A SÍNDROME DO INDIVIDUALISMO: E DURKHEIM COM ISSO?
A SÍNDROME DO INDIVIDUALISMO: E DURKHEIM COM ISSO?
(Ensaio produzido em 1990)
INTRODUÇÃO
A síndrome do individualismo manifesta-se no mundo atual em duas frentes distintas, seja na ambiência das sociedades ocidentais altamente industrializadas, seja entre aquelas do Leste europeu que encarnam o chamado socialismo real.
O primeiro caso configura uma situação em que o homem, esmagado pela pressão competitiva e consumista, vive em estado de desejo insaciável e se volta para a interioridade espiritual. Desencantado com o passado e descrente no futuro, o homem vive intensamente o presente, inseguro de si, aspirando a ilusão efêmera do bem-estar pessoal, buscando no hedonismo uma compensação para o seu vazio interior. Segundo Lasch (1983 e 1986), esta exacerbação do individualismo competitivo tem como produto o “novo narcisista”, protótipo do homem psicológico que sucedeu ao homem econômico, perseguido pela ansiedade e não mais pela culpa, buscando incessantemente um sentido para a vida.1
A outra frente da síndrome emerge de um conflito não resolvido pelas atuais experiências socialistas entre o Estado e a sociedade civil. A prevalência coercitiva do Estado esmaga, há décadas, a livre manifestação política e cultural do cidadão que não mais se satisfaz com o acesso a bens e serviços mínimos e essenciais à sua sobrevivência. Ele aspira o consumo de bens sofisticados, a liberação dos padrões estéticos, enfim, a liberdade e os direitos civis elementares.
Se grande parte dessas exigências se identifica com os valores do individualismo ético que a própria concepção revolucionária marxista contém (Tucker 1983), e indisfarçável certa nuance de individualismo liberal presente nas manifestações, como as que redundaram na unificação das duas Alemanhas.2
Como se percebe, a questão do individualismo é atual e instigante. Mas as suas origens remontam à Renascença, quando se observa a ascensão da burguesia. Contudo, Dumont (1985) considera que os primórdios da idéia - não exatamente o individualismo na forma atual - já se verificavam entre os primeiros cristãos. A religião teria sido o agente essencial da sua propagação e evolução histórica. Isso acontece num primeiro momento, mediante a idéia de que o cristão é um “indivíduo-em-relação-com-Deus”. Este relacionamento transcende o mundo do homem e de suas instituições sociais. “O valor infinito do indivíduo é ao mesmo tempo o aviltamento, a desvalorização do mundo tal como existe: é postulado um dualismo, estabelece-se uma tensão que é constitutiva do cristianismo e atravessará toda a história” (Dumont 1985:43). Tem-se então um indivíduo “essencialmente fora do mundo”.
A reforma religiosa protagonizada por Calvino pôs por terra a dicotomia hierárquica vivenciada na obediência a Deus - obediência ao mundo, consagrando os valores individualista sem qualquer tipo de restrição ou limite. Na sua teocracia, a fé e o amor passam para o segundo plano, a razão prevalece e a Igreja passa a se confundir com o Estado, fato peculiar na Idade Média.
A noção de indivíduo implica, a um só tempo, um componente e um valor que se distinguem analiticamente: “de um lado, o sujeito empírico que fala, pensa e quer, ou seja, a amostra individual da espécie humana tal como a encontramos em todas as sociedades; do outro, o ser moral independente, autônomo e, por conseguinte, essencialmente não social, portador dos nossos valores supremos, e que se encontra em primeiro lugar em nossa ideologia moderna do homem e da sociedade” (Dumont 1985:37).
Desse pressuposto derivam duas espécies de sociedades e ideologias correspondentes: a que tem como valor supremo a totalidade social, negligenciando e subordinando o indivíduo - o holismo - e a que tem como traço fundamental a valorização suprema do indivíduo, em detrimento da totalidade social - o individualismo.
Birou (1976) define o individualismo como “qualquer doutrina, teoria, prática que coloca o indivíduo humano na base do seu sistema de explicação ou de suas normas de conduta, tornando-os como realidade essencial ou como mais alto valor” (Birou 1976:200-201). Quanto às formas pelas quais se apresenta, têm-se: 1) filosófica social, que reafirma o ser humano individual como valor supremo, devendo a sociedade servi-lo e contribuir para o seu desenvolvimento; 2) sociológica, que postula o indivíduo como unidade social fundamental em torno da qual se teoriza a vida em sociedade; 3) econômica, que pressupõe toda a liberdade individual na organização da produção e circulação da riqueza, em outras palavras, a defesa intransigente da iniciativa privada; e 4) política, que pretende a não intervenção do Estado nas relações interindividuais ou a sua intervenção em grau minimamente necessário.
Feitas as considerações iniciais, formula-se a questão central do presente trabalho: dadas a postura metodológica de Durkheim e a sua tese ontológica que subjaz na antinomia sociedade-indivíduo, ambas de caráter eminentemente holista, como se explica o individualismo em Durkheim? Em outras palavras, o que tem a ver Durkheim com o individualismo, este valor fundamental da sociedade moderna?
