NO CASULO DOS SONHOS

Ensaio filosófico N 55

*Por Antônio F. Bispo

Uma criança pequena foi deixada em seu quarto sozinha pela mãe, pois a mesma foi na esquina comprar um pão e já volta. A criança estava dormindo, mas o barulho externo a acordou. A mãe deixou um pirulito como consolo. Você teria coragem de tirar da boca dessa criança esse pirulito, banzeando-se apenas no fato de que este vai lhe causar cárie no futuro, sem antes ter o cuidado de providenciar um meio de acalentá-la? Alguns segundos pra um adulto, é uma eternidade ao pequeno que chora.

Outra criança teve seus membros inferiores mal desenvolvidos e atrofiados por que até os cinco anos de idade, seus pais eram extremamente “zelosos” e tinha medo de que a criança se machucasse ao cair, ou pegasse infecções por bactérias ao engatinhar pelo chão. Você ajudaria na fisioterapia dessa criança, iria culpa-la pelo seu estado de ser, ou simplesmente a empurraria para a queda toda vez que a encontrasse, simplesmente por saber que ela é frágil?

Somos todos como as duas crianças acima. Somos ao mesmo tempo o observador e o ser observado. Podemos oferecer afeto ao tirar o doce ( a crença errônea de alguém) ou podemos sentir prazer ao ver o que chora por não ter afeto ou direção de vida nenhuma. Podemos ajudar ao que atrofiou os membros por “cuidados” extremos de seus criadores mestres, pais, líderes religiosos) ou podemos mantê-lo atrofiado pelo resto de suas vidas, pelo simples prazer de saber que este é inferior a nós, ou que o temos sobre controle. Podemos culpa-los ou desprezá-los também, por eles terem nascido nesse ou naquele país, nessa ou naquela crença. As vezes também somos a criança com o pirulito e as vezes somos a criança atrofiada pelos nossos sistemas de crenças e cuidados extremos de outros. As vezes teremos que ter cuidado e paciência com outros. Outras vezes são outros que terão conosco. Podemos também fazer da crítica alheia hobby, quando apenas apresentamos o problema sem apresentar ou ajudar na solução.

Se aprendêssemos a ouvir a voz do nosso próprio interior ou do interior do outro quando defende (mos) suas (nossas) crenças, por mais tolas que pareçam ser, talvez não ouviríamos um sussurro, mas ouviríamos um grito alto e estridente do tipo: “POR FAVOR, NÃO MECHAM EM MINHAS CRENÇAS! Ela é a única coisa que me consola, me conforta, e me mantem seguro nesse mundo de incertezas! Se me tiras as crenças, me tiras também o solo onde piso, as asas com as quais alço voo, o alimento que alimenta minha alma e cama onde repouso meu corpo todas as noites. Tenho medo de saber o que realmente é necessário saber, por que no dia em que souber serei forçado a mudar, tenho medo de não ter ninguém pra caminhar comigo, por isso sigo a multidão e estou muito bem em minha zona de conforto! Obrigado! Não me pertube”.

Pois é....sabe aquele filme chamado Matrix, em que mostra as pessoas vivendo suas vidas como um modelo de programa de computador, em que suas funções e personalidades são criadas ou alteradas de acordo com o querer do programador central? Então...vivemos mais ou menos assim..Quando nascemos, um modelo social já existia, e apenas fomos inserido nele, com suas crenças, valores, objetos de culto, deuses e metas sociais a serem alcançadas. Algumas coisas funcionam bem, outras porem, mesmo sabendo que não funcionam, decidimos manter funcionando para não enfrentarmos um turbilhão de “spywere” que o próprio sistema já traz consigo. Quando nosso “antivírus” não funciona bem, a melhor solução que encontramos e deixar o modo operacional seguir o fluxo do que controla por vias exteriores.

Sonhar, fantasiar, imaginar, criar, acreditar, ter fé e prosseguir. São palavras curtas, porém inspiradoras que podem trazer embutidas em si a esperança ou desesperança de muitas pessoas. A causa pela qual lutamos atrelada a racionalidade será um ponto determinante, um divisor de águas entre manter ou não manter determinada postura mediante os fatos que dia a dia nos são revelado de forma natural. Podemos decidir enxergar ou não os fatos, executar ou deletar as novas funções que descobrimos em nosso corpo ou intelecto. Podemos deletar nosso sistema operacional antigo e obsoleto e nos atualizarmos. Podemos também deixar o programa antigo, por que todo o sistema inserido é antigo também e não roda em máquinas novas.

