Breve ensaio Além do Homem
Além do Homem. Um tipo superior ou a idealização do nosso fracasso transmutado em algo que nos supere e nos perdoe? É assim, talvez dirão aqueles que não possuem, por desfaçatez ou má fé, a sensibilidade crítica para se auto-apontar o dedo e dizer-se "sou meu fracasso", "sou a estupidez encarnada, dotada de músculos e nervos e massa cerebral, porém, sou, a par de tudo isso, um pária que se alimenta do meu próximo" Eís!, talvez, por ingenuidade, gritará esse homem, eis-me aqui meus irmãos, eis-me aos pés da colina e a seus pés, eu, que em toda minha vida fui vil, arrogante e denunciador daqueles que lutaram para que as coisas fossem distribuídas em partes iguais. Eu, que não sentei à mesa junto daquele que plantava o alimento que eu trazia à boca. Eu, que de tantas vilanias,- amparado em ideias que eu mesmo não entedia, mas que as repetia só porque devia lealdade a um grupo interessado somente no poder-, me tornei traidor daqueles que lutaram pelo bem comum. O que posso dizer, o que posso querer como de direito, se, tendo cedido às promessas que só a mim trariam benefícios? Eu, que quebrei o espelho tão logo nele não me vi, senão, e apenas, um traidor? Então, quem é esse Além do Homem, pergunto a ti que lê essas linhas. Será o projeto de uma nova humanidade ou, menos que isso, apenas, e tão somente, a possibilidade de novos sonhos e desejos? Será o advento de um Prometeu pós-moderno, um Van Gog que rompe com a tradicionalidade e que dá à cor um pedestal antes destinado ao pintor? Não sei, respondo sem meias palavras. Ignoro quem seja esse novo Homem, porém, confesso, espero por ele toda manhã, toda tarde e toda noite. Espero que traga a chama que queimará os déspotas, os usurpadores, os aproveitadores, os causadores de doenças e fome. Porque se esse Além do Homem não trouxer a centelha da esperança, nada se alterará, nada será rompido e nada será recolado. E daí, sem que sejamos sugados para o redemoinho da destruição, não nos restará mais nada, que não seja olhar-se ao espelho e lamentar a triste figura que nos encarará de volta.