A resposta a estas questões constitui o objetivo deste ensaio. Como procedimento, tomar-se-á como tese a postura holista de Durkheim contida na essência de suas obras principais.3 Em seguida colocar-se-á como antítese a manifestação individualista do pensador tornada pública no ensejo da polêmica suscitada pelo rumoroso caso Dreyfus. Finalmente, a superação do paradoxo pela idéia síntese do individualismo ético como imperativo social.
A TESE: DURKHEIM HOLISTA
O conjunto da obra de Durkheim revela um caráter holista, tanto nas formulações teóricas e metodológicas quanto nas análises de fatos empíricos que definem a sua contribuição substantiva ao desenvolvimento da sociologia.
Empenhado em conferir à sociologia uma identidade própria, mediante a definição do seu objeto - o fato social - e de um método que viabilizasse a sua observação e explicação nos moldes objetivos e científicos que caracterizam as demais ciências, Durkheim toma a antinomia indivíduo-sociedade como categoria fundamental de análise. Para tanto, constrói um esquema conceptual a partir da noção kantiana de dualismo humano, baseada não em princípios metafísicos mas na existência real de duas faculdades antitéticas: a emoção, faculdade de pensar sob as diversas espécies do individual e a razão, faculdade de pensar sob as espécies do universal e impessoal (Durkheim 1975b).
Este dualismo significa a dupla existência vivida pelo homem: a que tem raízes no organismo, por isso mesmo de caráter individual, e a que reflete o prolongamento da sociedade, ou seja, de caráter eminentemente social. “É evidente que as nossas paixões e tendências egoístas derivam da nossa constituição individual, enquanto a nossa atividade racional, quer teórica quer prática, depende diretamente das causas sociais” (Durkheim 1975b:302).
No seu livro “Sociologia e filosofia”, Durkheim (1970) insiste nesta abordagem, enfatizando a questão da moral, para ele instrumento fundamental da coesão social que passa por duas exigências básicas, como esclarece Filloux (1975b): a comunhão, sentimento de que o homem só se realiza pela participação comunal e a lei que define as normas para o seu enquadramento na sociedade. Para chegar a tanto, Durkheim aprofunda a análise dos conceitos de representações individuais e representações coletivas, procurando por em relevo a independência relativa que existe entre o mundo da psicologia e o mundo da sociologia: “Todos os meus esforços tendem a tirar a moral do subjetivismo sentimental em que se atrasa e que é uma forma de empirismo ou de misticismo, duas maneiras de pensar que são intimamente aparentadas (Durkheim 1970:83).
Em Durkheim, as representações são fenômenos que se distinguem dos demais fenômenos da natureza por apresentarem características peculiares. Embora admitindo que as representações individuais sejam produzidas por ações e reações elaboradas por elementos das células nervosas, ele insiste que essas representações não são inerentes a esses elementos, ou melhor dizendo, a consciência individual não é um epifenômeno da vida física. Por raciocínio análogo, as representações coletivas ainda que produzidas pelas ações e reações intercambiadas entre consciências individuais, das quais se originam, elas nada têm a ver com o simples somatório dessas consciências. Assim como a síntese de elementos químicos produz fenômenos cujas propriedades são completamente diferentes das qualidades dos elementos primitivos, as representações individuais não revelam a essência das representações coletivas. Como na teoria dos sistemas, o todo não significa apenas a soma das partes. “Quando dissemos que os fatos sociais são em certo sentido independentes dos indivíduos e exteriores em relação às consciências individuais, apenas afirmamos no que tange ao reino social aquilo que acabamos de estabelecer a propósito do reino psíquico”, conclui Durkheim (1970:38).4
Na concepção durkheimiana, a sociedade é, portanto, o começo e o fim de toda a atividade moral. Além de ultrapassar às consciências individuais, ela lhes é imanente, sendo dotada de um predicado moral e de uma autoridade que impõe respeito: “Entregue a si mesmo, o indivíduo cairia sob a dependência das forças físicas; se pode escapar, libertar-se e criar uma personalidade, é porque pôde se abrigar sob uma força “suis generis”, força intensa, pois resulta da coligação de todas as forças individuais, mas força inteligente e moral, capaz portanto de neutralizar as energias ininteligentes e amorais da natureza: é a força coletiva” (Durkheim 1970:71).
Com base nesta assertiva, Durkheim assume que os teóricos e pensadores iluministas podem até postular os direitos fundamentais do homem à liberdade, mas nunca deduzir a sua moral individualista da noção de indivíduo isolado, uma vez que essa liberdade não se torna uma realidade a não ser dentro da sociedade e através dela. A sociedade, enfim, é comparada à divindade quando Durkheim admite que somente um outro ente poderia conter uma realidade moral tão rica e complexa: Deus. Ainda assim, ele não vê na divindade “mais do que a sociedade transfigurada e simbolicamente imaginada” (Durkheim 1970:68).