Haverá momentos em que teremos de largar certos sonhos e fantasias, mudar o ponto de vista sobre determinada crença e desapegar das ilusões que nos fizeram acreditar sem jamais deixar de ter fé em nós mesmos. Recomeçar seria a palavra certa. Um encontro com nosso verdadeiro EU pode ser a coisa mais dolorosa do mundo para quem costuma viver o sentimento de rebanho fazendo as coisas mecanicamente apenas por que todos ao seu redor fazem igual. Pensar em ser ou agir diferente é o mesmo que ter de enfrentar ou dar satisfação a um montão de gente que também se sente confortável em nos ver em certo nível social ou intelectual. Onde todos medem 160 cm de altura, se você cresce até 165 cm, você será um incomodo aos demais. Se não puderem usar salto, vão te fazer manquejar de algum modo, para que o nível do seus olhos não ultrapasse o topo de suas cabeças.

A causa de muita gente se irritar quando são confrontadas com algum ponto de vista que não condiz com nenhuma possibilidade factível, não é sinal que ela esteja totalmente certa sobre si, mas exatamente o oposto sobre isso. Ela apenas estar com medo, sente raiva de si própria pela incerteza que tem, mas como não tem outro “chão” pra pisar, procura mostrar para si próprio que estar segura, agredindo ou perseguindo ao outro que aponte um ponto de vista diferente. Numa terra de cegos, apenas um ser que enxerga causará irritabilidade em todos os demais, quando o mesmo descrever as cores, brilhos e formas do mundo ao seu redor. O medo, apesar de não ser algo tão louvável assim, é um mecanismo de defesa que desenvolvemos ao longo das era para nos mantermos vivo mediante perigo iminente. A coisa complica quando o medo supera a lógica e as probabilidades de algo ser ou acontecer como nos foi dito. Quanto mais insegura e incerta for uma pessoa, mais agressiva ela será ao argumentar suas crenças, irá dizer que essa agressão é autoridade do espirito santo ou coisa do tipo. Uma pessoa segura de si, não perderá tempo tentando provar nada a ninguém, mas se derramará por completo, quando encontrar outro nível de consciência igual ao deste, que enxerga na troca de ideias de forma respeitosa, uma rica oportunidade de evolução. Apenas 1 minuto tentando da satisfação a uma pessoa insegura de seus conceitos te trará enormes sofrimentos e arranhões. Cem anos de pesquisas, descobertas e troca de diálogos respeitável, são como 1 mil anos no paraíso.

Desde muito cedo, fomos ensinados a competir e querer vencer em tudo, inclusive nos debates. Não importa onde essa competição irá nos levar. Desde crianças fomos inseridos em um grupo, colocado diante de nós uma “verdade”, e foi nos dito, ainda que de forma indireta que o outro grupo ou o outro ponto de vista não é o certo. Fomos ensinados a ter sempre uma resposta pronta, por mais tola que seja para dar ou atacar o outro. Declaramos por inimigo todos que não vistam nossa fé ou não concordem com nossa opinião. Quanto mais grupos se dividem, mais terão chance de se atacarem entre si. Ouvir, nunca! Analisar, jamais! Rejeitar, sempre! Estamos o tempo inteiro aceitando tudo, ou estamos o tempo inteiro rejeitando tudo! Isso vai depender da perspectiva que nos foi dado sobre o outro ou sobre seu ponto de vista. Quase nunca buscamos o caminho do meio, da racionalidade, da razoabilidade.

Acontece que nem sempre precisamos ter respostas prontas pra dar as pessoas que quase nada significam para nós, que não nos diga respeito, ou que usarão nossas respostas apenas para se autopromover, distorcendo o que dissemos, atraindo para si os olhos de outras pessoas do mesmo nível e criando um nível de consciência que os mantenham presos na própria teia que criaram. Eles te perguntam sobre um ponto de vista que você tenha, não por que desejam aprender contigo ou pesquisar se o que você disse tem fundamento, mas apenas para contra argumentar contigo, ou te reduzir com difamações quando em grupo não conseguirem te vencer pela razão. Pra evitar debates e desgastes desnecessário, as vezes nos fazemos de tolos para dar de presente a inflação do ego alheia.

