O império da razão
No alvorecer de uma nova era, a razão, tão logo se fez rainha, pensou-se uma humanidade mais justa e tolerante. Porém, o instinto guerreiro do homem, o impediu de se curvar para que tudo se mantivesse inalterado. Era preciso, era fundamental, mais do que se podia imaginar, que seu ímpeto guerreiro não permitiria tamanha ofensa. E, então, tomado da certeza, até então, irretocável, não se podia dobrar-se aos caprichos da natureza. Domá-la, submetê-la era mais que uma necessidade; era a primazia de que, dali por diante, nada mais ficaria em pé, nada mais estaria salvo. Ao contrário, inclusive a própria vida, dali por diante, não seria mais o interlúdio entre nascer e morrer, mas, apenas um tênue fio, de ouro ou de nailon, pouco importa. A continuidade ou finitude da vida não mais dependeria de deuses, mas de apenas um botão, um dedo no gatilho, uma agulha contaminada, enfim, o grande dia era apenas uma questão de decisão.O sonho de uma nova Humanidade não se realizou; não era para se realizar. Tudo, a partir daquele dia, o dia em que o homem se viu ereto e pode observar sua grandeza e a pequenez dos demais seres, desde esse dia, trovões se irromperam nos céus, tormentas e vulcões desfilaram sobre a terra, mas, nem com isso, o homem, antes apenas um dentre aquele universo ainda virgem, o homem se curvou. O medo que uma dia sentira, a escuridão e os seres da noite, desde aquele dia, nada mais foram que superstições. E, então, vencer a escuridão, caminhar por caminhos inascessíveis, passou a ser o grande desafio. Eis! gritou a plenos pulmões para todos ouvissem: eis-me aqui, ó mortais que de mim nada mais têm senão apenas a temeridade de que desse dia até o fim dos tempos, nada mais estará sobre nós! Não haverá, para nossa felicidade, a cega entrega de nossas vidas às mãos de entidades que nada mais são que mera quimera de nossa imaginação. Nosso destino, se assim posso dizer, nosso destino estará em nossas mãos. Para defendê-lo de lobos travestidos de espécimes em elevada estima, não cruzaremos os braços como se essa espera - abominável em si - por si pode nos libertar. Não esperaremos o grande dia como se esse nascedouro nos trouxesse o delicioso leite de que precisamos. Não esperemos o leite, ordenhemos a vaca. Deus, apenas um ser em tudo complacente, não aceita o rebelde. E a razão não suporta os fracos. A razão será o grande medidor das ciências, das argumentações, dos processos axiológicos para que se estabeleça uma ponte, um nexo causal que justifique a ação que se quer implementar. E, então,o grande dia coroou-se e raios e trovões explodiram no céu. O novo homem, como quem nasce para ser cordeiro, daquele dia em diante - despido de crenças e superstições -, olhou ao redor e deu o grito que anunciou sua decisão de andar com suas próprias pernas. Assumir o próprio destino e os próprios erros. Deixar para cada qual sua decisão de querer que entidades espirituais façam pate de sua vida. Porém, ao entender que nada disso justificaria as desigualdades e preconceitos, o novo homem, ao dar esse grande passo, daquele dia em diante declarou guerra à ignorância e à manipulação, que só interessam aos que querem controlar a vida dos outros. Assim, ao se precipitar no abismo como quem mergulha no mar, o novo homem, dado esse salto, se fez senhor de si. E assim tem sido desde que ele decidiu aprender que raios e trovões são fenômenos naturais, mas, desigualdades, fome, miséria, doenças, guerras, etc, são decisões que homens tomam para que seu poder de controle não se disperse e eles percam seu prestígio e influência.