A FILOSOFIA DA MAÇONARIA
Entre os modernos gnósticos, o jesuíta francês Pierre Teilhard de Chardin brilha como uma estrela de máxima grandeza, por isso julgamos de fundamental importância fazer uma pequena síntese do seu pensamento, porque ele encontra, em nossa opinião, muitos paralelos nos temas que informam o ensinamento maçônico.
Teilhard vê o mundo ordenado numa série de grandezas distribuídas ao longo de uma escala, que é o eixo do espaço-tempo. Essas grandezas se distribuem em duas direções: uma, que é aquela que vai do ínfimo para o imenso, representada por um universo em constante expansão, formando os planetas, os astros, as galáxias, as grandes massas estelares; essa expansão originou-se num ponto ínfimo de máxima densidade energética, que justamente por hospedar essa inconcebível concentração de energia, um dia explodiu. Essa explosão pode ser identificada com o Big-Bang dos cientistas.
A outra direção é aquela que parte do imenso para o ínfimo, representada pela tendência da energia presente nas massas físicas, de enrolar-se sobre si mesma, criando camadas energéticas cada vez mais densas, concentradas em pontos cada vez menores. Essa é a direção que o espírito humano percorre. E assim é em virtude do fenômeno da complexificação cada vez maior dos processos organizacionais, um dos quais, o mais complexo, é o pensamento humano.
Na escala do imenso, que são as grandezas cósmicas, domina a relatividade. As massas estelares se formam por dispersão, partindo de um ínfimo inicial. Por isso, a organização dos corpos materiais é simples. Neles são realizadas combinações atômicas primárias e as realidades materiais vão surgindo dessas combinações, povoando o nada cósmico. Na escala do ínfimo, porém, ocorre um processo inverso. Neste domina o quanta.[1]
Ocorre uma concentração energética, uma interiorização de energia para dentro dos elementos, e disso resultam estruturas cada vez mais complexas, quanto mais a energia se concentra sobre si mesma. Foi essa concentração energética em uma molécula, que produziu, um dia, o primeiro organismo vivo, o qual evoluiu até desembocar no homem.
Por isso, na psique humana convivem as noções de ínfimo e imenso. Situado no ponto mínimo da grandeza cósmica, e no ponto máximo da complexidade material, o homem debate-se entre a glória de ser o organismo mais perfeito que a natureza criou, e a angústia de ser tão pequeno entre as grandezas cósmicas, comparado a um grão de poeira perdido na imensidão do universo.
É assim que, pressionado entre o ser (complexidade/consciência), e o nada (que são os vazios do conhecimento que tem que preencher), ele sente o arrebatamento do espirito que perscruta a imensidão do universo, e sofre pela limitação que a matéria lhe impõe, pois esta não lhe permite mover-se além dos estreitos limites de si mesmo. Esse é o grande conflito que o homem enfrenta; uma eterna luta entre as forças que o constroem.
Os seres vivos, ensina Teilhard, podem ser grandes ou pequenos. Um dia já foram maiores, mas a necessidade de adaptar-se ás condições de vida na terra, (resultantes da compressão num espaço limitado), forçou-os a diminuir de tamanho.
Mais importante que suas conformações externas, porém, é o fato de eles serem simples ou complexos em suas estruturas, pois é a complexidade dos arranjos que as moléculas fazem para compor um organismo que determina o grau de sua evolução. Dessa forma, um micróbio, por possuir na sua estrutura uma complexidade maior do que a de uma galáxia de estrelas dispersas, ocupa um lugar mais proeminente na escala da evolução do que essa imensidade cósmica, por infinita que ela seja.
Isso porque, no micróbio, a matéria já se organizou de tal forma que a vida se fez presente, coisa que a galáxia ainda não conseguiu.
Nos seres infinitamente simples, unicelulares, nada se constata além de mero determinismo. Neles, tudo se comporta conforme as leis da estatística. Lei da relatividade para o imenso, lei dos quanta para o infinitamente pequeno. Já nos seres complexos, o que se percebe é a interiorização da energia. Tactismo nas células, força vegetativa nas plantas, instintos nos animais, auto-organização nos sistemas, consciência nos homens!