Ainda crianças, muitos de nós, fomos ensinados a usar nossas palavras para argumentar, convencer, persuadir e acima de tudo estar sempre com a razão, estar sempre certo, e ter a palavra final. Quem rir por último rir melhor e o que fala no final vence o debate, pronto! Nem sempre é assim. Uma análise racional sobre o ponto de vista do outro, pode nos evitar muitos desafetos futuros. Para alguns, o dia mais glorioso e proveitoso de suas vidas, não foi quando venceram um debate, mas foi quando o outro desmontou através do respeito, explicação e razão, que seu modo de ser ou sentir não eram os melhores para o proposito qual esse almejava. Aquele que nos despe a alma, nos marcará mais do que aquele que nos despe o corpo. Outras pessoas vão esculpindo a si próprio de forma gradual, sem querer estarem certas ou erradas em certos pontos de vista. Apenas observando, comparando, reaprendendo...

Ficamos felizes quando em público fazemos outros calam mediante uma explanação que acabamos de citar como sendo verdade absoluta. Poucos de nós fomos ensinados a parar, ouvir e pensar no que o outro quer nos dizer. Ouvir é sinal de fraqueza em nossa sociedade. Reagir de modo imediato e louco é sinal de soberania. Uma soberania que cria soberanos isolados em suas próprias ilhas, que mal conhecem a si mesmo mas julgam conhecer a tudo e a todos. Julgam conhecer o mundo e todas as culturas, mas conhecem apenas o próprio umbigo, poucas citações de livros, autores, ou escrituras tidas como sagradas, conhecem apenas as citações que sustentam sua base de fé. Uma soberania cuja arma maior é a difamação, a raiva e a calunia quando se sentem acuados em suas próprias ideias.

Nesse contexto de criar verdades absolutas (e obsoletas), os líderes políticos e religiosos medíocres ainda continuam sendo os mais influentes na criação e manutenção de “viveiros” cheios de pessoas amputadas intelectualmente, sem vontade própria, cuja única forma de ver o mundo tem de passar primeiro pelos olhos do líder, para depois ser retransmitidas aos liderados. A programação que vem de cima nesses recintos não é um vírus inserido, é uma programação inversa mesmo. Com o passar do tempo nesses ambientes, vive-se uma espécie de “orgulho zumbi”, onde o normal é apenas praticar comandos curtos e repetitivos quando direcionado pela voz monótona de quem os lidera. Uma máquina tão potente, complexa e fabulosa que é o ser humano, fica reduzida a apenas a executar três comandos: gravar, repetir e executar. O gosto, o cheiro, e o tato... Se o líder não sentiu, não cheirou, não degustou não pode ser de experiência pelos liderados. Se aos olhos da liderança algo não for bom, aos olhos dos demais liderados passa a ser lei também o desafeto a esse algo. Para se cometer um pecado, basta expressar sua própria opinião. Para ser “aniquilado” basta dizer que o amargo é doce e o branco é preto. Uma vez que sua “máquina” que assumir programação própria, logo passam um “antivírus” em sua programação para combater qualquer ameaça exterior. Os questionamentos interiores que surgirem dentro de ti, basta dizer que é pecado de rebelião contra o espirito santo e que pra esse pecado não há perdão e pronto! Ou então diga que é anarquia social que funciona também. Nem precisa criar um longo discurso para intimidar uma mente fraca. Use o sentimento de medo contra a lógica, contra a própria pessoa e em 90% das pessoas isso funciona direitinho.

