O custo de ser diferente, o preço de ser igual
Uma pessoa muito próxima está fazendo uma dieta muito restritiva. Aparentemente isto não implica em muita redução de prazer, cada refeição inclui um caldo quente, uma entrada, um almoço e uma sobremesa. Creio que esta diversidade torna cada refeição um ritual longo em que os sabores são desfrutados em sua riqueza e em seu devido tempo, com a devida cerimônia que a nossa alimentação merece. Afinal, comer não é um dos maiores prazeres. A grande dificuldade, portanto, não é a restrição alimentar, mas a restrição que o hábito impõem. São pouquíssimos restaurantes que servem uma refeição adequada, certamente nenhum bar. Assim a única maneira de ir a uma confraternização é indo antes para casa e comer lá, depois voltar para a confraternização e não comer nada. Você conseguiria fazer isto? O que ocorre normalmente é a pessoa ir para casa e acabar ficando lá mesmo. Há que se considerar ainda que a pressão social é muito atenuada uma vez que a dieta é por motivos de saúde.
Lembro de uma vez que em uma festa pedi um refrigerante diet. Nem lembro a circunstância, o usual era eu gastar todo meu dinheiro em cerveja. Um amigo meu inteligentíssimo e muito criativo ficou espantado, quase horrorizado. Ele me disse algo como “Um refrigerante diet! Mas por que? Você já é magro!”. O que respondi no dia me foge à cabeça, a resposta que eu daria hoje é: “Eu sou magro PORQUÊ consumo refrigerante diet.” É uma maneira mais curta de dizer: “Eu sou magro porque tomo minhas decisões levando em conta meu físico.”. Na verdade meu percentual de gordura é mais do que o dobro do que eu considero ideal, mas para ele (uma pessoa extremamente obesa) eu era magro. O espanto dele era uma forma de cobrar que eu não consumisse algo tão diferente do que ele consumia.
Há uns dois anos fui a um aniversário em uma whiskeria. Um ambiente gostoso cheio de pessoas queridas. Um dos nossos amigos tem sérias dificuldades em beber, mas havia parado. Me espantei quando o vi tomando uma dose. O aniversariante insistiu para que ele tomasse uma dose mais generosa. Fiquei muito impressionado, como insistir a um alcoólatra para que beba mais?
No lugar em que eu trabalhava antes eu fazia questão (como ainda faço) de beber água no copo de vidro. Eu já desconfiava que copos de plástico fazem mal à saúde, depois de ler um livro do David Permulter (Amigos da Mente) meu medo se intensificou. Além disso acho ridículo jogar fora um copo que usei apenas uma porção de vezes! Entretanto eu notava que lá os copos de plástico ficavam visíveis e disponíveis ao passo que os copos de vidro ficavam dentro do armário. Não acho que era apenas a copeira que me achava esnobe por querer beber em copo de vidro, creio que até alguns colegas tinham este sentimento. Já que a regra é consumir em copos descartáveis não soa esnobe fazer um esforço para usar o copo de vidro? Não soa como se eu fosse melhor do que os outros? Ou, como me chamavam pejorativamente, não soava como se eu fosse “chique”?
Dei estes exemplos em que a pressão social é para um lado ruim. Mas pode ser para o lado bom também. Pode ser se amigos querendo que um, que esteja deprimido, saia para uma festa, por exemplo. Ou uma pressão para que faça exercício. O ponto é, nós fazemos pressão – diretamente ou indiretamente – para que os outros sejam iguais a nós. Qual a grande dificuldade em ser vegano? Conseguir proteína? Conseguir vitamina B12? Conseguir ferro? Certamente não. A grande dificuldade é ser diferente. É ir a um almoço de família e não ter uma comida para você, ou ter uma comidinha especial – que todo mundo quer – mas que tem a dose certinha para uma pessoa.
Enfim, ser diferente dos outros pode ser bom ou ruim. Seguir os outros apenas por seguir é abdicar das decisões da vida. Quem muito se dá bem neste sentido são as grandes empresas. Elas têm força para moldar os hábitos de populações inteiras. No livro “O poder do hábito” Charles Duhigg conta a história da criação do hábito de escovar os dentes. Foi criado a partir de uma agência de publicidade, claro, a pedido de uma fabricante de pasta dental. Seria ótimo se as empresas se restringissem a criar bons hábitos. Mas a própria popularização dos cigarros entre o público feminino é uma criação das empresas. Pense nisso na hora de beber um copo de água, pense nisto na hora em que insiste para o amigo comer mais um pedaço de pizza.