O ser, quanto mais complexo é em sua estrutura, mais consciente se torna em sua interioridade. Dessa forma, a evolução passa a ser um processo de convergência da energia presente na matéria, dirigida para o interior dela mesma.
A consciência humana nasceu, dessa forma, como um fenômeno energético que proporcionou a uma espécie em particular, a condição de diferenciar-se e assumir, entre todas as espécies criadas pela natureza, o próprio rumo no processo evolutivo. A evolução, que até o surgimento do homem, era um processo controlado “por fora”, através de leis exclusivamente naturais, a partir do homem passou a ser controlado “por dentro”, tornando-se auto-evolução.[2]
No mundo dos seres vivos, o homem também é uma emergência descontinua dentro de uma escala de eventos continuados, sucessivos e ascendentes. O homem é a própria vida refletida. Seu surgimento inaugurou uma nova etapa no caminho da evolução, pois a partir dele a evolução passou a ser autogerida. Como isso terá acontecido? Teilhard pensa que, ao longo da evolução das espécies vivas, um processo de cefalização, que pode ser entendido como uma centralização de energia em um determinado órgão (o cérebro), ocorreu em uma das espécies. Essa centralização, ao longo do tempo, foi produzindo cérebros cada vez maiores, seguindo uma trilha biológica (filogenética), até desembocar no homos sapiens. Daí, essa centralização proporcionou o salto evolutivo (ontogenético), do mero reflexo condicionado do animal para a consciência reflexiva do ser humano.
O universo, na cosmogonia teilhardiana, pode ser visto como o conjunto total das realidades espalhadas ao longo da reta espaço-tempo. Com a emissão dos pensamentos por parte do homem, uma nova camada de elementos passou a envolver a terra: a noosfera. A noosfera pode ser entendida como a centralização da totalidade energética despendida pelos homens, em todos os tempos, no ato de pensar. É o conjunto das reflexões humanas que se concentra sobre si mesma, criando uma espécie de “atmosfera espiritual”. É esse celeiro energético de pensa-mentos condensados que fornece o estofo para as nossas atividades psíquicas.
Partindo dessa idéia, o processo de aculturação da humanidade passa a ser a jornada do seu espírito coletivo, em busca de uma união que se consuma num ponto único do tempo e do espaço, que Teilhard chama de Ponto Ômega. Visto dessa forma, a evolução pode ser repre-sentada por um cone onde a base representa a totalidade das realidades materiais e o seu vértice a totalidade das suas manifestações energéticas, convertidas em espírito.
Assim, todas as manifestações do espírito humano são etapas de um processo de evolução cósmica, onde está presente, em maior ou menor grau, a energia na sua forma material, ou já convertida em espírito. Teilhard vê nesse processo a explicação dos fenômenos religiosos. Para ele, as religiões pagãs da antiguidade, tais como as religiões egípcia, mesopotâmica, persa, grega etc. representaram momentos de intensa espiritualidade, em que os cérebros humanos realizaram ingentes esforços energéticos para realizar a união com a divindade. Da mesma forma, o budismo, o hinduísmo, o taoísmo, enfim, todas as religiões não deístas, também foram momentos em que essa aproximação foi tentada, mas por outros métodos.[3]
O cristianismo, porém, na opinião de Teilhard, representou a etapa definitiva desse processo de espiritualização progressiva da consciência humana, o momento-limite em que ela contemplou a realidade divina em todo seu esplendor. Em suas próprias palavras, Cristo é a condensação mais densa e perfeita da energia cósmica, na forma de consciência/espírito, levada ao mais alto grau de densidade. Em suas próprias palavras, “O Cristianismo é a forma última e axial da necessidade humana de fundir-se com o divino, como ultimação do processo de evolução. Pleroma, ponto final da evolução do espírito universal, Cristo é o próprio Ponto Ômega, o fim da flecha da evolução. Bem aventurados os que entenderem essa realidade e a firmarem em seus corações”.[4]