Para que perder tempo brigando com outro, se você pode usar seus medo interiores contra eles próprio? As palavras mágicas para esse autopoliciamento de rebanho são:

SAGRADO-diga que algo é sagrado, não importa o que seja, e as pessoas irão reverenciar, mesmo que seja exatamente o oposto do sagrado. Qualquer coisa torna-se sagrada, quando um líder religioso diz que é, e os liderados dizem amem. Vassouras, chaves, canetas, esperma, pelos pubianos, chaves, lascas de madeira como se fosse a cruz....É possível tornar qualquer coisa sagrado e revender ao povo, ou faze-los reverenciar este objeto, basta dizer que teve um sonho, revelação, visão ou algo do tipo. As pessoas nunca questionam. Tem sido assim há milênios. Diga que quem duvidar estar duvidando do próprio Deus. A imagem do Deus irado e aborrecido o tempo inteiro, foi forjada ao longo da história exatamente para zerar questionamentos e intimidar a racionalidade, afinal, quem ousaria desafiar os desígnios do Senhor?

PROFANO- diga que algo é profano, e as pessoas irão atacar, ou se distanciar desse algo. Demonize o outro, ou o que o outro faz, e todos dirão amem. Diga que qualquer objeto que despertar a racionalidade é do demônio e as pessoas se afastarão. Cite livros, autores, músicas e pessoas que não se pode dialogar por serem instruídas, e as pessoas darão volta em quarteirões para nem passar por perto de algo que foi demonizado. Na idade médias os padres eram especialistas nisso. Hoje temos os pastores que lhes superaram. É normal quando um filho supera a própria mãe. Há muito tempo as pessoas conseguem coisas ou pessoas para atribuir seus sucessos e fracassos ou transferir suas culpas e responsabilidades. Se dizer que algo dar azar ou foi enviado pelo diabo, todos rejeitarão sem pensar duas vezes.

PECADO- diga que algo é pecaminoso, e o medo, nojo, asco e ódio possuirão grande parte das pessoas, enojando-se por exemplo de si próprio, dos seus órgãos genitais, de sua forma física e de tudo que possa dar prazer ou alegria na vida, inclusive um simples refrigerante ou malte fermentado ou uma simples conversa com alguém que não seja do grupo religioso. A palavra pecado e profano andam juntas como irmãs gêmeas na boca dos opressores e oprimidos. O que serve a uma, serve a outra também. Vale lembrar que geralmente tudo que os grandes líderes demonizam, eles fazem as escondidas entre si, das coisas imagináveis até as inadmissíveis. Se você os flagrar cometendo tal pecado e não filmou ou fotografou, eles dirão que é mentira e te processarão por calunia. Se você consegui registrar em imagens a ocorrência, eles terão a cara de pau em dizer que foi o diabo que possuiu seus corpos naquele momento e os levou a fazer tal prática e todos dirão amém. O que flagrou é quem será demonizado e perseguido.

GALARDÃO (ou salvação) - diga que algo proporcionará algum tipo de recompensa a alguém, que seja agora ou ainda que seja daqui a milhões de anos, e você poderá ter milhares de súditos aos teus pés. Nosso modelo social que visa o trabalho em troca de salário, institivamente já nos induz a isso. A questão da salvação cristã esconde algo descaradamente contraditório é horrível: muitos não se alegram pelo fato de que um dia serão salvos, mas sim, pelo fato de que um dia, verão milhões e milhões sendo castigados, inclusive aquele seu vizinho ou colega de trabalho que você convidou a sua igreja e ele não “aceitou Jesus”. Aff! Milhões de crentes ao redor do mundo aguardam ansioso esse dia, para ver arder no inferno qualquer um que não concordou com suas crenças! Eles dizem sentir o gozo da salvação, mas sou levado a crer que sentem mais é o prazer pela perspectiva da condenação alheia.

CASTIGO- diga que se algo não for feito como a liderança manda, o que se recusa será castigado. A humilhação em público é uma das coisas que mais tememos como pessoa. Imagine ser humilhado diante várias pessoas, do Ser todo poderoso e seus anjos, naquele grande dia do juízo, por que você cortou o cabelo, usou brinco, ou depilou a virilha e as pernas cabeludas? Aff! Só de pensar coro de vergonha ( vade retro pensamentos das trevas, meu corpo é do Senhor!)!

DEMOCRÁTICO-diga que algo é democracia, mesmo que seu modo de agir você esteja lutando contra a democracia e você terá pessoas nas ruas quebrando tudo e fazendo protestos sem nem prestarem atenção que estão defendendo uma ditadura e não um regime democrático.

