PECADORES DE CARTEIRINHA-VOCÊ REALMENTE PRECISA SER UM?

Lamento quando vejo pessoas boas seguindo uma corrente de pensamento ruim, que dizem ter saído de sistemas religiosos escravistas e opressores e que agora alcançaram a verdade, mas mesmo assim continuam com a mesma fala do grupo anterior, os mesmos jargões, o mesmo medo do inferno, as mesmas frases prontas e fora do contexto sobre auto aniquilação e autocomiseração e acima de tudo insiste em não abandonar as duas coisas mais maléficas que o fanatismo religioso pode produzir: a intolerância religiosa expressa quando veta ou persegue qualquer pensamento e comportamento que não seja semelhante ao seu e a certeza absoluta de que estar perseguindo, torturando e ofendendo em nome de uma divindade superior por revelação pessoal do próprio ser supremo. É o fim da picada! Mudou apenas de dono, mas a corrente que o aprisiona é a mesma. Pessoas assim não entendem, que o que faz uma pessoa ser religiosa não é apenas o estar diariamente em uma igreja ou se submeter a lideranças religiosas, mas o que faz alguém se tornar um religioso excêntrico é o seu comportamento doentio de ver o próximo como uma ameaça a ser extinta, de uma fala a ser calada a qualquer custo. É a absurda certeza interior que serve apenas a Deus, e por isso não deve respeitar a mais ninguém e sair ofendendo a todos sem direito de retratação da contra parte. Qualquer um pode desenvolver esse comportamento mesmo sem ter ido a igreja nenhuma, inclusive ateus ou pessoas sem religião. Quando a causa motriz de nossas vidas se torna caçar os que discordam de nossa linha de pensar, somos reduzidos de criaturas inteligentes a uma ameba que pensa ser um anjo. Quando o diálogo e o respeito falta nas relações humanas, as demais estruturas sociais começam a ruir e ao contrário do que se pensa, aqueles que alegam ardentemente serem servos ungidos da Força Maior, podem estar lutando exatamente contra essa força, quando espalha ódio e dissenções em suas falas sem direito a réplica.

Um dos pensamentos que mais vejo ser mais reproduzido nas redes sociais e que também via muito quando ainda fazia parte de um grupo religioso, é o pensamento de se auto intitular pecador, digno do inferno para causar uma impressão de humildade e santidade( alguns fazem isso sem perceber, apenas repetem padrões já existentes). A depender do nível, pessoas assim precisam de acompanhamento psicológico urgente pois além de fazer mal a si próprio, adoecem também todos que estão operando numa frequência mental inferior. Essa linha de pensamento dirigida por teólogos católicos na idade média reinou por mais de 1500 anos no ocidente e causou prejuízos irreparáveis até hoje. Trata-se de UM COMPORTAMENTO SOCIAL PATOLOGICO transvestido de humildade e quem usa dessas repetições diárias, acredita estar criando um elo com o Criador, e acham que causam uma boa impressão ao demonstrar de modo farisaico essa “humildade”. Há mês publiquei aqui um texto intitulado “COMO LOUCOS ALUCINADO”, que retrata exatamente sobre essa forma errada de querer ser humilde, texto que por sinal teve algumas centenas de leitura em pouco tempo. Estou abordando o mesmo tema hoje sobre uma nova perspectiva.

Para encontrarmos algum equilíbrio, podemos fazer a nós mesmos algumas perguntas e procurar dentro ou fora de nós as respostas, não apenas nos padrões repetitivos de pensamento.

Vejamos algumas: O que fazemos de tão grave assim para que todo dia venhamos nos condenar usando palavras baixas contra nós mesmos como se apenas o fato de existirmos fosse um grave pecado? Pecamos por te nascido? Por ter mamado no seio de nossa mãe quando criança? Por sentirmos estímulos sexuais durante a puberdade e enquanto formos saudáveis? Por não ter nascido numa “igreja certa”? Afinal, qual o nosso grave pecado mesmo? Se atribuirmos a Deus a feitoria do nosso corpo, ele também não seria responsável por fabricar nosso sistema biológico e todos os seus estímulos? Se tudo que ele faz é perfeito, por que atribuir tanta imperfeição e pecado a nós mesmos? Não seria pecado chamar de pecado ao que já foi chamado de obra prima da criação?