Em palavras de intenso lirismo, Teilhard define assim a manifestação suprema dessa espiritualização, que se realizou no homem Jesus Cristo: “Era preciso nada menos que os labores terríveis e anônimos do Homem primitivo e a longa beleza egípcia e a espera inquieta de Israel e o perfume lentamente destilado das místicas orientais e a sabedoria cem vezes refinada dos gregos, para que, sobre a haste de Jessé e da Humanidade, a Flor pudesse desabrochar. Todas essas preparações eram cosmicamente, biologicamente necessárias para que o Cristo entrasse no cenário humano. E todo esse trabalho era movido pelo despertar ativo e criador de sua alma, enquanto alma humana eleita para animar o Universo. E quando Maria o tomou nos braços, ela estava erguendo o mundo inteiro”.[5]
Nesse elo de ligação, que parecia perdido em meio à mixórdia política, filosófica e ideológica que a Maçonaria moderna incorporou, eis a moderna teologia de um padre jesuíta cantando um dueto com os gnósticos de ontem e de hoje. Pois tanto para os antigos, como para os modernos pensadores dessa escola, o mundo é feito a cada momento, de combinação em combinação, por um Espírito Supremo ou por espíritos seus delegados. Na formação da realidade cósmica, que é una, espírito e matéria aparecem sempre em aparente oposição. É somente através do conhecimento que a mente humana pode vencer essa aparente contradição, transpondo o domínio trevoso da matéria e atingindo o território luminoso do espírito. Nesse processo ele tem que combinar sabedoria com inteligência. Inteligência para compreender os processos pelos quais o universo acontece, e sabedoria para saber utilizar essa descoberta.
De certa forma, esse é o objetivo do magistério maçônico.
A religião busca a revelação, a ciência quer o conhecimento. Ambas são condensações de um fenômeno energético que ocorre nos domínios mais sutis do psiquismo humano. A revelação pode ocorrer no curso de uma prece, de uma prática ritualística ou de um trabalho de labo-ratório, na oficina ou outro lugar qualquer onde o pensamento guie as mãos; já o conhecimento científico ocorre como soma de descobertas feitas sistematicamente no decorrer de um processo de observação dos fenômenos. O que torna diferentes esses dois caminhos de evolução psíquica é a metodologia. Enquanto o cientista observa o fenômeno e descreve o que vê, procurando entender por que ele ocorre daquele modo, o místico procura se colocar no interior do próprio fenômeno, como parte dele, para senti-lo, e dessa forma “ver, por dentro” a sua forma de ocorrência.
A ciência “vê” as coisas pelo lado de fora, a mística as “sente” pelo lado de dentro. Talvez esteja aí a razão de o delírio gnóstico e as intuições cabalísticas jamais terem sido conve-nientemente entendidos pelos racionalistas, pois nunca foi fácil descrever sentimentos, da mesma forma com que se faz com fenômenos mecânicos. Se duas pessoas que compartilham o mesmo grau cultural e as mesmas referências simbólicas forem convidadas a descrever o processo pelo qual a água de uma chaleira se evapora, é possível que ofereçam uma descrição semelhante, e uma mesma conclusão do por que isso acontece; porém, se lhes pedirmos que nos descrevam o que sentem em razão desse fenômeno, e os motivos do porquê sentem dessa forma, dificilmente encontraremos identidade nas respostas e coincidência nas justificativas.
É nesse sentido que o homem deve participar do movimento do mundo e não como seu mero observador. A alma do estudioso, pela participação consciente no processo interativo que formata as realidades universais, torna-se sua razão, e nessa condição ela realmente ‘vê” o que acontece no interior das coisas, e essa visão é o verdadeiro “saber”.
Esse método de conhecer o mundo, que é o método gnóstico, psicológico, no dizer de Ouspensky, é um método que integra razão e sensibilidade, ou se quisermos colocar isso de uma maneira mais sutil, é uma forma que mistura o esotérico e exotérico, fundindo os dois domínios num único e grande território de realidades possíveis de serem abarcadas pelo espírito humano. Se é verdade que espírito e matéria são uma realidade só, que ambos constituem uma unidade que se constrói mutuamente por interação de suas informações nucleares, então essa visão não é um mero delírio metafísico. [6]
Afinal de contas, toda religião tem como objetivo ligar a esfera do humano á esfera do divino. Por isso todas elas procuram desenvolver uma visão do mundo, um conhecimento interior que ilumina a alma do crente e o leva a algum tipo de ascese. Nenhuma confissão religiosa, mesmo aquelas não deístas, como o confucionismo, o taoísmo, o budismo etc., que trabalham esses caminhos através do exercício mental ou pela sensibilidade, dispensam esse objetivo final, que é a iluminação salvadora.
