Admirável 1984 e o condicionamento mental
Nas últimas décadas do século XX era comum a expressão carregada de esperanças nos tempos vindouros: “Lá no ano dois mil estaremos conquistando o Cosmos, a comunicação será por telepatia e os carros flutuarão em vias aéreas”. Nos anos 80 o horizonte do futuro era um misto de ficção científica e avanços tecnológicos que faziam as pessoas imaginarem um mundo conectado extremamente asséptico onde aquilo que conheciam e estavam acostumados tornar-se-ia, de alguma forma, obsoleto e retrógrado. Seria o ápice dos inventos da humanidade no domínio da nanotecnologia e o aprimoramento da robótica como propulsores de uma nova civilização. A barreira temporal foi rompida com o alvorecer do novo milênio, as transformações almejadas não foram alcançadas e a percepção linear da história, aos poucos, foi abandonada quando encarada à luz das mudanças e permanências, revoluções, avanços e retrocessos da aventura humana. Os modos de comunicação da atualidade propiciam uma interação e participação entre variados grupos sociais ao mesmo tempo que fomenta os grandes trustes econômicos mundiais. Monopólios que são facilmente detectáveis nas publicidades das mídias virtuais, nos sites de busca ou nas redes sociais. O rastreamento voluntário dos usuários da web é um mecanismo de condicionamento mental utilizados pelas grandes empresas e governos no mundo inteiro cujo interesse é estritamente econômico, além de fornecer imprescindível análise de perfis sociais. A implantação de microchips subcutâneos nos recém nascidos ainda não é necessário para o controle da população, pois o nível de comunicação via computadores, televisores e celulares garante informações privilegiadas sobre os indivíduos. A servidão moderna é um estratagema capcioso articulado de maneira sublimar, atingindo a subjetividade e as mentalidades com o propósito de aprofundar os tópicos da agenda neoliberal, a sociedade de consumo e a formatação dos consumidores divididos pelo acesso aos bens. A respeito de regimes totalitários duas obras literárias tornaram-se clássicos, o enredo ficcional de Admirável Mundo Novo (publicado na Inglaterra em 1932 e sua primeira versão em português 1941) do escritor Aldous Huxley (1894- 1963) e a intensa e atormentadora história do livro 1984 (lançado em 1949) de George Orwell (1905- 1950). Uma literatura de cunho político e filosófico que retrata as inquietações dos pensadores de meados do turbulento século XX. São abordagens críticas e reflexivas com tessituras diferenciadas sobre utopias e distopias revelando a importância do controle ideológico para a manutenção das desigualdades sociais e as estratégias de dominação política e econômica. Huxley descreve uma sociedade controlada desde seu nascimento pelas castas, onde cada membro tem uma funcionalidade e pela propagação de prazeres e distrações como forma de alienação em que o sujeito que questiona e pensa diferente do paradigma dominante é penalizado. Em contraposição, Orwell trata sobre uma ditadura em regime de controle absoluto de todas as esferas da vida, um contexto de opressão e repressão, inclusive vigiando o pensamento das pessoas através de uma polícia específica. É o surgimento do arrebatador The Big Brother ( O Grande Irmão) e seu partido com hierarquias bem definidas pautada na exploração do trabalho numa nítida fragmentação entre o trabalho intelectual e braçal. São dois livros impactantes, vibrantes e atemporais que refletem, como um espelho, as anomalias e caricaturas de sociedades que estavam enterradas nos escombros da história e que seus fantasmas ainda hoje, assombram os esconderijos das fundações do mundo que ainda está por vir.
Publicado no Jornal A Folha/Torres e Jornal Litoral Norte/RS.