ANTIDEMOCRÁTICO- diga que alguém estar sendo antidemocrático, mesmo que você mesmo esteja escravizando os outros, e eles farão tudo para viverem ainda mais em servidão, acreditam estarem lutando pela liberdade. Associe a isso símbolos demoníacos e pronto! As pessoas se jogarão de corpo e alma nessa causa, e lutarão para aniquilar o outro, quando na verdade você é o opressor. Quando bases sólidas te faltar, use a fé. Faça como fez Constantino, crie um mito, diga que teve visões dos céus e sempre funciona. Em mais de 70% dos humanos, a fé supera a lógica.

Há outras palavras magicas que discorrerei em outra ocasião.

Geralmente as pessoas não são o que são. Elas são o que acreditam ou foram levadas a acreditar que são. Basicamente somos um organismo biológico sujeito a qualquer tipo de programação. Por enquanto, o que nos define das máquinas é a capacidade de querer (ou lutar) para reassumir o próprio controle pessoal e o sangue que pulsa em nossas veias ao invés de fibra óptica.

Então, na maioria dos recintos religiosos um vive a fantasia que comanda. O outro sonha que estar sendo conduzido de modo seguro ao paraíso e ao gozo eterno. Ambos podem estar apenas vivendo uma fantasia coletiva e precisa acordar desse sonho. Uma cumplicidade doentia, pois na ocasião em que a coisa começa a desandar o liderado põe a culpa no líder pois esse dizia sempre ser o condutor da “locomotiva de sua vida” enquanto o líder diz que a culpa é do liderado, pois como capitão, ele era apenas a voz do comando, mas a força dos remos provinha daquele que remava. No fim das contas, quem assume a culpa é satanás que estar sempre arruinando os planos de Deus...Já pensou? Pra um ser que tudo pode, deixar que um ser tão inferior e insignificante como o anjo das trevas esteja todos os dias arruinando os planos divinos na vida de um fiel, por si só já anula toda crença de que tudo se sujeita a sua vontade. Ou seja, satanás seria o único com vontade própria, inclusive superior a do Criador já que ele tem poder de frustrar os planos dos filhinhos deste. Nesse caso, quem comanda quem?

Podemos até nascer e crescer em um casulo de sonhos, quando ainda não temos força ou vontade própria para ver o mundo com nossos próprios olhos. Mas é na metamorfose que a vida passa a fazer sentido. O ambiente será o mesmo, mas o desabrochar dos sentidos causará outra perspectiva ao que ver. Alguns seres desenvolvem asas, outros garras, outros pelos, outros pele, outros carapaças, outros dentes afiados, outros trombas, etc. A mudança de ambiente pode fazer com que até o seu registro do DNA molde suas formas para adaptação e sobrevivência. Geralmente toda mutação é seguida de dor e desconforto e algumas levam anos pra acontecer. Toda evolução dói. Toda mudança requer adaptação, ou a nova adaptação causa mudanças externas no ambiente em que se vive. Ou mudamos o ambiente, ou o ambiente nos molda. Podemos viver em equilíbrio também se quisermos.

Ao que antes tinham sido condicionado por quem quer seja a acreditar em algo como sendo verdade universal e absoluta, agora sente revolta, perplexidade, sente-se patético, um trouxa quando aprende a pensar por si só, quando solta as muletas da vida, quando deixa o doce que lhe causava carie e prazer ao mesmo tempo, quando o choro passar e se acostuma com a ausência da mãe. Esse novo ser pode cultivar o pensamento de que o seu antigo mentor fora um mal intencionado, aproveitador e impostor, ou pode pensar que o seu mentor era também, apenas um papagaio do sistema, repetindo e reproduzindo tudo como um cão adestrado, apenas um ser medroso que sentia no fluxo do sistema um meio de não enfrentar a si mesmo.

A intensidade com que cada um foi controlado é que define essa percepção, nível de revolta ou iluminação quando despertos. Todo sentimento gerado através da percepção pode ser usado contra ou a favor do novo “iluminado”. Tudo depende do que vai conservar após ter “caído a ficha”. Um próton quando ativado, pode gerar energia nuclear e alimentar os geradores de uma cidade (energia controlada) ou esse mesmo próton ativado em uma bomba atômica causará morte e devastação total (energia descontrolada). Todos somos energia. Basta saber quem vai ativar nosso próton. Se a fé cega em líderes políticos e religiosos, a fé na humanidade, a esperança, a logica, a razão...Tudo isso definirá o fluxo, propósito ou direção de energia que geramos. O que geramos pode ser usado como nosso combustível, combustível para o que nos oprime, ou para alimentar o sistema qual ajudamos a criar.

