E quanto ao dízimo?

E quanto ao dízimo? Bem, no tempo em que era católico, ou seja, até os 22 anos, nunca me preocupei em pagá-lo. Depois, na Sara Nossa Terra, percebi rapidamente que o dízimo desempenhava um papel da maior importância para a visão da igreja. Todos os cultos tinham o “momento do dízimo e da oferta”, em que é feita toda uma argumentação, com base na Bíblia, para convencer os fiéis a entregar no altar uma parte que é devida a Deus, certos de que, com isso, ainda conseguirão maior prosperidade do que se decidissem não entregar. De fato, ouvi bastante por lá que “o menos com Deus é mais” e que “os 90% com Deus rendem mais do que os 100% sem ele”.

Bem, quando me converti eu sabia que aquela seria uma realidade muito diversa da que eu encontrava na igreja católica, e estava disposto a cumprir todas as exigências que me aparecessem – ainda mais que as estavam amparadas pela Bíblia. Comecei então a pagar o dízimo todos os meses, mas, honestamente, sem precisar de maior argumentação para isso. O meu pensamento era que, se está na Bíblia, isso devia ser aceito e cumprido de pronto, em vez de, todo culto, ser necessário gastar um tempo para tentar convencer os fiéis. Dava o dízimo, portanto, dava sem reclamar, e creio que mesmo sem esperar todo esse retorno de prosperidade que me prometiam – isso ficava para a ocasião das ofertas.

Havia, é claro, um certo sentimento pesaroso ao me despedir de uma parcela significativa do meu salário, mas creio que paguei durante todo o tempo em que lá estive como membro. Era como pagar os impostos para o governo. Nos últimos tempos na Sara, eu já havia relaxado na própria frequência dos cultos, de modo que também o dízimo deixou de ser pago.

Pois bem, então eu me mudei para uma igreja batista, e uma das muitas coisas que admirei foi que, no momento do dízimo, não se fazia nenhuma preleção, simplesmente se anunciava a hora e as pessoas entregavam os seus envelopes. Isso vinha a calhar com a minha maneira de encarar o dízimo, mas devo confessar que no tempo em que lá estive – mais de dois anos – eu não o paguei nenhuma vez. Havia certa dificuldade pelo fato de sugerirem não colocar dinheiro no envelope, mas comprovante de depósitos. Isso, naturalmente, não teria sido problema se eu realmente estivesse inclinado a pagar. Não paguei, e não porque tivesse alguma objeção teológica a respeito. Eu apenas achei, em um momento, que aquele dinheiro poderia me fazer falta no mês e, como não me aconteceu nada ao deixar de pagar, fui repetindo nos outros meses. Mas nunca me livrei do sentimento de culpa: estava transgredindo um princípio bíblico.

Vim para Curitiba e aqui, na nova igreja, também batista, continuei não pagando. Nesse tempo eu cheguei até a ler alguns argumentos de quem acha que o dízimo não deveria ser pago. Em Brasília havia inclusive um pregador de ponto de ônibus, que pregava (literalmente) cartazes em que se esforçava para provar, versículo em cima de versículo, que ninguém estava autorizado a cobrar ou a pagar o dízimo. Eu lia aquilo tudo e não entendia porque a questão parecia ser tão central para ele. Parecia que o “ser cristão” estava resumido nesta mensagem: “Não paguem o dízimo!”.

Pois bem, eu agora estou lendo o Huberto Rohden falando a respeito do Sermão da Montanha e, em dado momento, ele destaca aquilo que deveria ser óbvio, ou seja, a incompatibilidade do Evangelho anunciado por Jesus e o acúmulo de bens. E ele diz assim: “Deus é o único dono, proprietário e possuidor de todas as coisas que ele creou; nenhum homem é dono de coisa alguma e, se ele se arroga o direito de ser proprietário disto ou daquilo, comete crime de ‘apropriação indébita’, roubando a Deus e aos filhos de Deus algo que não lhe pertence”.

Ora, isso me fez pensar em um argumento também bem comum no meio evangélico, e que inclusive eu ouvi há poucos dias em uma das “palavras amigas” do bispo Macedo na televisão: o de que quem não paga o dízimo está “roubando” a Deus. O bispo Macedo, inclusive, não hesitava em falar em “ladrão”. E, no entanto, a argumentação de Rohden faz crer que é possível roubar a Deus com os 90% que guardamos para nós. Isso se confirma no momento em que cita uma frase do industrial LeTourneau: “Não digas: Quanto do meu dinheiro dou a Deus? Dize antes: Quanto do dinheiro de Deus guardo para mim?”.

LeTourneau inverteu as cotas e vivia dos 10% do que conseguia, deixando os outros 90% para fins de altruísmo e religião. E mesmo desses 10% ele não se considerava proprietário, mas simples administrador, “porque também este dinheiro pertence a Deus e à humanidade”.

Em um site, achei a história contada da seguinte maneira: “Um dia alguém perguntou-lhe: ‘Senhor LeTourneau, é verdade que o senhor dá noventa por cento dos seus proventos ao Senhor”? Ele respondeu-lhe: ‘Não, eu não dou nada a Deus. Tudo Lhe pertence. Eu é que retenho dez por cento do que é dEle!”.

Aí está o que me parece o verdadeiro espírito do Evangelho. E pensar que podemos dar os 10% do dízimo pensando em aumentar os nossos 90%! E pensar que há teologias apropriadas para nos convencer a ser cada vez mais proprietários de bens terrenos! E pensar que se usa a Bíblia e o nome Deus para legitimar os nossos desejos de posse!

Quando, na verdade, não possuímos e nem podemos possuir coisa alguma, pois nada nos pertence, e tudo o que parecemos ter deve apenas atender ao propósito de servir ao próximo. Eu acolho essas ideias com entusiasmo, mas estou certo de que elas me trazem muito mais responsabilidades do que apenas dar o dízimo à igreja.

Frederico Milkau
Enviado por Frederico Milkau em 04/07/2017
Reeditado em 04/07/2017
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