Acredito que se algum pecado ou se há algo a ser melhorado, esse algo é nossas relações pessoais em todos os níveis. Por meio de relações saudáveis podemos alcançar um pouco de paz onde estivermos. Por meio de relações doentias construímos um inferno ao nosso redor, e não haverá mantras, rezas, orações ou campanhas que possam mudar isso, a não ser a própria capacidade do indivíduo em querer mudar sua própria vida. Se pecamos, pecamos no destrato com nosso semelhante e não por que “nascemos pecadores”.

A segunda questão é: se realmente cometemos falhas contra alguém, o correto não seria nos redimirmos com essa pessoa ao invés de publicarmos ao mundo que somos pecadores? A auto promoção alivia a dor de um coração que foi ferido intencionalmente por nós? Acho que não! Causar prejuízo financeiro ou moral a quem estar próximo de ti e ir pedir perdão a Deus resolve o problema? Acho que não! Viver na prática do traição conjugal pedindo perdão diariamente a uma divindade qualquer, vai poupar o traidor da ira do que foi traído no dia da vingança? Certeza que não! As vezes as pessoas tem comportamentos tão estranhos sendo inteligentes, que nem no reino animal podemos encontrar. Machucam a Pedro e vão pedir perdão a Paulo e choram por que Joao não atendeu...

Para quem acredita em Cristo e o tem como referência, informo que esse tipo de comportamento doentio não é o que ele intencionou mostrar. Essa linha de pensamento não é exatamente a linha de pensamento do evangelho de Cristo, pois o mesmo procurava criar uma ponte entre Deus e o homem, eliminando os obstáculos criados pelos fariseus com seu modo de raciocínio na época. Essas frases de auto aniquilação que esse pensamento doentio produz, são características da idade média, do período mais negro talvez, da história humana em que a igreja católica produziu nesse planeta por mais de 1500 anos, e até hoje temos seus reflexos. Essa linha de pensamento criada por filósofos e teólogos católicos, produziu vários efeitos colaterais, como a venda de indulgências para que as pessoas fossem aceitas e perdoados por Deus; a criação de “companhias” como a de franciscanos, beneditinos, carmelitas e outras que mais serviam para policiar as pessoas do que para lhes trazer algo útil; a criação de mosteiros que incentivava o celibato e desapego as famílias e qualquer posse em troca de uma vida diária e inteira de oração cujas pessoas apesar de não fazerem nada de errado contra absolutamente ninguém por viverem a sós e em silencio o tempo todo, ainda assim viviam a se martirizar dizendo para si mesmas o tempo inteiro que eram pecadoras e dignas do inferno e que por mais que fizesse ainda não estavam agradando a Deus. Essa linha de pensamento gerava gente doente, medíocre, que via pecado em tudo e em todos. Até o simples ato de nascer e morrer eram atos de pecado. Qualquer tipo de sensação de alegria era considerada pecado. Até o simples observar do pôr do sol, ou sentir o frescor do vento na pele era pecado. Qualquer forma de prazer sensorial era pecado. Essa linha de pensamento produzia pecadores por opção. Pessoas que eram dominadas pelo sentimento de culpa. O sentimento de culpa é o combustível perfeito para alimentar a ganancia de líderes inescrupulosos. Veja como cresceu os maiores pastores em nosso pais, se não foi vendendo culpa e inferno as multidões. Veja se não foi assim que a igreja católica reinou triunfante por vários séculos? Se Cristo existiu, o seu evangelho deveria produzir gente saudável, e não doentias. Se auto aniquilar é um sintoma grave de quem precisa de auxilio psicológico urgente. O sentimento de culpa constante só atrai para si próprio uma onda de acontecimentos ruins.

Outra característica de quem produz essa linha de pensamento, é o orgulho próprio. Muitas pessoas repetem para si próprias e para outras pessoas que são pecadoras o tempo inteiro para dar uma ideia de humildade, quando na verdade não passa de orgulho disfarçado. Pessoas assim bebem santidade, respiram humildade, comem o “pão do céu”, mas tem uma forte tendência a ser intolerante, que exala ódio e perseguição a quem não concorda com seus ideais. Alguns acreditam que se não viverem em constante bate-boca com outras pessoas, não estão fazendo a vontade de cristo, pois pensam que o evangelho é causar contendas entre os povos, e não a união das pessoas. Acreditam que se não infernizar toda a vizinhança onde moram, estão dando partido ao capeta. Pessoas assim quando não conseguem arranjar pelo menos uma briga por dia seja pessoalmente ou em redes sociais, vão pra cama com a sensação de missão não cumprida. Quando conseguem ofende alguém com seus insultos, é como se reabastecesse para uma nova jornada.

