Deus e o universo: conversa com um ateu
– O quê ou quem é “Deus”?
– Um conceito que inventaram, um substantivo abstrato que precisa da mente humana para ter algum tipo de significado. Por exemplo, quando se diz: “Deus é amor” na verdade estar-se dizendo: como posso compreender o amor como um sentimento que pode ser atestado pela minha convivência com alguém – e que o amor também é um substantivo abstrato que tem o bem maior como fim último – então devo associar a imagem de uma onipotência à causa desse sentimento, pois o amor está na base de nossa relação com nós mesmos, enquanto seres da mesma espécie, e com a onipotência, o criador universal.
– Como você entende o termo “criador universal”?
– Na visão de religiosos é uma divindade onipotente que criou tudo que existe no universo. Não passa disso. Na minha visão, é um conceito equivocado que perdura e que a proporção de seu crescimento tem relação direta com a capacidade humana de imaginar e de criar.
– Por que as pessoas acreditam em “Deus”?
– Acreditam numa divindade porque não buscam provas científicas, nem querem aceitar a realidade finita de suas limitações. A primeira ideia de “Deus” surge dos primeiros questionamentos que alguém pode fazer: quem sou eu, o que é o universo, qual o objetivo de estarmos aqui e qual será nosso fim último. Dizem que é preciso existir um design universal que com sua mente pessoal criou tudo que existe, inclusive o ser humano. Esquecem que no universo o ser humano não é o único ser vivo, mas uma espécie em uma dezenas de milhares que existem e que já foram extintas, esquecem que existem inúmeras galáxias, com inúmeros sistemas solares, isto é, inúmeras estrelas e planetas. Esquecem do fato de que pela fé muitas pessoas foram mortas, escravizadas, torturadas, perseguidas, etc. Supervalorizam a fé e escondem os matadouros e as carnificinas por trás das bíblias.
– O que significa fé pra você?
– Fé é o estado puro de ignorância. A fé não admite contestação, mas se reserva o direito de não se fundamentar na realidade nem produzir provas. Seria um acreditar sem provas. Ouvi certa vez que “o que é afirmado sem provas, igualmente deve ser negado sem provas”. Como sabemos, ninguém nasce com conceitos, mas que formam seus conceitos, sua visão de mundo com a experiência ou com o passar do tempo. Quer dizer que o que uma pessoa conhece, sobretudo, na sua infância, está diretamente ligado com o que lhe dizem ou com o que ela mesma vê. Assim, ninguém nasce sabendo da existência de “Deus”, mas é levado a acreditar.
– Isso quer dizer que todo ser humano nasce ateu e que é levado a acreditar em uma divindade?
– Exatamente, em termos religiosos.
– Se não admitirmos a existência de “Deus” como podemos explicar a existência do universo ou a existência de tudo que existe?
– O universo surgiu a partir da flutuação quântica de um ponto com infinitas energias e densidades. Era um universo primordial que por ser muito quente nem os átomos conseguiam se formar.
– Então no princípio de tudo não existia o átomo?
– Exatamente, mas micro-partículas que se chocavam a velocidades inimagináveis, e que pode ter demorado muito tempo para moldarem os átomos. Para que os planetas, as estrelas e as galáxias começassem a existirem este ponto quântico passou por um período de expansão e resfriamento. Foi o momento exato em que ocorreu uma ruptura entre a gravidade e as outras forças da natureza. Isso quer dizer que em um único ponto coexistiam todas as outras forças – como é o caso da gravidade, da energia eletromagnética, as energias atômicas, entre outras. O que chamam de big bang nada mais foi que, ao que parece, estas separações bruscas de energias. Parece também ter ocorrido a presença da matéria em todo esse processo. Por isso, o universo – como podemos chamar – passou por uma expansão exponencial chamada de inflação. O que podemos constatar hoje é que o universo continua em expansão, mas quanto mais as galáxias se separam uma das outras, mais rápido o universo se expande. O universo continua a se expandir e a esfriar.
– E qual será o futuro da humanidade se isso continuar ocorrendo, isto é, se o universo continuar se expandindo como desde o princípio?
– Não sei. Suponho que a raça humana se modificará, colocando, por exemplo, aparelhos tecnológicos para substituírem órgãos vitais ou construirão estes órgãos através de manipulações genéticas. Mas muito ainda há para se descobrir. Uma tendência é que o universo continue a se expandir e a esfriar e aos poucos as galáxias ficarão muito distantes umas das outras. Além disso, com o resfriamento do universo as estrelas morrerão, nem poderá mais surgir outras, pois o universo estando frio as estrelas não poderão se formar. Como tudo que tem um começo, igualmente, tem um fim esse seria o fim do universo. Quem sabe, também, não pode ocorrer uma extensão e densidade no tecido espaço/tempo e esta expansão não só desacelere, mas inverta esta aceleração e retome tudo para um único ponto, o ponto quântico que deu origem a tudo.
– Você não estaria retirando “Deus” e colocando a ciência no lugar dele?
– Não exatamente. Acontece que a única certeza inquestionável em ciência é que há sempre uma possibilidade de que você pode estar errado. Enquanto avançamos no conhecimento e na tecnologia muitas coisas são descobertas. Estas coisas muitas vezes podem nos levar a mudança de nossa visão com relação ao mundo e ao universo. Isso ocorreu com a teoria da gravidade, a teoria da relatividade geral, a teoria da evolução e da mecânica quântica. Tecnologias surgem, coisas novas são descobertas e novos conhecimentos são formados a todo tempo. Isso quer dizer que não podemos ter nossa mente enrijecida e voltada para certezas inquestionáveis como fazem quase todos os religiosos.
Depois dessa conversa, João também saiu bastante contrariado. Era difícil de conceber o surgimento de tudo que existe. Se por um lado a ideia de um criador universal era frágil e improvável a ideia de um universo surgindo de um ponto quântico era difícil de entender. Mas a mecânica quântica dava provas de que existem micro-partículas dentro do próprio átomo, uma coisa inconcebível à relativos poucos anos. Nosso personagem parecia estar mais do que nunca preso em dois mundos: o mundo da fé religioso e o mundo da ciência.
(Fragmento do livro "Entre dois mundos: a saga de João para compreender a possibilidade de um (não) Deus".