Qual a origem das crenças religiosas?

A primeira pessoa a questionar-se sobre suas origens e a do universo não tinha aparelhos tecnológicos ou sérias evidências físicas e matemáticas, mas apenas suas reduzidas observações aliadas a sua grande capacidade de imaginação. Na nossa atualidade, por exemplo, quando olhamos para uma tempestade, com suas rajadas de raios e trovões temos a explicação científica, já comprovada, de que sejam resultados de precisos eventos de natureza climática. Como chegamos a esta conclusão? Pelo simples fato de que já acumulamos um número muito alto de informações científicas, fato este que impossibilita uma ideia de que haja uma divindade por trás destes eventos ou por trás de cada evento climático específico.

O que quero dizer com isso? Que os primitivos, por ignorância ou limitação de conhecimentos acerca de eventos climáticos, atribuíam a uma ou várias divindades a causa de determinados eventos. Assim, havia um deus ou deusa responsável pelos raios, outro pelos trovões, outro pelos ventos, pelo mar, pelos mortos, pelo sol, pela beleza, pela guerra, etc – ou simplesmente uma dualidade, o bem e o mal, de um lado um “Deus” do bem, criador, de outro um “Deus” do mal, destruidor e vingativo.

Para não trilharmos outro caminho, podemos chegar à conclusão de que muito antes do século XXI, lá nos primórdios de nossa civilização ou de nosso auto-reconhecimento como espécie humana, houve uma era primitiva onde os seres humanos não sabiam explicar os fenômenos climáticos, e por isso passaram a acreditar que havia ou haviam deuses por trás de tudo que existia. Podemos nos perguntar: onde estava o deus do trovão? Ou o deus dos raios? Ou o deus da chuva, a deusa da beleza e a da terra ou qualquer outro? Respondo: em lugar algum. Não passam de conceitos bastante significativos criados pelos seres humanos desde o início da era primitiva e um processo que ainda perdura, quem sabe até o nosso século, na pós-modernidade como muitos gostam de chamar.

Até mesmo um dos físicos mais importantes de sua área de conhecimento, Isaac Newton, quando não conseguiu explicar a existência da energia eletromagnética atribuiu a “Deus” a causa desta energia, para ele inexplicável. Hoje sabemos que não só estamos cercados desta energia, mas que a utilizamos como ferramenta indispensável para a nossa vida contemporânea. Ao utilizarmos o celular, por exemplo, estamos nos servindo desta energia, ou quando ligamos a televisão ou o computador, etc.

Agora não parece muito difícil de observarmos que quando não temos certas explicações para muitas coisas que mechem com as questões sobre nossa existência e a de determinados fenômenos no universo atribuímos sua causa a uma divindade, como fazíamos desde a era primitiva, a era dos humanos que primeiro se questionaram sobre si próprio e sobre o universo.

Se eu perguntasse pra você qual seria o campo mais livre para a criação de personagens fictícios? Você poderia me responder facilmente que seria a literatura, pois o que é impossível para a física e para outras áreas de conhecimento é possível para a literatura. Seria a mais convincente e, talvez, a mais completa das respostas e definições possíveis. Se um interlocutor qualquer, que estivesse ouvindo a conversa, perguntasse, com maldade, se a bíblia poderia ser considerada como literatura, teríamos que responder pela afirmativa. Obviamente, para respondermos tal questão, devemos recorrer à nossa memória visualizando os livros que compõem a bíblia, suas divisões de tempo cronológico, seus capítulos e versículos, seus conteúdos e, por fim, lembraremos num lampejo que a bíblia tem livros de poemas, de crônicas, de cartas literárias, de narrativas românticas, entre outros. A bíblia por inteiro já é um dos mais impressionantes romances. Exatamente isso, a bíblia é um romance que se divide em três partes: antes da vinda do filho de Deus, lá onde se criou tudo que existe, a vinda do filho de Deus, onde são relatados os evangelhos e a parte final que trata do retorno do filho de Deus. Portanto, o antes, o durante e o depois. Estes parecem ser os tempos cronológicos mais evidentes e seguros para entendermos a complexidade deste livro.

Dessa forma, as crenças religiosas tem suas origens, sobretudo, num percurso que vai de uma realidade imaginada ficcional a uma realidade física e material. Não foi assim que ocorreu com os primitivos? Usaram suas imaginações tanto para explicar que havia uma divindade por trás de fenômenos climáticos quanto para explicar estes fenômenos. Como passaram estes conhecimentos para outras gerações muitas pessoas ao nascerem eram submetidas a diversas afirmações acerca de uma divindade causal e necessária.

Com o passar do tempo, estas crenças, as de que havia um deus ou deuses por trás de eventos climáticos foi perdendo força até o momento em que a física provou que na verdade tratava-se de eventos naturais. O que ocorreu com estas crenças? Não foram descartadas, mas ressignificadas sempre preservando uma mesma linha de pensamento: a de que “Deus” era inquestionável. Como a imaginação é das faculdades humanas mais intensas foi fácil desqualificar as atribuições de causas primárias de eventos climáticos a uma divindade. Agora “Deus” ou os deuses não eram mais como se imaginava: autor (s) de certos acontecimentos climáticos.

Obviamente que isso foi um avanço para o pensamento religioso. Quando desqualificaram a ideia de “Deus” os religiosos mais inquietos decidiram atribuir outras coisas ou outros eventos a esta divindade. Isso quer dizer que as primeiras crenças em “Deus” eram falhas, pois na verdade não existiam divindades por trás de muitos acontecimentos, como se pensava.

Como a ideia de um “não deus” é inaceitável por muitas pessoas a concepção da existência de “Deus” é “inequívoca”. Ora, como a fé trata de assuntos inquestionáveis – o que faz com que os religiosos digam: “acredito pela fé” ou “isso é questão de fé e pronto”, sem discussão – perguntamos: como pode a crença estar errada? E se por acaso alguém me respondesse afirmando que os primitivos eram atrasados, que não tinham muitos conhecimentos ou que eles não estavam aptos para conhecerem realmente a ideia de uma divindade, eu diria que esta é uma resposta extremamente incompleta e contraditória. Os primitivos que diziam que havia um deus responsável pelos raios faziam esta afirmativa pela fé. Os raios para eles eram questão de fé, ou se acreditava que havia um deus por trás deles ou não. Então a fé não é critério para afirmarmos conhecimentos inquestionáveis, nem um método seguro.

(Fragmento do livro (de minha autoria) "Entre dois mundos: a saga de João para compreender a possibilidade de um (não) Deus".

Leon Cardoso
Enviado por Leon Cardoso em 03/01/2017
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