Não se deve confundir gnóstico com mágico, como o fez a Igreja medieval. Embora muitos gnósticos fossem adeptos do pensamento mágico, o gnosticismo se define pelo exercício do livre-pensamento, a recusa de qualquer dogma, o conhecimento deduzido das grandes leis da natureza, ainda que esse conhecimento seja interpretado de maneira religiosa. A gnose cultua o saber pelo saber sem temores ou crenças sobrenaturais. Aliás, para os gnósticos, o próprio sobrenatural é apenas uma superação de leis naturais.
Evidentemente, sua conotação como pensamento mágico é uma conseqüência natural da própria cultura na qual ela se desenvolveu, cultura essa mais voltada para a ciência do divino do que para as realidades da vida profana. O que os modernos gnósticos (e os maçons) fazem é exatamente isso: mostrar a gnose sobre um novo enfoque, agora que a inteligência humana conseguiu se livrar de seus velhos temores sobrenaturais e pode comprovar, pelos avanços da pesquisa científica, que a natureza é, em si mesma, um verdadeiro repertório de milagres.
É nesse sentido que podemos classificar o ensinamento maçônico entre as disciplinas conhecidas como gnósticas.
- A filosofia de Teilhard de Chardin
Entre os modernos gnósticos, o jesuíta francês Pierre Teilhard de Chardin brilha como uma estrela de máxima grandeza, por isso julgamos de fundamental importância fazer uma pequena síntese do seu pensamento, porque ele encontra, em nossa opinião, muitos paralelos nos temas que informam o ensinamento maçônico.
Teilhard vê o mundo ordenado numa série de grandezas distribuídas ao longo de uma escala, que é o eixo do espaço-tempo. Essas grandezas se distribuem em duas direções: uma, que é aquela que vai do ínfimo para o imenso, representada por um universo em constante expansão, formando os planetas, os astros, as galáxias, as grandes massas estelares; essa expansão originou-se num ponto ínfimo de máxima densidade energética, que justamente por hospedar essa inconcebível concentração de energia, um dia explodiu. Essa explosão pode ser identificada com o Big-Bang dos cientistas.
A outra direção é aquela que parte do imenso para o ínfimo, representada pela tendência da energia presente nas massas físicas, de enrolar-se sobre si mesma, criando camadas energéticas cada vez mais densas, concentradas em pontos cada vez menores. Essa é a direção que o espírito humano percorre. E assim é em virtude do fenômeno da complexificação cada vez maior dos processos organizacionais, um dos quais, o mais complexo, é o pensamento humano.
Na escala do imenso, que são as grandezas cósmicas, domina a relatividade. As massas estelares se formam por dispersão, partindo de um ínfimo inicial. Por isso, a organização dos corpos materiais é simples. Neles são realizadas combinações atômicas primárias e as realidades materiais vão surgindo dessas combinações, povoando o nada cósmico. Na escala do ínfimo, porém, ocorre um processo inverso. Neste domina o quanta.[1]
Ocorre uma concentração energética, uma interiorização de energia para dentro dos elementos, e disso resultam estruturas cada vez mais complexas, quanto mais a energia se concentra sobre si mesma. Foi essa concentração energética em uma molécula, que produziu, um dia, o primeiro organismo vivo, o qual evoluiu até desembocar no homem.
Por isso, na psique humana convivem as noções de ínfimo e imenso. Situado no ponto mínimo da grandeza cósmica, e no ponto máximo da complexidade material, o homem debate-se entre a glória de ser o organismo mais perfeito que a natureza criou, e a angústia de ser tão pequeno entre as grandezas cósmicas, comparado a um grão de poeira perdido na imensidão do universo.