No momento em que passamos a nos conhecer e nos questionar, perceberemos que outros usam nossos medos e ganancia contra nós mesmos. Nesse momento saímos do modo automático, enfrentamos a atrofia muscular, e não teremos receio se a ausência dos que nos gerou for a recompensa por crescermos e andarmos com nossa própria condução. Estamos cientes que podemos cair, nos ferir, ou até sangrar para vencermos a atrofia muscular que nos foi imposta, mas logo estaremos andando ou correndo, e depois da linha de chegada (fim de nossas vidas) outros assumirão nosso lugar.

A improbabilidade, incertezas e múltiplas possibilidades é uma constante e variável na equação da vida e organização de nossa estrutura social, na criação dos deuses e regimes políticos. Tudo muda quando o observador e observado se encontram. A dura, rígida e firme certeza em uma crença, regime ou divindade como sendo inalterável, invariável e inquestionável, serve apenas para manter aquecido num casulo de sonhos, aquela larva que tem medo de se transformar numa linda borboleta e ser comida por um pássaro logo após sair do casulo. A outra possibilidade seria dessa mesma larva aproveitar o curto período da vida voando sobre lindos campos de flores.

Se quisermos mesmo “tirar o chão” de uma pessoa, devemos antes de tudo ensiná-las a voar ou nadar. Destruir as crenças da divindade de um povo sem que antes as faça ver o divino que existe nelas próprias, seria como deixar vários cegos em um ambiente fechado, com terreno irregular, cujas pontas das bengalas sejam afiadas e protuberantes. Todos sairiam daquele ambiente sangrando e feridos, pois ao tatear tentando encontrar a saída, iriam se ferir mutuamente. Se não estivermos dispostos a ajudar alguém a trilhar um novo caminho, causaríamos um caos na vida desta, expulsando-as do caminho que elas já trilham apenas por diversão própria. Somos todos mestres e somos todos discípulos. Todos ensináveis e aprendíveis. A crença na supremacia do debate usando apenas a fé tem causado danos irreparáveis a nossa espécie. As vezes perdemos pra ganhar. As vezes ganhamos pra perder. Mais importante que aprender a conviver com os deuses, é aprender a conviver com as pessoas. Os deuses, são todos eles poderosos e nada dependem de nós, a não ser que sejam egoístas (duvido muito que eles sejam, será que são?). Nós dependemos uns dos outros para sobrevivermos e nos ajudarmos. Se perdemos tempo, tentando mostrar a supremacia e grandeza dos deuses quais cultuamos, desperdiçaremos nosso curto espaço de tempo nessa existência. Devemos refazer nossa programação, corrigir ou deletar programas antigos. Quem sabe até trocar a placa mãe para que os novos componentes funcionem perfeitamente.

Usar de paciência para entender que o outro é o que é por que foi levado a crer o que não é, não é tarefa fácil, mas tudo na vida tem um preço. O preço para a paz entre as pessoas, as vezes consiste em não despi-las de suas certezas, quando suas crenças são seus maiores tesouros nessa terra. Quem vive melhor nesse mundo não é o que aprende a dialogar com os deuses, ou que vence todos os debates. Quem vive mais e melhor é aquele que aprende a dialogar consigo mesmo e entender o ponto de vista do outro. Como seres sociais e sociáveis, geralmente o que precisamos e estar com outro, seja prazer, afeto ou lucro. O que não queremos também nos será dado pelo outro: desafeto, prejuízo, desacato e desencontros. Quando olhamos para o fundo do nosso ser, veremos sempre no outro, uma parte de nós que queremos evitar.

Nem todos dormiremos, mas muitos de nós seremos transformados e “arrebatados” para um outro nível de ser...

Escrito em 11/2/2017

*Antônio F. Bispo é Bacharel em Teologia, Estudante de Religião em Filosofia e Capelão Ev. Sem vínculo com denominações religiosas desde 2013.

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 12/02/2017
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