EIKE BATISTA E A RETÓRICA DA MERITOCRACIA

Os fatos marcantes do dia aconteceram em torno do traslado do empresário Eike Batista de New York para o Brasil. Ainda na terra do Tio Sam, elegantemente vestido, com voz serena, dava entrevista exclusiva. O sorriso discreto nem de longe lembrava o homem considerado o mais rico do Brasil em 2009, e que anos depois, chegou à sétima colocação dos mais ricos do planeta, segundo a revista Forbes. Entretanto, após uma série de problemas com suas empresas, que não conseguiram concluir projetos empenhados, sua fortuna foi reduzida a míseros menos de dois bilhões de reais, em 2014. O que não o impediu, é claro, de desfilar por aí suas mulheres, jóias e carrões. Parodiando William Waack, e já me justificando, não quero aqui objetificar as suas esposas ao colocá-las na mesma sequência dos objetos de luxo, mesmo que uma delas já tenha pendurado no pescoço uma coleira de brilhantes com o nome do marido. Trata-se apenas de uma enumeração sem juízo de valor. Voltando ao que interessa, o que mais me chamou a atenção foi a sua chegada ao Brasil e posterior prisão. Poucas horas do desembarque, a mesma imprensa que lhe deu visibilidade, expunha a sua triste figura de prisioneiro. Usando calça jeans, camiseta branca e cabeça raspada, Eike Batista era introduzido ao Sistema Carcerário Brasileiro. Um misto de satisfação e angústia me abateram. Satisfação por ver uma ordem judicial ser cumprida, mesmo envolvendo um homem branco e extremamente poderoso, o que é um verdadeiro evento em se tratando de Brasil. Angústia por assistir mais uma vez esse ritual que eu não entendo – a raspagem do cabelo – Eu já li que se trata de um procedimento para igualar a todos dentro do sistema, mas pessoalmente, considero uma espécie de apropriação do Estado da individualidade. O que impõe um alto grau de humilhação ao indivíduo seja ele quem for. Eu sei que muitos aplaudem esse procedimento, afirmando que a partir daquele portão, homem ou mulher passará a ser tratado como um número, um quase nada, e assim, poderá refletir melhor sobre os seus malfeitos. O que é completamente contrário à ideia de ressocialização na regulamentação do cárcere moderno. Isso me fez lembrar aquelas escolas do passado que colocavam um chapeuzinho de burro nas crianças que tinham dificuldade de aprender. Não resolve. E, em se tratando de Sistema Carcerário, caminhamos para trás. Recordei-me do clássico do Romantismo francês do século XIX, “Os miseráveis” de Victor Hugo e seu protagonista Jean Valjean; na ficção não bastava ser presidiário, tinha que carregar uma marca que prolongasse sua pena e a arrastasse pela vida afora. A história de Eike Batista é muito interessante e possibilita inúmeras reflexões; uma delas liga-se diretamente à ideia de meritocracia. Ele herdou do pai o nome, a dupla nacionalidade, brasileira e alemã. Os princípios de disciplina de culturas com as quais conviveu, pois morou entre a Suíça, Alemanha e Bélgica. Chegou a ingressar no curso de Engenharia na Alemanha, mas nunca o concluiu. Assumiu logo os negócios do pai e a cadeira de presidente de um conglomerado de empresas. Tinha tudo para figurar como exemplo de meritocracia, considerando que apesar de herdeiro, fez-se a partir do trabalho e da cultura arduamente construída. Em consequência triplicou o patrimônio iniciado por seu progenitor. No entanto, entre a ideia da meritocracia e a práxis da mesma, existe um abismo e, nesse abismo ganância, desejo de ser, ter e viver o melhor da existência aqui e agora. É isso que faz empresários e políticos se articularem de maneira mafiosa. Todos sabem que o trabalho em si não torna ninguém bilionário, pelo menos em uma única existência. Todos sabem que grande parte das empresas do Brasil e do mundo produz cada vez menos e especula cada vez mais no mercado financeiro. O discurso da meritocracia é usado para diminuir os parcos recursos públicos destinados à educação dos pobres. Afinal, para quê e para quem serve a educação se o destino de jovens, pobres e pretos é o Sistema Carcerário?

Leva-se muito tempo para se entender o valor inestimável de uma boa educação na transformação de vidas e realidades. Às vezes, é necessário se colocar literalmente no lugar do outro para se entender a importância de um simples diploma de Ensino Superior.

O Cotidiano desse país é um solo fértil para inspirar Histórias reais e a boa ficção. Ver Eike Batista ser preso trouxe-me a lembrança da Operação Satyagraha ( 'firmeza na verdade', ou 'firmeza da verdade'), comandada pelo então delegado da Polícia Federal, Protógenes Pinheiro Queiróz, hoje exonerado e defenestrado do Departamento de Polícia Federal (DPF) por ter combatido a corrupção. Lembro-me bem, ele foi o primeiro a prender Eike Batista e Daniel Dantas; que saíram livres, em seguida, com pedido de desculpas pelo incômodo. Se não me engano era o governo de FHC.

Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 31/01/2017
Reeditado em 31/01/2017
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