É assim que, pressionado entre o ser (complexidade/consciência), e o nada (que são os vazios do conhecimento que tem que preencher), ele sente o arrebatamento do espirito que perscruta a imensidão do universo, e sofre pela limitação que a matéria lhe impõe, pois esta não lhe permite mover-se além dos estreitos limites de si mesmo. Esse é o grande conflito que o homem enfrenta; uma eterna luta entre as forças que o constroem.
Os seres vivos, ensina Teilhard, podem ser grandes ou pequenos. Um dia já foram maiores, mas a necessidade de adaptar-se ás condições de vida na terra, (resultantes da compressão num espaço limitado), forçou-os a diminuir de tamanho.
Mais importante que suas conformações externas, porém, é o fato de eles serem simples ou complexos em suas estruturas, pois é a complexidade dos arranjos que as moléculas fazem para compor um organismo que determina o grau de sua evolução. Dessa forma, um micróbio, por possuir na sua estrutura uma complexidade maior do que a de uma galáxia de estrelas dispersas, ocupa um lugar mais proeminente na escala da evolução do que essa imensidade cósmica, por infinita que ela seja.
Isso porque, no micróbio, a matéria já se organizou de tal forma que a vida se fez presente, coisa que a galáxia ainda não conseguiu.
Nos seres infinitamente simples, unicelulares, nada se constata além de mero determinismo. Neles, tudo se comporta conforme as leis da estatística. Lei da relatividade para o imenso, lei dos quanta para o infinitamente pequeno. Já nos seres complexos, o que se percebe é a interiorização da energia. Tactismo nas células, força vegetativa nas plantas, instintos nos animais, auto-organização nos sistemas, consciência nos homens!
O ser, quanto mais complexo é em sua estrutura, mais consciente se torna em sua interioridade. Dessa forma, a evolução passa a ser um processo de convergência da energia presente na matéria, dirigida para o interior dela mesma.
A consciência humana nasceu, dessa forma, como um fenômeno energético que proporcionou a uma espécie em particular, a condição de diferenciar-se e assumir, entre todas as espécies criadas pela natureza, o próprio rumo no processo evolutivo. A evolução, que até o surgimento do homem, era um processo controlado “por fora”, através de leis exclusivamente naturais, a partir do homem passou a ser controlado “por dentro”, tornando-se auto-evolução.[2]
- A matéria e o espírito
No mundo dos seres vivos, o homem também é uma emergência descontinua dentro de uma escala de eventos continuados, sucessivos e ascendentes. O homem é a própria vida refletida. Seu surgimento inaugurou uma nova etapa no caminho da evolução, pois a partir dele a evolução passou a ser autogerida. Como isso terá acontecido? Teilhard pensa que, ao longo da evolução das espécies vivas, um processo de cefalização, que pode ser entendido como uma centralização de energia em um determinado órgão (o cérebro), ocorreu em uma das espécies. Essa centralização, ao longo do tempo, foi produzindo cérebros cada vez maiores, seguindo uma trilha biológica (filogenética), até desembocar no homos sapiens. Daí, essa centralização proporcionou o salto evolutivo (ontogenético), do mero reflexo condicionado do animal para a consciência reflexiva do ser humano.
O universo, na cosmogonia teilhardiana, pode ser visto como o conjunto total das realidades espalhadas ao longo da reta espaço-tempo. Com a emissão dos pensamentos por parte do homem, uma nova camada de elementos passou a envolver a terra: a noosfera. A noosfera pode ser entendida como a centralização da totalidade energética despendida pelos homens, em todos os tempos, no ato de pensar. É o conjunto das reflexões humanas que se concentra sobre si mesma, criando uma espécie de “atmosfera espiritual”. É esse celeiro energético de pensa-mentos condensados que fornece o estofo para as nossas atividades psíquicas.
Partindo dessa idéia, o processo de aculturação da humanidade passa a ser a jornada do seu espírito coletivo, em busca de uma união que se consuma num ponto único do tempo e do espaço, que Teilhard chama de Ponto Ômega. Visto dessa forma, a evolução pode ser repre-sentada por um cone onde a base representa a totalidade das realidades materiais e o seu vértice a totalidade das suas manifestações energéticas, convertidas em espírito.
