A quem peço desculpas?
Enquanto crianças, somos pequeninos, não somente em tamanho, mas também em sagacidade, antagonicamente, somos grandes em inocência. Não se sabe ao certo quando a perdemos e se isso é bom ou ruim, o certo é que não há medidas para os erros e as verdades são apenas interpretações diferenciadas dos fatos.
O quanto eu errei, somente cabe a mim julgar e unicamente a minha consciência punir. Porém, enquanto aguardo a noite se esvaziar como ampulheta no vértice do destino que começo a não entender, o cigarro consumir-se diante de mim, a fumaça evaporar-se ao meu redor e o café a esfriar sobre a escrivaninha em que derramo lágrimas, lembro-me do gesto de uma criança (talvez perdida em mim) a distribuir de forma "incomprehensíbile", cumprimentos em forma de "jóia", com o dedão, na verdade, dedinho delicado em posição positiva, para todos que passavam na rua onde ela estava sentada sobre os degraus da escadaria que a conduziria, talvez, ao seu lar, segurança única e exclusiva para todos, tolice minha, para muitos a rua era a única e exclusiva segurança existente...
Lembrar, do latim "momorare", de perdir desculpas sempre... mas a quem eu devo pedir desculpas? Peço desculpas a mim mesmo, àquela criança inocente, que não fazia idéia de onde eu a levaria. Peço desculpas a mim mesmo, por conduzir-me em caminhos extremamente tortuosos e fazer-me perder a inocência que ainda tinha quando criança, ao levantar o dedo positivamente para quem passasse por mim...
A vida humana, criação social, moral e religiosa, está fadada à angústia, miséria e infortúnio interior, a solidão que está desgraçadamente nos consumindo de dentro para fora, enquanto teço tolices sobre o meu cigarro e o café que esfria em minha escrivaninha...
Lamento, da fresta da minha janela vejo apenas outras solitárias janelas, também entreabertas a observar-me de longe...