DA ADMINISTRAÇÃO DOS SENTIDOS.
Não há neutralidade nem mesmo no uso mais
aparentemente cotidiano dos signos.
Eni P. Orlandi
Ignorar que os sentidos são construções histórico-sociais é nocivo à consciência. O pior deles? Aquele “fabricado” em nome de consensos. Tal tipo (consenso) não passa de manipulação encapotada, na qual se restringe a liberdade crítica de alguns, a fim, óbvio, de que certos sentidos predominem como “verdadeiros”.
Qualquer sentido se movimenta e se estrutura na provisoriedade. Silenciando, melhor, não-dizendo, ele procura nos enredar, impõe-se como História, estabelecendo e cristalizando leituras, formas de se ver os fenômenos, as coisas, o mundo. Em síntese, do relativo nasce o absoluto.
Se os sentidos estão sempre “lá”, não é qualquer um que poderá alcançá-los; é preciso invocar os “iluminados”, os “sacerdotes”, os “profetas” para tamanha empreitada. Afinal, amigo, existem modos, fórmulas e metodologias sacrossantos na arte de interpretar. Falando sério: os sentidos são administrados, são vigiados.
Na busca intransferível de sentidos (não posso delegar a ninguém esta tarefa), precisamos, na lição sábia de Eni P. Orlandi, saber como os discursos funcionam e nos colocarmos na encruzilhada de um duplo jogo de memória: a memória institucional que estabiliza, cristaliza, e, ao mesmo tempo, o da memória construída pelo esquecimento que é o que torna possível o diferente, a ruptura, o outro. Neste caso, não hesito em dizer: a memória da trapaça salutar, alicerçada, sem dúvida, num raciocínio radical, rigoroso e de contexto.