Não fica por aí a revelação holista de Durkheim. Em sua tese “A divisão do trabalho social”, as relações entre a personalidade individual e a solidariedade social retomam a situação problemática que pode ser resumida nas seguintes questões: por que o indivíduo, na medida em que se torna mais autônomo depende mais estreitamente da sociedade? Como pode o indivíduo tornar-se ao mesmo tempo mais pessoal e mais solidário? Por que estes dois movimentos antinômicos prosseguem de forma paralela? (Durkheim 1989a).
É o próprio Durkheim (1989a) que responde partindo da argumentação de que a semelhança e a dessemelhança podem ser causas de atração mútua, pelo que as diferenças de certo gênero tendem a se completarem, ao invés de se oporem e se excluírem. A divisão do trabalho sexual é o exemplo elementar dessa relação solidária, a partir da qual ele constrói o raciocínio que aprofunda até atingir a complexidade dos níveis mais especializados da divisão do trabalho, causa de solidariedade social. Nesta perspectiva, a coesão social é uma conseqüência e verdadeira função da divisão do trabalho que, por sua vez, tem um caráter moral, explicado pelo fato de que a ordem, a harmonia e a solidariedade social são uma necessidade moral.
Quanto ao método utilizado para por à prova esta proposição, Durkheim se vale da classificação das diversas espécies de direito, já que o direito reproduz as formas principais de solidariedade: a que corresponde ao direito repressivo - a solidariedade mecânica - e a que corresponde ao direito restitutivo - a solidariedade orgânica.
A solidariedade mecânica, ou por semelhança, provém do fato de existir um certo número de estados de consciência comuns a todos os membros da sociedade. Marcando os primórdios da vida social, ela caracteriza as sociedades primitivas onde o indivíduo, por não ter individualidade própria, é confundido com os seus pares dentro de uma coletividade à qual está ligado sem nenhuma intermediação. “A similitude das consciências dá origem a normas jurídicas que sob a ameaça de medidas repressivas, impõem a toda gente crenças e práticas uniformes; quanto mais pronunciada for, mais a vida social se confunde com a vida religiosa, mais próximas do comunismo estão as instituições econômicas” (Durkheim 1989a:260).
Na medida que aumenta o volume e a densidade populacionais ocorrem diferenciações de funções e a necessidade de sobrevivência em comum leva a uma outra forma de consciência coletiva, que deixa de ser caracterizada pela semelhança para se expressar nas diferenças funcionais, a exemplo do que ocorre com o organismo vivo. Os valores anteriores de fé social se transformam em valores próprios de grupos profissionais e de regras que organizam a interação de grupos diferenciados. Trata-se da solidariedade orgânica, devida à divisão do trabalho, característica das sociedades mais complexas e modernas. A ruptura destes laços de solidariedade social corresponde a uma sanção restitutiva, regulada pelo direito cooperativo.
Embora se verifique na solidariedade orgânica um traço acentuado de diferenciações e individualidades, o direito e a moral são os laços que agregam os indivíduos em um todo coerente. “Os deveres dos indivíduos para consigo próprio são, na realidade, deveres para com a sociedade. (...) Eis aquilo que faz o valor moral da divisão do trabalho: é que por ela o indivíduo retoma a consciência do seu estado de dependência face à sociedade; é dela que provêm as forças que o detêm e o contêm. Numa palavra, uma vez que a divisão do trabalho se torna a fonte de solidariedade social, ela torna-se, ao mesmo tempo, a base da ordem moral” (Durkheim 1989b:197-198).
Em “O suicídio” Durkheim (1977) reafirma o primado da sociedade sobre o indivíduo, fazendo crer que as sociedades modernas, ainda que tenham no individualismo um princípio básico, prevalecem crenças e valores comuns que subsistem. Este sentimento coletivo, quando debilitado, pode levar à desintegração social. “O suicídio” é um estudo aprofundado das sociedades modernas que explica como a maneira de comportamento dos indivíduos é determinada pela realidade coletiva.
Apesar de tratar-se, aparentemente, de um fenômeno individual, o suicídio depende de causas sociais. Conforme revelam as estatísticas de Durkheim (1977), “o suicídio varia na razão inversa do grau de integração da sociedade religiosa, doméstica e política. (...) Se estas diferentes sociedades exercem sobre o suicídio uma influência moderadora, não é em conseqüência de características particulares de cada uma delas mas em virtude de uma causa que lhes é comum a todas. (...) A causa está numa propriedade que possuem todos estes grupos sociais embora talvez em graus diferentes. Ora, a única propriedade que pode ser comum a todos é que se tratam todos de grupos sociais fortemente integrados” (Durkheim 1977:233-234).
