UMA PARTE DE MIM QUE SE FOI

Toquei sua testa, fria, correndo os dedos por seu rosto, demorando-me nos seus lábios... Inútil, ele não podia sentir. Falando com ele, insanamente, implorei pra que voltasse. E perguntei-lhe “por quê?”.

Rasgava-me inteira uma dor, mas uma dor tão grande, desesperadora, como se eu não pudesse seguir sem a presença dele. Eu não conseguia aceitar, diante de mim, que aquele homem, meu Deus, que foi meu companheiro, que dividiu comigo tantos momentos, e que tanto me fez feliz, agora era só um corpo.

Eu olhava ao redor, imaginando se ele estaria ali, em espírito, e se podia me ver, me ouvir. Eu tinha tanto a dizer... Velando seu corpo e sem acreditar que aquilo era real, eu me despedia do “meu Régi”.

Suportei todo o ritual fúnebre e permaneci ao seu lado até a última pá de areia, fazendo das tripas coração, dando meus chiliques, alarmando minha dor, mas fiquei. Eu precisava! Isso talvez o deixasse feliz, não sei, mas precisava.

E hoje a impressão que tenho é que o dia está sendo mais difícil. As memórias me vêm e eu não consigo deixar de sofrer, lamentando o que não vivemos, o que deixou de ser dito, o que eu tinha que ter feito e não fiz. É culpa tardia, eu sei, mas é o que estou sentindo, e não me envergonho por isso.

As lembranças estão aqui, sobre mim, gritando o quanto ele foi importante e o quanto essa dor vai me marcar. Sua presença é muito forte. Relembrei nosso romance da adolescência, tão lindo, e o nosso reencontro, catorze anos depois, quando chegamos a dividir a mesma casa, os mesmos hábitos, a mesma cama; quando convivemos e conhecemos um ao outro em seus defeitos e qualidades.

Há dois anos estávamos separados, mas no meu silêncio eu esperava um novo reencontro. Ficamos cada um do seu lado, com seu orgulho, seus sonhos, suas vontades... Eu tenho meu orgulho, meus sonhos e minhas vontades. Ele também! Por isso não me culpo por ter dado tempo ao tempo até que as coisas se acertassem.

Mas acabou. Acabou pra sempre. Régi vai se eternizar em mim, guardado aqui dentro, como o homem que eu mais amei e o que mais me amou. O que mais me conheceu, o que mais me compreendeu.

E agora acabou a expectativa de Régi me ligar, ou bater na minha porta, e eu já não mais vou voltar a fuçar seu Facebook pra ver se está namorando alguém.

(Reginaldo Gomes Pessoa – acidente de moto: tombou, ou porque cochilou, ou por uma distração qualquer, e teve o corpo arremessado ao longe. Suportou o tempo de um suspiro, o último, e seguiu os desígnios de Deus).

Maria Celça
Enviado por Maria Celça em 19/06/2017
Reeditado em 19/06/2017
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