Assim, todas as manifestações do espírito humano são etapas de um processo de evolução cósmica, onde está presente, em maior ou menor grau, a energia na sua forma material, ou já convertida em espírito. Teilhard vê nesse processo a explicação dos fenômenos religiosos. Para ele, as religiões pagãs da antiguidade, tais como as religiões egípcia, mesopotâmica, persa, grega etc. representaram momentos de intensa espiritualidade, em que os cérebros humanos realizaram ingentes esforços energéticos para realizar a união com a divindade. Da mesma forma, o budismo, o hinduísmo, o taoísmo, enfim, todas as religiões não deístas, também foram momentos em que essa aproximação foi tentada, mas por outros métodos.[3]
O cristianismo, porém, na opinião de Teilhard, representou a etapa definitiva desse processo de espiritualização progressiva da consciência humana, o momento-limite em que ela contemplou a realidade divina em todo seu esplendor. Em suas próprias palavras, Cristo é a condensação mais densa e perfeita da energia cósmica, na forma de consciência/espírito, levada ao mais alto grau de densidade. Em suas próprias palavras, “O Cristianismo é a forma última e axial da necessidade humana de fundir-se com o divino, como ultimação do processo de evolução. Pleroma, ponto final da evolução do espírito universal, Cristo é o próprio Ponto Ômega, o fim da flecha da evolução. Bem aventurados os que entenderem essa realidade e a firmarem em seus corações”.[4]
Em palavras de intenso lirismo, Teilhard define assim a manifestação suprema dessa espiritualização, que se realizou no homem Jesus Cristo: “Era preciso nada menos que os labores terríveis e anônimos do Homem primitivo e a longa beleza egípcia e a espera inquieta de Israel e o perfume lentamente destilado das místicas orientais e a sabedoria cem vezes refinada dos gregos, para que, sobre a haste de Jessé e da Humanidade, a Flor pudesse desabrochar. Todas essas preparações eram cosmicamente, biologicamente necessárias para que o Cristo entrasse no cenário humano. E todo esse trabalho era movido pelo despertar ativo e criador de sua alma, enquanto alma humana eleita para animar o Universo. E quando Maria o tomou nos braços, ela estava erguendo o mundo inteiro”.[5]
- O elo de ligação
Nesse elo de ligação, que parecia perdido em meio à mixórdia política, filosófica e ideológica que a Maçonaria moderna incorporou, eis a moderna teologia de um padre jesuíta cantando um dueto com os gnósticos de ontem e de hoje. Pois tanto para os antigos, como para os modernos pensadores dessa escola, o mundo é feito a cada momento, de combinação em combinação, por um Espírito Supremo ou por espíritos seus delegados. Na formação da realidade cósmica, que é una, espírito e matéria aparecem sempre em aparente oposição. É somente através do conhecimento que a mente humana pode vencer essa aparente contradição, transpondo o domínio trevoso da matéria e atingindo o território luminoso do espírito. Nesse processo ele tem que combinar sabedoria com inteligência. Inteligência para compreender os processos pelos quais o universo acontece, e sabedoria para saber utilizar essa descoberta.
De certa forma, esse é o objetivo do magistério maçônico.
- A ciência e a mística
A religião busca a revelação, a ciência quer o conhecimento. Ambas são condensações de um fenômeno energético que ocorre nos domínios mais sutis do psiquismo humano. A revelação pode ocorrer no curso de uma prece, de uma prática ritualística ou de um trabalho de labo-ratório, na oficina ou outro lugar qualquer onde o pensamento guie as mãos; já o conhecimento científico ocorre como soma de descobertas feitas sistematicamente no decorrer de um processo de observação dos fenômenos. O que torna diferentes esses dois caminhos de evolução psíquica é a metodologia. Enquanto o cientista observa o fenômeno e descreve o que vê, procurando entender por que ele ocorre daquele modo, o místico procura se colocar no interior do próprio fenômeno, como parte dele, para senti-lo, e dessa forma “ver, por dentro” a sua forma de ocorrência.