“As formas elementares da vida religiosa”, de acordo com Aron (1982), a mais profunda, original e importante obra de Durkheim, registra uma eloqüente rejeição às interpretações do animismo e naturalismo por seu caráter essencialmente individualista e psicológico. Para fechar a discussão deste segmento, recorre-se ao comentário competente de Aron, que resume a evidência do holismo de Durkheim também na referida obra: “A interpretação sociológica da religião assume assim em Durkheim duas formas. A primeira acentua a idéia de que no totemismo os homens adoram - sem que o saibam - a sociedade; ou ainda de que o sagrado está vinculado em primeiro lugar à força coletiva e impessoal que é uma representação da própria sociedade. De acordo com a outra interpretação, as sociedades são levadas a criar deveres ou religiões quando entram num estado de exaltação que resulta da intensificação extrema da própria vida coletiva” (Aron 1982:330).5
Colocada a postura holista de Durkheim, seria um paradoxo, ou um procedimento equivocado insinuar-se um comprometimento de Durkheim com os ideais individualistas? O esclarecimento dessa questão é o propósito da discussão que se segue.
A ANTÍTESE: DURKHEIM INDIVIDUALISTA
O registro mais enfático de uma posição individualista de Durkheim, uma confissão aberta, está no seu artigo “O individualismo e os intelectuais” publicado na Revue Bleue de 2 de julho de 1898, em resposta a Ferdinand Brumetière que escrevera “Depois do processo” na Revue des Deux Mondes, a propósito do caso Dreyfus.
Como se recorda, trata-se de uma crise político-institucional que abalou a França no final do século passado, cujo pretexto foi o julgamento por crime de alta traição e condenação à pena máxima, mediante um processo irregular, do capitão Alfred Dreyfus. Na verdade a condenação de um inocente e o protesto dos intelectuais numa campanha que dividiu a nação, pela revisão do processo, escondia, como sugere Sennet (1988) um conflito de proporções mais graves entre as diversas forças da sociedade francesa. De fato, um conflito ideológico entre a velha França representada pelo exército, igreja e alta burguesia, e a nova França que tinha nos segmentos progressistas as heranças das três revoluções.
A crise se agrava quando o escritor Emile Zola publica o manifesto “Eu acuso”, criticando violentamente o exército, a razão do Estado e o anti-semitismo, ingredientes do processo irregular que condenou um inocente, como ficara provado mais tarde. A partir deste manifesto, uma reação em cadeia surgiram outros tantos assinados por intelectuais, com teor mais ou menos idêntico. Foi então que Brunetière, crítico literário e escritor da conservadora Ação católica, resolveu investir contra o que lhe parecia uma indecência, a “descida do pensamento à rua” numa alusão aos intelectuais, para ele os piores inimigos da democracia e dos militares, arautos do individualismo e da anarquia. Na sua argumentação, o pensador católico condenava os intelectuais pelo fato de invocarem o espírito científico para, segundo ele, se imiscuírem em assuntos de segurança que não seriam de sua competência. “Método científico, aristocracia da inteligência, respeito pela verdade, todas estas palavras importantes só vêm encobrir as pretensões de individualismo e o individualismo, nunca é demais repeti-lo, é a grande doença dos tempos que correm “ (Brunetière 1894, citado por Filloux 1975b).
Lukes (1985) identifica outros dois pontos básicos da argumentação de Brumetière: 1) o anti-semitismo cujas causas ele creditava à própria ciência (ou pseudociência?) que ao postular as desigualdades entre as raças teria encorajado a reação preconceituosa contra judeus e protestantes; esta reação seria uma legitima defesa contra a sua dominação política, administrativa, educacional e judicial; 2) a defesa das forças armadas, elemento vital, segundo Brunetière para a prosperidade, segurança e democracia na França. A integridade do exército precisava ser preservada dos ímpetos individualistas e anárquicos, a exemplo da atitude de Spencer que considerou a profissão militar um resquício anacrônico do barbarismo, em plena era de desenvolvimento da industria e do comércio.
O aprofundamento da polêmica viria demonstrar que o que menos preocupava as partes envolvidas era o significado objetivo dos fatos para o estabelecimento da verdade. Interessava mais usar da evidência para polarizar as duas comunidades em conflito, como lembra Sennet (1988). De fato, a resposta de Durkheim a Brunetière, como se verá se dá nestes termos, no que concorda Filloux (1975a): “É interessante notar que ele se comprometeu em nome das exigências morais e não em função de considerações estreitamente políticas ou ainda na sua qualidade de judeu (...) Por fim é significativo para situar a intervenção de Durkheim, indicar que ele se filiou à Liga de Direitos do Homem que se constituiu durante este período” (Filloux 1975a:231).
Em resposta a Brumetière, Durkheim (1975c) assinala ser o espírito dos intelectuais e as idéias que eles defendem, e não o pormenor de sua argumentação sobre o fato específico (caso Dreyfus) que se procura atacar e denegrir. Precavendo-se contra eventuais interpretações destorcidas dos seus argumentos, estabelece como preliminar uma distinção entre o individualismo ético, o individualismo metodológico e o individualismo estreito traduzido pelo utilitarismo egoísta de Spencer e dos economistas liberais.
