ESCANDIR
Escandir é decompor um verso em seus elementos métricos e/ou “destacar bem na pronúncia as sílabas de um verso ou de uma palavra.” Aurélio.
Escandir é uma palavra originária do Latim, de um verbo intransitivo e transitivo:
Scando, is, ere, scandi, scansum. Sentidos: Subir, trepar, escalar; medir versos, escandir.
Escandir um verso nos permite subir o verso acima. Não se fica passivo diante de um verso escandível. Quem tiver um pequeniníssimo germe de alpinista logo o vai escandir, sabendo que, assim como a montanha, o verso pode levar a alturas donde se descortinam mais amplas e belas vistas, bem como mais profundidade no pensar, maior sensibilidade. Mais sabedoria.
A escansão de um verso pode dar-se na decomposição de seus elementos métricos: as sílabas e sua quantidade e pode dar-se no destaque da leitura das sílabas – quer elevando ou abaixando o volume da voz, quer lendo mais lenta ou rapidamente - onde entra o elemento sílaba tônica: nos sonetos com versos decassílabos, sãos tônicas as sextas e décimas sílabas. É o chamado decassílabo heroico. Se Demócrito afirmou que “o acento tônico é a alma da palavra”, tal afirmação se pode fazer também no tocante às sílabas tônicas do verso.
Escandir um verso é levar a poesia para os dedos e/ou para a voz e levar os dedos e/ou a voz à Poesia; é subir de uma leitura abstrata para uma prática de leitura, enriquecida com participação corporal e, por isto mesmo, com compreensão e sensibilidade, adentrando por aqui no espiritual.
Escandir versos seria algo semelhante a se tomarem comprimidos de ritmo para reforço de nossa afetividade, emoção e sentimento, para reforço de nossa sensibilidade e, consequentemente, de nossa espiritualidade.
Fernando Pessoa em “Apontamentos solto de Ricardo Reis; s.d. publicado, pela primeira vez, na primeira edição da Obra Poética de Fernando Pessoa, RJ, Aguilar, 1960, ed. Companhia José Aguilar Editora – MSC, pg. 191/3, escreveu, a respeito das “Poesias de Álvaro de Campos”:
“Em tudo se diz - poesia ou prosa - há ideia e emoção. A poesia difere da prosa apenas em que escolhe um novo meio exterior, além da palavra, para projetar a ideia em palavras através da emoção. Esse meio é o ritmo, a rima, a estrofe; ou todas, ou duas, ou uma só. Porém menos que uma só não creio que possa ser.”
Ressalte-se: o meio para projetar a ideia através da emoção é o ritmo, a rima, a estrofe.
Com sua genialidade Fernando Pessoa o escreve, confirmando-se o que escreveu Freud, num momento de grande intuição, digamos, poético, “inexiste caminho novo que não o tenha conhecido primeiro um poeta”, aliás, de outro lado, é de se lembrar que um dos principais méritos de Freud foi ressaltar que a palavra pode realizar muito no atendimento de pessoas, ao invés de produtos farmacológicos. Freud teve a ideia da cura pela palavra em 1895.
Nas palavras de Fernando Pessoa acima substitua-se a palavra emoção por afetividade, para abranger emoção e sentimento.
Entenda-se ainda, por ritmo, não só a métrica, mas também, e principalmente, a sílaba tônica. A rima tem também seu valor, mas, quanto à estrofe, seu peso é pequeno, salvo melhor juízo.
Escreveu ainda, com admirável lucidez Fernando Pessoa:
“Uma emoção naturalmente harmônica é uma emoção naturalmente ordenada; uma emoção naturalmente ordenada é uma emoção naturalmente traduzida num ritmo ordenado, pois a emoção dá o ritmo e a ordem que há nela, a ordem que no ritmo há.”
“Na palavra , a inteligência dá a frase , a emoção o ritmo. Quando o pensamento do poeta é alto, isto é, formado de uma ideia que produz uma emoção, esse pensamento, já de si harmônico pela junção equilibrada de ideia e emoção, e pela nobreza de ambas, transmite esse equilíbrio de emoção e de sentimento à frase e ao ritmo , e assim, como disse , a frase , súbdita do pensamento que a define , busca-a , e o ritmo , escravo da emoção que esse pensamento agregou a si , o serve."
Diógenes Pereira de Araújo