OS ENCANTOS E AS DORES DE UMA MÚSICA UNIVERSAL
Fico imaginando uma música que conseguisse, com alto grau de perfeição e com o poder de uma sonoridade meticulosamente entoada, exprimir o mundo em que vivemos, onde a tradução do que se passa no palco tragicômico de nossa existência fosse convergida tudo numa rica melodia orquestrada.
Uma música que falasse não só das dores e aspirações humanas, mas também dos conflitos de tantos indivíduos com a sua sociedade, bem como dos anseios mais mesquinhos de grande parte dos seres humanos. E porque não mencionar tamanha diversidade de ganâncias e ambições malsãs que levam legiões de homens as guerras, aos genocídios e a destruição sistemática da natureza? Dessa ameaça contra tudo aquilo que é belo e sublime, surgiria nos fundos desse panorama o grotesco e uma sensação tétrica de caos.
Uma música que canta o mundo de nossos dias, para ser verossímil o suficiente, não precisaria unir esses elementos em sua composição nas asas de uma bela poesia, a mesma que também ama a aurora dos mais belos momentos da vida?
Uma música com esse grau de complexidade, cheio de vibrações esquisitas e de acordes ora pesados, ora suaves e adocicados (a depender do momento do enredo em que a música é entoada), seria tão dramática que não precisaríamos propriamente experimentar uma grande queda nos abismos de nossa fragilidade e, com isso, sentirmos verdadeiras vertigens; essa música simplesmente iria preencher essa lacuna, nos ensinando o que é sentirmos, só com a força de nossa imaginação e de nossas fantasias, as dores de existirmos em nosso íntimo mais secreto.
Uma musica assim não iria somente exprimir o sofrimento humano na sua evidência mais plena, mas em certos momentos sentiríamos em nossos corações alguma esperança e alegria quando tamanha morte no mundo cedesse espaço a redenção do amor de DEUS pelas nossas vidas.
Pois se quisermos pensar na possibilidade de uma sinfonia a exprimir, com seu cântico, o mundo em que vivemos, teríamos que começar a experimentar, pelos acordes e pelas vozes em sintonia, a desolação expressa pelos longos intervalos de descida nos abismos, sem deixar de haver, logo mais a frente, diferentes intervalos que nos dê a chance de sentirmos uma repentina ascensão (principalmente os que esperam esse momento oportuno e não descartam o lado resplandecente da vida), a fim de encontrarmos, pela fantasia trazida pela música, um amparo e um consolo contra as adversidades que nos assolam desde que nascemos.
Uma música cheia de altos e baixos, de quedas e de ascensões, de gritos brutos de desespero e de euforias, sem deixar de lado os mais simples contentamentos, além, é claro, que vislumbra o peso das opressões do mundo e a leveza dos livramentos inesperados que são dados por Deus, é a que mais se aproxima da loucura de estarmos vivos nesse mundo, uma música assim não deveria desconhecer os pavores da existência e nem a sublime força da natureza que eleva nosso espírito. Ela seria tão encantadora e, ao mesmo tempo, tão insondável, que nessa atmosfera desejaríamos permanecer horas a fio, a fim de escutarmos melhor o que se passa no universo e com nossa modernidade tardia.
Tal ressonância produziria uma vibração tão grande em nossas almas, uma vibração que nos levaria ao mesmo tempo aos êxtases e ao desespero, de modo que ficar indiferente seria mais absurdo do que todas aquelas idiotices que os homens inventaram para preencher o tédio de suas vidas.