Aceitando o individualismo enquanto postura ética, Durkheim não perde a perspectiva de que este ideário é produto da sociedade, assim como a moral e religião. Com base nesta premissa ele contra-ataca com os seguintes argumentos: 1) considera o exército um corpo de funcionários sem nenhuma proeminência em especial, obrigado que está a fazer respeitar os valores que fundamentam o consenso social. 2) desqualifica a ataque do seu contendor, pontificando o sentido supremo do individualismo ético que anima os intelectuais, colocando-o como religião da humanidade, antítese do utilitarismo egoísta a arcaico: “Não só o individualismo não é a anarquia como é, a partir de agora, o único sistema de crenças que possa garantir a unidade moral do país” (Durkheim 1975c:243).
Ironizando a conotação religiosa que Brunetière quis dar ao seu artigo, Durkheim pergunta se ele ignora que a originalidade do cristianismo residiu exatamente no desenvolvimento do espírito individualista, onde a fé interior a convicção pessoal tornaram o centro da própria vida moral. “É portanto um erro singular apresentar a moral individualista como antagônica à moral cristã. Agarrando-nos à primeira, não renegamos o nosso passado; não fazemos mais do que continuá-lo” (Durkheim 1975c:245).
Percebe-se a semelhança do individualismo de Durkheim como o professado por Kant, Rousseau e os idealistas que inspiraram a Declaração Universal dos Direitos do Homem. De Kant, ele assimila o imperativo moral que se relaciona à qualidade do homem “in abstractum” e não a circunstâncias particulares egoístas; este caráter supra-individual da moral e do direito ele encontra também em Rousseau cuja “vontade coletiva”, base do contrato social, resulta de todas as vontades particulares.
Lukes (1985) aponta outras afinidades de Durkheim com Rousseau, além do conceito de consciência coletiva que de uma certa forma assemelha-se à vontade coletiva 1) compartilham da idéia de conter as aspirações particulares dos indivíduos no seu conteúdo anárquico e egoísta, pela adoção de um sistema de normas legítimas, racionais e impessoais; 2) entendem a sociedade como dotada de qualidades específicas distintas daquelas dos indivíduos que a compõem isoladamente; 3) concordam com a analogia da satisfação das necessidades orgânicas do homem, em equilíbrio com meio ambiente, e a satisfação das suas necessidades morais através do equilíbrio do meio social; e 4) acreditam que a liberdade do homem é produto de uma regulação.
Não deixando qualquer dúvida quanto à sua posição, Durkheim completa: “Em definitivo, o individualismo assim interpretado (no sentido ético) é a glorificação não do eu mas do indivíduo em geral. Tem por motor, não o egoísmo mas a simpatia por tudo o que é homem, uma maior piedade por todas as dores, por todas as misérias humanas, uma mais ardente necessidade de as combater e atenuar, uma maior sede de justiça. (...) Assim o individualista que defende os direitos do indivíduo, defende ao mesmo tempo os interesses vitais da sociedade; pois ele impede que se empobreça criminosamente esta última reserva de idéias e de sentimentos coletivos que são a própria alma da nação” (Durkheim 1975c:241 e 246)
O que se pode dizer de tudo isso? Seria o individualismo durkheimiano um episódio circunstancial, motivado pelo estado de comoção nacional em que viveu a França em conseqüência do caso Dreyfus? Ou seria um flagrante revisão de sua postura holista?
A SÍNTESE: INDIVIDUALISMO ÉTICO COMO IMPERATIVO SOCIAL
Fugindo ao maniqueismo, faz sentido afirmar que o individualismo em Durkheim não significa um fato episódico, muito menos uma renúncia ao holismo.
Na verdade, existe uma dualidade no centro do pensamento de Durkheim, e não uma contradição, ao procurar reconstituir o consenso social e reforçar a soberania dos imperativos sociais e a força dos interditos coletivos, como lembra Aron (1982). Nesta perspectiva, as normas sociais além de viabilizar a livre realização do indivíduo confere-lhe o arbítrio para julgar e exercer a sua autonomia, dentro de certos limites. Em outras palavras, o modelo de sociedade de Durkheim é aquele em que a coletividade constrói os preceitos morais normativos que se inspiram no valor supremo da pessoa humana, respeitando a autonomia individual e reprimindo os desvios egoístas que na ausência de regras (anomia) podem levar à desagregação social. É portanto a síntese de um individualismo ético com um imperativo social de solidariedade que lhe dá origem (consciência coletiva), definindo as próprias leis que vão legitimar os direitos, responsabilidades e vocações dos indivíduos.
Esta síntese é assumida com clareza por Durkheim: “Eis como se pode, sem contradição, ser individualista dizendo ao mesmo tempo que indivíduo é um produto da sociedade, mais que a sua causa. É que o próprio individualismo é um produto social, como todas as morais e todas as religiões. O indivíduo recebe da própria sociedade as crenças morais que o divinizam. É o que Kant e Rousseau não compreenderam. Queriam deduzir a sua moral individualista não da sociedade mas da noção de indivíduo isolado. Tal empresa era impossível e daí as contradições lógicas dos seus sistemas” (Durkheim 1975c:247).
