaz de dar dribles desconcertantes (pedaladas, canetas, cortes secos) a la brasileira. Não à toa, foi camisa 10 do tradicionalíssimo Racing Club da Argentina.

Nenhum jogador não Argentino ganhará a 10 de um grande clube deste país de graça. A mística da 10 é tão forte na Argentina quanto no Brasil, e Oscar Romero oportunizou bons momentos com a camisa azul e branca deste clube.

Oscar é o fardo para Ángel e, um dos motivos do "como pode isto?", especialmente o da crônica, é justamente a existência do irmão: "bom é o irmão!".

Um segundo arquétipo - presente no mundo do futebol - apresenta-se em Ángel Romero, a saber, o do irmão. "É! O fulano se tornou profissional, mas, bom mesmo era o irmão!", porém no caso de Ángel, Oscar também se tornou profissional, é gêmeo, manifestadamente melhor e distante da realidade nacional, o que potencializa esta carga arquetípica. A existência de Oscar, na mente do analista inconformado com a existência e sucesso de Ángel, dá vazão para o não menos clichê pensamento nepotista: "É... chegou onde chegou graças ao irmão gêmeo!".

Porém Romero é Ángel e, calado, tudo suporta. Tal e qual um monge de um templo no interior da China, pratica dia e noite seu estilo, aperfeiçoando-o, pois sabe da multiplicidade estilística presente no mundo da bola e, que todas essas multiplicidades, são construídas com um fim único que é fazer o gol. Não importa o modo como se faz, importa o fim; se acaso o modo de feitio difere do modo padrão ou do clássico, a diferenciação não constrangerá Ángel, pois, o ocultismo diz que um anjo é uma inteligência que rege uma materialidade existente: se acaso assim for, Ángel é uma nova inteligência que torna possível, com um outro modo de fazer, o fim visado no jogo.

O problema romeriano é uma questão de estética.

III

A questão de Romero é uma questão de estética, questão esta que não tem sua originalidade neste caso aqui analisado: pois ainda que o fenômeno esportivo tenha se desenvolvido no ocidente sob a égide da eficiência (ganhar a qualquer custo, marcar mais scores, errar menos e provocar o erro) ainda orbita no esporte, uma primazia pelo bem fazer, pelo modo como se faz, pelo modo como se alcança os scores.

Poderia dar muitos exemplos presentes em outras modalidades esportivas, porém, o foco é o futebol.

Entre Dadá Maravilha e Reinaldo – ambos, jogadores históricos do Atlético Mineiro – qual dos dois é lembrado como gênio? Reinaldo, e isto é evidente. Evidente? Mas Dadá marcou um número expressivo de gols, artilheiro do primeiro campeonato brasileiro (não estou considerando a Taça Brasil, que antecedeu este campeonato que até hoje perdura). Por que Dadá não poderia receber a chancela de gênio?

O próprio Dadá Maravilha quando fala de seu jogo, deixa claro que este não era esteticamente aprazível, porém, absolutamente eficiente. Mas... o que é o Belo? Pergunta filosófica que já deu (e dá) muito pano para a manga na história do pensamento ocidental... Por que não considerar o modo de jogo de Dadá como genial, mesmo este tendo marcado mais gols e sendo tão importante (ou mais...) quanto Reinaldo para a história do clube mineiro? A resposta está justamente no modo como Reinaldo fazia o mesmo que Dadá fazia. Ambos eram eficientes na tarefa de fazer gol: o ponto é que Dadá impregnava a esta tarefa a aura do esforço digna do labor em dia de sol quente, ao passo que Reinaldo impunha a aura da arte neste fazer: cada gol de Reinaldo arrancava o suspiro pois este atacante, no ato do gol, trazia o sublime ao chão. “Mas gol é gol! Não existe gol feio, feio é não fazer gol!” assim falam as vozes da efetividade pragmática no futebol, porém, o que Reinaldo fazia não era gol, e sim, obra de arte que evocava o Belo.

O ponto é que, mesmo nesta época de puro pragmatismo dentro do futebol, a beleza ainda dita os maiores valores, as maiores cifras, vide Messi, que é a mescla entre esta efetividade fria e a beleza; Neymar um degrau abaixo, pois não é tão efetivo quanto o argentino ainda que seja um belo assistente (assistências para gol) no clube. Claro!, Tudo isto no Barcelona, pois em seleções a análise é outra. (Escrevi este texto antes do épico Barcelona vs PSG... talvez Neymar, daqui para frente, carregue em sua imagem uma efetividade igual em grau a de Messi no clube catalão...)

Porém, quando a beleza do jogo não vem mesclada com a efetividade urgente dentro da partida de futebol, lateja no peito de todos os amantes do jogo um sentimento de pena, pois, o Belo sempre comove; existe uma esperança de que o Belo sempre triunfe sobre a efetividade; que a partir da beleza, a efetividade nasça e seja possível; que o Belo não seja identificado como fraqueza dentro do campo de jogo. Na atualidade, o Barcelona conseguiu realizar este ideal: é bonito ver o time catalão jogar e efetivo ele é; o Audax de Fernando Diniz (os times por ele dirigido) tenta alcançar este ideal, porém, não há a efetividade das vitórias costumeiras e dos títulos: é bonito ver o Audax jogar (assim como no ano passado, na série B, era prazeroso ver o Oeste, treinado por ele, jogar), porém, não se trata de uma beleza que desemboque numa efetividade.

Dentro deste viés, digo que a melhor frase que já ouvi sobre Paulo Henrique Ganso (e talvez seja esta a frase definitiva) foi a proferida pelo jornalista José Trajano, à época, participante do programa linha de passe da ESPN Brasil: “O futebol de Ganso é comovente”.

Sim! O futebol de Ganso é comovente, pois traz o Belo – este conceito de difícil definição - nos movimentos que realiza, no modo como conduz a bola, como realiza um passe e os espaços que encontra pela cosmovisão que possui e noção de tempo diferenciada dos demais. Porém, o comovente futebol de PH Ganso (INFELIZMENTE!!!) não vem se mostrando eficiente, não faz a mescla que Messi faz e que Reinaldo fez... (Talvez em breve... Ainda há tempo Ganso!)

Romero é (não o Oscar e sim o Ángel) eficiente em fazer aquilo que se propõe a fazer: fecha a linha de quatro no meio campo, ora pela esquerda, ora pela direita, acompanha o lateral, faz gols, realiza enfiadas de bola com uma mecânica risível, bate pênalti decisivo em um jogo difícil como aquele contra o Brusque. Enfim... nas atuais conjunturas, quem você quer no seu time? Ganso ou Romero? Quem entregará uma maior efetividade e regularidade na tática proposta? Quem marcará mais gols (scores)?

A questão romeriana é puramente estética.

08/03/2017

Cleber Caetano Maranhão