O TRIBUNO ROMANO E O TSE
No recentíssimo evento no qual o Tribunal Superior Eleitoral, reunido em colegiado, discutiu se a chapa eleitoral de 2014, composta por Dilma Roussef e Michel Temer, recebeu contribuições oriundas de propina, e, por isso, deveria ser cassada, o voto de lavra o eminente ministro Napoleão Maia, verteu comentários sobre a atuação de Pôncio Pilatos, durante seu governo na província da Judeia subjugada pelo Império Romano, tomando-o como referência comparativa.
No seu discurso, o eminente jurista afirmou que a postura do tribuno romano foi covarde ao ver-se obrigado a decidir ante o clamor popular que exigia a libertação do criminoso Barrabás, e a condenação de Jesus Cristo. Por respeito à presente digressão, transcrevemos o referido verbete:
Ao longo de sua fala, o ministro, que é evangélico, fez diversas citações religiosas e comparou o julgamento da chapa ao processo que levou à crucificação de Jesus Cristo. “Pôncio Pilatos tentou democratizar e deu no que deu. Perdeu o controle. Não pôde conter a fúria do povo, porque cometeu a insensatez de perguntar ‘o que vocês querem’. ‘Solto esse ou aquele?’ ‘Eis o homem.’ ‘Está bom assim?’ ‘O que querem que eu faça?’ ‘Crucifique’. Passou à humanidade como um pusilânime e um covarde”. (Extraído de http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/napoleao-vota-contra-cassacao-e-cita-crucificacao-de-cristo-pilatos-tentou-democratizar-e-deu-no-que-deu/)
Apenas em respeito a uma necessária análise do ponto de vista histórico, e também jurídico, é preciso observar que a referida postura do tribuno romano deveu-se, antes de tudo a uma sucessão de eventos que desencadearam-se a partir da prisão daquele que fora tomado como o “ungido”.
Antes de mais nada é preciso compreender as funções destinadas ao tribuno; Pôncio Pilatos foi designado prefeito da província da Judeia. E essa atribuição reunia, em si, funções de manter a ordem na província e administrá-la tanto judicial como economicamente. Sobre ele, aliás, narram os historiadores Filão e Flávio Josefo, conforme destacamos:
Na opinião de Josefo, os anos em que Pilatos esteve como prefeito foram anos turbulentos na Palestina, e Filão escreve que o governador caraterizava-se pela "sua venalidade, sua violência, seus roubos, seus assaltos, sua conduta abusiva, as frequentes execuções de prisioneiros que não tinham sido julgados, e uma ferocidade sem limites" (Gaio 302). Ainda que nestas apreciações com certeza influam a intencionalidade e a compreensão própria dos autores, a crueldade de Pilatos, como sugerido em Lc.13,1,onde é mencionado o incidente de uns homens da Galiléia que tiveram seu sangue misturado ao dos sacrifícios por ordem do governador, é indubitável. (Extraído de http://opusdei.org.br/pt-br/article/quem-foi-poncio-pilatos/)
Em primeiro lugar, faz-se necessário ter em conta que ao analisar a conduta do Jesus, Pilatos não viu pender sobre aquele homem crime qualquer, vez que, sob a égide da legislação romana, o fato de afirmar ser ele filho do Criador, isso não era motivo suficientemente relevante para criminalizar sua conduta.
Todavia, a exigência popular, que, sabe-se muito bem, era fruto de uma pressão político religiosa advinda do Sinédrio judaico, desencadeou os acontecimentos que culminaram na apresentação pública, onde o prefeito viu-se na situação de atender ao clamor popular. E, desse modo, ele deixou que a turba decidisse o destino entre um criminoso convicto e um homem de fé.
Creio que não há subsídios suficientes para afirmar que o prefeito romano entrou para a história como covarde, pois, se assim o fosse, ele não teria agido com a postura de livrar-se de um problema, que, aos seus olhos, tratava-se de uma questão local e de cunho muito mais religioso que político. E ainda que tivesse uma fisionomia política, Pilatos não aceitava o fato de religiosos trazerem perante ele aquele homem, dizendo que não podiam julgá-lo por uma questão ritualística.
Ao deixar que o clamor popular decidisse o futuro de Jesus, em detrimento da libertação de um criminoso confesso, Pilatos agiu segundo o entendimento de que, aquela questão não dizia respeito ao governo romano, já que, a atividade de Jesus e seus apóstolos causaria muito mais temor aos membros do comando religioso local, do que, propriamente, ao domínio romano na região, que, a bem da verdade, sofria ataques de grupos tidos como terroristas, como era o caso dos Zelotes.
De outro lado, não há qualquer possibilidade de entender-se o comportamento de Pilatos como democrático, uma vez que, sendo ele prefeito da província e também um homem cruel e sanguinário, usou de todos os meios de força e dominação para subjugar os povos da região.
Assim, certamente, não há que se falar em postura democrática ou ainda dotada de covardia de um homem cujo objetivo de vida era escalar social e politicamente dentro do Império romano. E em que pese o fato de que a manifestação do eminente ministro do Tribunal Superior Eleitoral nasceu de possível arroubo do momento e da situação histórica e política, é preciso salientar que, em momento algum, é possível admitir-se que a postura de Pôncio Pilatos não limitou-se à atuação de um administrador local, dotado de poder político oriundo do Império Romano, e também de poder militar, já que a dominação de territórios.
A guisa de elucidação, transcrevemos o seguinte excerto bíblico interpretado:
“Eu o interroguei na frente de vocês, mas não achei neste homem base para as acusações que vocês levantam contra ele. De fato, nem Herodes achou, pois o mandou de volta para nós. Como podem ver, ele não fez nada que mereça a morte. Portanto, eu o castigarei e o soltarei.” — Lucas 23:14-16. Extraído de https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/Jesus-o-Caminho-a-Verdade-e-a-Vida/Se%C3%A7%C3%A3o-6-%C3%9Altimos-dias-do-minist%C3%A9rio-de-Jesus/Inocentado-por-Pilatos-e-por-Herodes/
O texto acima não deixa dúvidas que, mesmo ciente de que Jesus não havia cometido crime algum, Pilatos estava sob a égide do poder religioso que incitava a população a exigir a punição do Homem da Galileia; e mesmo após tê-lo enviado à Herodes, viu retornar a ele a decisão de aplicar uma condenação exemplar.
Por essa descrição histórica é que não se pode afirmar, ou mesmo concordar com a afirmação do eminente ministro Napoleão Maia de que a postura adotada por Pilatos tenha nascido do clamor popular, mas sim do clamor e interesse escuso do Sinédrio, reforçado pela incitação da urbe contra o pregador nascido em Belém. Se ele o fez, assim agiu no interesse político de preservação, tanto do poder romano, como também do seu pleno desinteresse pelo destino a ser dado do Nazareno, principalmente porque, suas ações estavam orientadas por um conjunto de idiossincrasias próprias que o levaram a um destino desafortunado, já que, com a morte de Tibério, cairia ele em desgraça junto ao império de Calígula.