Como se depreende, as afinidades de Durkheim, Kant e Rousseau enquanto princípios éticos desaparecem quando se evoca o individualismo metodológico, inaceitável para Durkheim. Em Kant, o imperativo categórico da autonomia da vontade encerra esse individualismo já que a liberdade de querer é “positivamente considerada como causalidade de um ser que pertence ao mundo inteligível e, portanto, independente da causalidade mecânica da natureza (Galeffi 1986:183).
Por seu turno, Rousseau (1989) quando descreve o estado de natureza não parte do homem social, preferindo colocar-se ante o homem natural, independente, ocioso (mas nem por isso menos perfectível), dotado de duas características básicas expressas nos instintos de preservação e piedade. “Todas as regras do direito moral me parecem decorrer do consenso e da combinação que o nosso espírito pode fazer desses dois princípios (conservação e piedade) sem que seja necessário introduzir o da sociabilidade” (Rousseau 1989:44).
Por que Durkheim reage a esta postura? Por que na sua concepção os fenômenos sociais são exteriores ao indivíduo, exercendo sobre ele uma certa coerção. Não podem ser confundidos com fenômenos orgânicos porquanto consistem em ações e representações, muito menos com fenômenos psíquicos que não existem senão na consciência do indivíduo. Daí não importar como este concebe individualmente determinada instituição mas sim a concepção que dela formula a sociedade (Durkheim 1985).
Com igual veemência Durkheim rejeita o individualismo utilitarista dos economistas liberais que preconizam a doutrina do “laissez faire”, excluindo a intervenção reguladora do Estado na vida econômica. Esta doutrina e execrada como um “ideal sem grandeza” eis que reduz a sociedade a um “vasto aparelho de produção e de troca” colocando os interesses egoístas acima da moral social. Semelhantes doutrina destituída de qualquer valor moral, prossegue Durkheim (1975d), não pode continuar se bastando a si mesma, devendo se vergar às necessidades sociais. A solidariedade na economia política, colocada nestes termos, é uma obrigação não pelo que possa representar para o atendimento de certas tendências individuais; sua presença é um imperativo da própria condição de vida social. 6
Na sua investida contra o utilitarismo Durkheim não poupa nem mesmo Herbert Spencer, de quem absorveu a perspectiva orgânica de análise das instituições sociais, bem assim o sentido classificatório das sociedades em categorias como gênero e espécie à imagem das ciências biológicas. (Lukes 1985). Na verdade, o entusiasmo de Spencer pela idéias de John Stuart Mills, expressão maior do utilitarismo, atinge o paroxismo ao criticar os próprios parlamentares liberais ingleses, taxando-os de conservadores, por não se oporem com maior rigidez ao que ele chamava de crescente intervenção do Estado na economia. 7
Para Durkheim (1975a) Spencer teria sido menos sociólogo e mais filósofo, ao deixar-se levar pelo “individualismo feroz”, esquecendo-se que a liberdade individual, em qualquer circunstância, é limitada pela coerção social seja na forma de leis, costumes, tradições ou regulamentos. Embora estivesse certo quando assinalou algumas analogias entre as sociedades e os seres vivos, raciocina Durkheim, não lhe ocorreu que os fatores sociais só podem ser explicados por outros fatos sociais, a despeito da semelhança com os fatos biológicos. Este seria o grande equívoco de Spencer cuja filosofia prática “é de uma tal miséria moral que já não encontra adeptos”. (Durkheim 1975c:236). 8
A esta altura parecem existir motivos suficientes para desfazer o aparente paradoxo suscitado pela postura individualista de Durkheim revelada no caso Dreyfus.
No referido episódio, Lukes (1985) encontra uma clara refutação aos que insistem em colocar Durkheim na posição antiliberal, anti-individualista, não raro com insinuações de que teria inspirado a direita fascista. Segundo Lukes, Durkheim (1975c) deu uma explicação sociológica ao individualismo que se exprime num conjunto de idéias, crenças morais e práticas, como se fora uma religião na qual a pessoa humana torna-se o objeto sagrado. Contudo, o próprio Lukes (1977) já criticara Durkheim por considerá-lo “equivocado em acreditar que o seu ataque ao individualismo metodológico e sua defesa da explicação sociológica exigiam que defendesse essa forma extrema de realismo social e sustentasse que os fatos sociais eram “suis generis” com substrato próprio; bastaria afirmar que poucas atividades humanas podem ser identificadas ou satisfatoriamente explicadas sem referência, explicita ou implícita, a fatores sociais (Lukes 1977:30-31).
Por sua vez, Mimica (1988) preocupou-se em mostrar que o realismo social de Durkheim não está associado a um anti-individualismo normativo. A prioridade ontológica da sociedade, por esta razão, implica a afirmação do indivíduo como um valor social da mais alta significância. O individualismo normativo seria assim a expressão da solidariedade altruística, a defesa dos direitos humanos dos quais depende a integração social.