Quase toda literatura medieval produzida na época estar impregnada do raciocínio da auto aniquilação e auto rejeição diante do Ser Maior. Não apenas católicos reproduziam esse pensamento, mas os protestantes do século 18 e os evangélicos de nossa época ainda continuam reproduzindo diariamente esse pensamento como se isso fosse a coisa mais saudável no mundo, mas não é. Um dos discursos mais famosos que enaltece essa linha de pensamento é o discurso chamado “PECADORES NAS MAOS DE UM DEUS IRADO”, cujo orador convence as pessoas sobre seu “estado miserável” de ser, enaltecendo o lado mais sombrio do ser humano. Seus discursos eram capazes de causar convulsões e alucinações aos ouvintes. Até hoje esse estilo de discurso sensacionalista tem sido usado na hora do apelo, para domesticar os mais ferozes dos “lobos” que visitam as igrejas, transformando-os em dóceis ovelhinhas que trarão muitos dízimos e ofertas para a “casa do senhor”.

Se Cristo realmente existiu, seus ensinamentos mostravam que a maneira mais fácil de nos achegarmos a Deus era aprendendo a conviver com os que estavam ao nosso redor e não nos auto martirizando. A lei da reciprocidade e a lei da partilha talvez tenham sido os pontos áureos dos seu ensinamentos, coisa que a maioria dos seguidores quase não ouve falar. A exaltação de um estado pecaminoso não torna ninguém santo, apenas um pecador esnobe.

Acredito que aos que buscam a verdade, a verdade os encontrará. Aos que querem apenas se exibir com falsa humildade, estes passarão a vida rodando em círculos e só no final irão perceber que perderam um tempo valioso de suas vidas. A verdade costuma vir por meio de pesquisa, comparação, reflexão, observação e capacidade para se reassumir perante conceitos errados.

Alguns dos que nutrem o sentimento de pecador constante, dizem viver na base da revelação divina. Informo que foi na base da revelação divina que os maiores crimes cometidos contra a humanidade ocorreu. Informo que é ainda hoje na base da revelação divina que as maiores guerras ao redor do mundo são travadas. Foi na base de revelações que os papas fizeram 200 anos de cruzadas matando milhões de pessoas. É na base de revelações que até hoje vende água e merda ungida nas igrejas como sendo algo útil. Boa parte das revelações pessoais de uma pessoa não passam de convicções própria do seu medíocre mundo interior, que julgam ser soldados e servos de Cristos.

Uma outra dura realidade que bate como soco na cara de quem avalia esse tipo de comportamento é o fato de que a ideia de pecado serve de cabresto para muita gente de baixa moral e que os mesmos não saberiam conter sua besta interior se não fosse essa ideia de pecado ou inferno. Algumas pessoas são tão moralmente baixas que precisam viver constantemente ameaçadas para não fazerem coisas horrendas a todos que estão ao seu redor. Por isso as religiões insistem em manter essa ideia de pecado para frear o instinto imundo dessas pessoas. Se por algum motivo, instituições religiosas declarassem hoje abertamente a como foi inserido para controle pessoal a ideia de pecado, pode ter certeza quem no mesmo dia, muita gente já começaria a matar, roubar, destruir, vandalizar, estuprar, adulterar, e fazer as coisas mais absurdas que se possa imaginar. A grande maioria ainda operam numa frequência mental não evoluída, por isso tem de ser policiadas. A ameaça do pecado, do inferno e da morte é um desses freios.

Já dizia um grande pensador, que se precisamos da religião para nos tornamos pessoas boas, estamos enganando a nós mesmo.

Eu penso que enquanto precisarmos de ameaças para sermos moralmente confiáveis, estamos um pouco distantes de algum tipo de evolução social coletiva e a cada dia só iremos reforçar os sistemas prisionais, judiciários, religiosos e políticos. Enquanto a falta de controle próprio for uma constante, nossa sociedade será inconstante. Enquanto não aprendermos a nos policiar, outros estarão sempre inventando meios para fazê-lo. Saber onde o seu limite termina e o de outro começa, pode ser um grande passo para deixar de ser um PECADOR DE CARTEIRINHA.

Escrito em 08/12/2016

*Antônio F. Bispo é Bacharel em Teologia, Estudante de Religião em Filosofia e Capelão Ev. Sem vínculo com denominações religiosas desde 2013.

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 08/12/2016
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