Pintura
Depois, o vampiro velho e frio, volta por suas cidades, como se pudesse concertar o tempo, e reparar as rugas do seu próprio rosto.
Procurava por cima dos edifícios e das luzes dos postes a sabedoria maior do amor, feito um arqueiro em queda de braço com o passar dos dias. Tinha naquela vida, os livros abertos que ainda ia escrever.
Depois a madrugada desenhava em suas cores, os melhores poemas, eu em preto e branco,deixava passar por mim, a própria noite , a vida,e era como se palavras trouxessem de volta os sonhos, os amores, e o tanto de vida que já tinha ido.
Por toda sacada duas taças, de um vinho seco, pra adoçar a boca, e apenas uma cama que lhe valesse todo aquele espetáculo imortal de vida e poesia.
Versos duros pra aquecer o escuro do quarto pela manha, enquanto a vida já se encarregava das melhores canções pra mim... Já era dia, enquanto meu corpo repousava desfalecido pelo sofá minha alma ainda catava as últimas palavras deste poema, pela mesa do café.
A música tinha parado e o tempo trouxe o peso dos seus minutos, um a um, em forma daquele passado; o tempo sempre ele, feito um deus de segundos e silêncios que reage toda vez que a música pára,diminuiu os cômodos e a vida gritou novamente dentro de uma caixa de fósforos, apenas o meu silêncio.
Haviam almas inertes pelo sofá, esperando a noite que chegava triste a procura de um abrigo em minha sala vazia.
Do outro lado da porta um passado que corria mudo, minha alma tinha mais marcas que meu rosto e o semblante tinha de lutar sozinho no meio de uma guerra repartida.
A essa altura o coração escrevia por minhas mãos, o barulho dos carros desgovernados e sem sinal, a vida ah a vida!!! se resumia a mais um fim de tarde, que voltava pra cobrar de mim, talvez até, o que eu mesmo me roubei.
Eu em forma de vilão, jurava não mais te ver pelos lugares. Já era setembro, haviam folhas secas ainda, a vida era apenas mais um fim de tarde, feito uma paisagem mal desenhada pelo buraco da fechadura.
O tempo resolveu se abrigar pelo teto daqueles cômodos esticados, e a música cantava a história parada na porta; a sacada empoeirada era a foto principal daqueles silêncios vorazes que me olhavam bem nos olhos.
Eu pintava em telas, pelas ruas daquele outono cinzento, seu rosto, que me arrastava pelos poemas que não escrevi ainda, como um arcão que devia mais a mim mesmo, do qualquer miserável deve a vida.
Depois eu andava pelas areias e atravessava os mares,ouvia com calma o som das águas sob as pedras abandonadas no final da orla; mais a frente, as notas de um violão batiam sintonizadas com aqueles ventos da madrugada, eu procurava seu rosto dentro daquele sonho, e só via sua cor de sol e o jeito dos seus cabelos, em cena novamente a solidão tratava de repartir os versos, e um vampiro por cima daquelas marés era o dono de todos os escuros vagos da minha alma secular.
(Edmilson Cunha)