Quanto a isso, Miller (1988) concorda plenamente, não encontrando problema de consistência no fato do individualismo ético envolver tanto a crença em certa autonomia dos indivíduos quanto a sua submissão aos valores da coletividade. Todavia, considera problemática a sociologia “suis generis” e o relativismo ético em que Durkheim se baseia para construir a sua proposição geral. Para Miller fica difícil aceitar que a sociedade moderna possa corresponder ao ideal liberal de oportunidade de realização pessoal para todos e chances de prosperidade também democratizadas. Aponta ainda como problemático o conflito existente entre a doutrina moral das sociedades modernas e as crenças nesses valores, há vista os interesses conflitantes dos diversos segmentos sociais.
De fato, Durkheim não é suficientemente claro nem aprofunda a análise de como operacionalizar o seu ideal ético social. Apenas no prefácio da segunda edição de “A divisão do trabalho social” deixa algumas diretrizes, creditando aos agrupamentos profissionais um papel relevante no que denomina “organização social dos povos contemporâneos”. Aqui ele insiste na existência de uma anomia jurídica e moral na vida econômica que se traduz nas relações entre empregados e empregadores, de empresários em concorrência entre si e com o público consumidor de bens e serviços. Na ausência de regras, nada refreia as forças em competição, impedindo que os mais fortes esmaguem os mais fracos. Os conflitos sociais e econômicos advindos desse estado de anomia são, para Durkheim, uma patologia que precisa ser sanada para a garantia da estabilidade da sociedade.
A solução para o problema seria a regulamentação moral e jurídica, produto de uma elaboração coletiva de grupos profissionais e corporativos; “Nem a sociedade política no seu conjunto, nem o Estado, podem evidentemente cumprir esta função; a vida econômica, porque é muito especial e se especializa cada dia mais, escapa à sua competência e à sua ação. Atividade de uma profissão não pode ser regulamentada eficazmente senão por uma grupo bastante próximo desta mesma profissão para lhe conhecer bem o funcionamento, para lhe sentir todas as necessidades e poder seguir todas as suas variações. O único que responde a estas condições é aquele que todos os agentes de uma mesma indústria reunidos e organizados num mesmo corpo fariam. É o que se chama corporação ou grupo profissional” (Durkheim 1989a:12).
Os sindicatos, lembra Durkheim, poderiam ser um bom começo para por em prática esta idéia, não fosse a ilegalidade jurídica que os caracterizava naquele momento e a baixa representatividade ocasionada pelo baixo número de adesões. Em razão disso, ele preconizava a instalação de um vasto sistema nacional de corporações que substituiriam politicamente os distritos territoriais. Tornar-se-iam colégios eleitorais formados por profissionais e não por circunscrições territoriais, de modo que as assembléias políticas exprimiriam a diversidade de interesses sociais: “seriam resumo mais fiel da vida social no seu conjunto”, afirma Durkheim (1989a:37), mas não substituiriam o Estado que prevaleceria com órgão central da vida coletiva, com poder interventor e regulador.
Não querendo fazer das corporações uma panacéia, Durkheim admitia que a crise social não era devida a uma única causa e que não bastava uma regulamentação qualquer para superá-la; mais que isso, deveria ser uma regulamentação justa. “Enquanto houver ricos e pobres por nascimento não pode haver contrato justo nem uma justa repartição das condições sociais. Mas se a reforma corporativa não dispensa outras, ela é condição primeira de sua eficácia”, conclui Durkheim (Durkheim 1989a:40).
Como se vê, a precariedade operacional desta proposição não condiz com a objetividade e o rigor de outras formulações durkheimianas como as que dão suporte a “o suicídio”, por exemplo.
UMA PALAVRA FINAL
Ao concluir, cumpre salientar que foi objetivo deste ensaio desvendar o aparente paradoxo conjeturado a partir da postura individualista durkheimiana, quando é de todos conhecida a sua visão holista que toma a sociedade como uma realidade total, fundada no consenso.
Tal conjetura foi afastada depois de uma discussão que confrontou o individualismo ético de Durkheim e suas concepções metodológicas e epistemológicas, não se verificando contradição ou incompatibilidade que pudesse reforçar a tese do paradoxo. O resultado seria outro se tratasse do individualismo utilitarista e metodológico.
Chama a atenção em Durkheim (1989a) a observação de que na sociedade moderna não mais seriam os partidos políticos, nem mesmo o Estado, os mentores de um sistema de normas reguladoras do conflito social a questão da legitimidade tem sido o grande problema que os teóricos procuram explicar, em função de algumas evidências: 1) os partidos políticos não mais canalizam as aspirações dos segmentos que deviam representar ou representam; 2) surge em cena a figura combativa dos movimentos sociais que se colocam diretamente contra o Estado no encaminhamento de seus problemas (movimento ecológico, movimentos contra a discriminação racial, movimento de defesa do consumidor, movimento das minorias sexuais, bem assim organizações de bairros, comunidades eclesiais de base e organizações corporativas e sindicais); 3) está mudando o conceito de luta de classes: o que se vê é uma elite de trabalhadores especializados e sindicalizados, incorporada ao desenvolvimento do capitalismo, não questionando mais a apropriação dos meios de produção, em contraste com outros assalariados desqualificados e a grande massa desempregada da sociedade “afluente”; 4) em conseqüência, ampliam-se os conflitos antes reduzidos às classes, para uma polarização entre Estado x ambientalistas, ambientalistas x empresários, donas de casa x comerciantes, pais de alunos x escolas, Estado x família, cidadãos x governo além, naturalmente de patrões x empregados.