A ciência “vê” as coisas pelo lado de fora, a mística as “sente” pelo lado de dentro. Talvez esteja aí a razão de o delírio gnóstico e as intuições cabalísticas jamais terem sido conve-nientemente entendidos pelos racionalistas, pois nunca foi fácil descrever sentimentos, da mesma forma com que se faz com fenômenos mecânicos. Se duas pessoas que compartilham o mesmo grau cultural e as mesmas referências simbólicas forem convidadas a descrever o processo pelo qual a água de uma chaleira se evapora, é possível que ofereçam uma descrição semelhante, e uma mesma conclusão do por que isso acontece; porém, se lhes pedirmos que nos descrevam o que sentem em razão desse fenômeno, e os motivos do porquê sentem dessa forma, dificilmente encontraremos identidade nas respostas e coincidência nas justificativas.
- O método da Maçonaria
É nesse sentido que o homem deve participar do movimento do mundo e não como seu mero observador. A alma do estudioso, pela participação consciente no processo interativo que formata as realidades universais, torna-se sua razão, e nessa condição ela realmente ‘vê” o que acontece no interior das coisas, e essa visão é o verdadeiro “saber”.
Esse método de conhecer o mundo, que é o método gnóstico, psicológico, no dizer de Ouspensky, é um método que integra razão e sensibilidade, ou se quisermos colocar isso de uma maneira mais sutil, é uma forma que mistura o esotérico e exotérico, fundindo os dois domínios num único e grande território de realidades possíveis de serem abarcadas pelo espírito humano. Se é verdade que espírito e matéria são uma realidade só, que ambos constituem uma unidade que se constrói mutuamente por interação de suas informações nucleares, então essa visão não é um mero delírio metafísico. [6]
Afinal de contas, toda religião tem como objetivo ligar a esfera do humano á esfera do divino. Por isso todas elas procuram desenvolver uma visão do mundo, um conhecimento interior que ilumina a alma do crente e o leva a algum tipo de ascese. Nenhuma confissão religiosa, mesmo aquelas não deístas, como o confucionismo, o taoísmo, o budismo etc., que trabalham esses caminhos através do exercício mental ou pela sensibilidade, dispensam esse objetivo final, que é a iluminação salvadora.
Não se deve confundir gnóstico com mágico, como o fez a Igreja medieval. Embora muitos gnósticos fossem adeptos do pensamento mágico, o gnosticismo se define pelo exercício do livre-pensamento, a recusa de qualquer dogma, o conhecimento deduzido das grandes leis da natureza, ainda que esse conhecimento seja interpretado de maneira religiosa. A gnose cultua o saber pelo saber sem temores ou crenças sobrenaturais. Aliás, para os gnósticos, o próprio sobrenatural é apenas uma superação de leis naturais.
Evidentemente, sua conotação como pensamento mágico é uma conseqüência natural da própria cultura na qual ela se desenvolveu, cultura essa mais voltada para a ciência do divino do que para as realidades da vida profana. O que os modernos gnósticos (e os maçons) fazem é exatamente isso: mostrar a gnose sobre um novo enfoque, agora que a inteligência humana conseguiu se livrar de seus velhos temores sobrenaturais e pode comprovar, pelos avanços da pesquisa científica, que a natureza é, em si mesma, um verdadeiro repertório de milagres.
É nesse sentido que podemos classificar o ensinamento maçônico entre as disciplinas conhecidas como gnósticas.
[1] Quanta: quantidade mínima de energia que pode ser detectada. Divide-se em onda ou partícula.
[2] Na imagem, o padre Pierre Teilhard de Chardin
[3] Religiões não deístas são aquelas que não foram “reveladas” ao homem por uma divindade, mas sim desenvolvidas por ele como forma de se comunicar com elas.
[4] Teilhard de Chardin - O Mundo, o Homem e Deus, Ed. Cultrix, 1984
[5] Idem, pg.29. Na imagem, o Grande Arquiteto traça os planos do universo. Gravura de William Blake.
[6]Piotr Demianovitch Ouspensky. Um Novo Modelo do Universo, São Paulo, Ed. Pensamento, 1928.A GNOSE MAÇÔNICA