Diante do exposto, até que ponto poderiam ser resgatadas - com superação crítica, diga-se de passagem - algumas das formulações do individualismo ético de Durkheim, principalmente a que se refere à necessidade de uma nova estrutura social e política, paralela ao Estado, como alternativa de análise para se compreender a síndrome de individualismo resultante da falência do socialismo real e do “welfare state” capitalista?
Fica a sugestão para uma pesquisa futura, ainda que se reconheça o impacto negativo que pode causar em determinadas áreas acadêmicas que sepultam aprioristicamente o pensamento dos clássicos ou recusam a possibilidade de se tomar criticamente partes relevantes de suas proposições de forma combinada e adaptada às situações presentes. Talvez por desconhecerem que o progresso da ciência e o seu discurso são regidos também pelos princípios da seleção e combinação críticas. 9
NOTAS EXPLICATIVAS
1. Para Sennet (1988) os grandes males da sociedade moderna, desde o narcisismo até a apatia política, resultam do declínio das convenções que regulam as relações impessoais em público. O mal-estar contemporâneo seria, pois, uma conseqüência da invasão da esfera publica pela ideologia da intimidade, no que é refutado por Lasch (1983).
2. Frei Beto testemunhando a derrocada do socialismo na Alemanha mostra como na esfera individual ou coletiva são as utopias que movem o ser humano. “A exacerbação do imaginário é uma poderosa arma para assegurar a alienação e portanto a própria continuidade do sistema. (...) Embora o Eldorado seja oferecido a uma minoria, ao menos na forma de bem-estar material, o sonho de alcançá-lo é socializado. Em outras palavras, para privatizar os bens materiais o capitalismo socializa os bens simbólicos, através da religião e da mídia eletrônica que não distingue o barraco do pobre da mansão do rico. O socialismo real tem feito exatamente o contrário: socializa os bens materiais e privatiza o sonho, na medida em que só os detentores do poder podem aspirar ao exercício da transgressão - como mudar o modo de pensar e de agir em matéria política - que é um dos atributos da democracia” (Frei Beto 1990:13).
3. Particularmente “A divisão do trabalho social”, “As regras do método sociológico” e “O suicídio”, obras que segundo Ortiz (1989) guardam uma lógica seqüencial, onde a primeira confere uma identidade à sociologia, definindo o seu objeto; a segunda estabelece os princípios metodológicos; e a terceira; aplica o método a uma situação problemática, valendo-se de um referencial empírico.
4. Esta mesma explicação está no prefácio da 2ª edição das “Regras do método sociológico”: “se a síntese ‘suis generis’ que constitui toda a sociedade desenvolve fenômenos novos, diferentes daqueles que se passam nas consciências solitárias, concorde-se também que a sede de tais fatos específicos é a própria sociedade que os produz e não as partes desta, isto é seus membros. Tais fatos são, pois, nesse sentido, exteriores às consciências individuais consideradas como tais, do mesmo modo que os caracteres distintivos da vida são exteriores às substâncias minerais que compõem o ser vivo (Durkheim 1985: xxv).
5. Giddens (1981), com base no moderno trabalho de campo antropológico, faz restrições à base empírica da pesquisa soabre as formas elementares da vida religiosa. Contudo, esta crítica não invalida o que se pretende mostrar aqui, o caráter holista argumentação de Durkheim.
6. Na crítica de Durkheim aos economistas liberais existe, segundo Ortiz (1989), uma certa aproximação com Marx, o que não quer significar aproximação teórica substantiva. Ele apenas chama a atenção para o fato da antinomia indivíduo-sociedade adquirir um valor epistemológico tal que estabelece nexos entre teorias completamente diferentes.
7. “As leis ditadas pelos liberais aumentam as coerções e as restrições de tal modo que entre conservadores, os quais como os demais sofrem as conseqüências, se observam tendências e da Propriedade Privada, composta em grande parte de conservadores tomou como lema “individualismo contra socialismo” (Spencer 19.. : 32).
8. Para uma visão mais aprofundada dos pontos comuns e divergentes entre Durkheim e Spencer, ver Corning (1982) e Turner (1987).
9. Neste particular Bourdieu (1983) afirma com muita propriedade que o progresso da sociologia se consolida decisivamente na medida em que se consegue “reunir os conhecimentos, na aparência antagônicos ou, em todo caso, sem recorrer a conciliações retóricas” superando “oposições epistemologicamente fictícias mas socialmente reais” (Bourdieu 1983: 38).
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