JAIR GRAMACHO: "SONETOS DE EDÊNIA E DE BIZÂNCIO"
TADEU BAHIA – Autor
(com os nossos sinceros agradecimentos ao amigo e Prof. Derval Gramacho pelas notáveis revisões dos dados biográficos do Jair Gramacho, bem como a Sra. Luzia Gramacho.)
O professor, tradutor, poeta e jornalista Jair Gramacho nasceu em 02 de janeiro de 1930, na localidade de Santa Maria da Vitória (Bahia), e faleceu em 07 de setembro de 2003, em Jaguaripe, município do Recôncavo baiano. Filho mais velho de Derval Gramacho e Zilda Demarchiori Gonçalves Gramacho, casou-se com Bernadette Cardoso Gramacho, filha do professor e intelectual sergipano Joaquim Maurício Cardoso, com quem teve seis filhos, três dos quais já morreram.
Em 1961 separou-se da mulher e em 1963 foi morar no Rio de Janeiro. Mudou-se para Brasília para atender ao convite de Darcy Ribeiro para assumir a cátedra de Língua e Literatura Grega na Universidade de Brasília (UnB). Cassado pelo Regime Militar instaurado no País em 1964, permaneceu na capital federal prestando assessoria a parlamentares da oposição, e fazendo traduções para editoras como a Bloch e José Olímpio, entre outras.
Na década de 1970 voltou para a Bahia, em companhia de sua parceira, também professora da UnB, Maria Luíza, e fixou residência em Mutá, no Recôncavo. Nas suas peregrinações pela região conheceu Luzia de Oliveira Gramacho, com quem se casaria anos depois e com quem teve cinco filhos.
Há quem diga que a Bahia é um pedaço da Grécia em terras brasileiras. Outros vão mais longe atribuindo ao Brasil, sob todos os aspectos, ser a réplica cultural exata das cidades helenas. Honra e glória para nós, baianos e brasileiros, sermos comparados àquela civilização pujante e eterna que até os dias de hoje contribui de maneira bastante significativa para com o desenvolvimento do Humanismo, através dos estudos da ciência, da história, da matemática, da política, da filosofia, da medicina, bem como da arte e da literatura, com especial destaque na poesia. Transubstanciando em razões e verdades eis que surge das brumas abençoadas da poesia baiana o seu poeta-maior, o inesquecível e querido Jair Gramacho que se ocultando nas veredas românticas da modéstia, embalado por gestos polidos de um perfeito e digno cavalheiro, contribui de forma plena e decisiva para preencher, com a harmonia lírica dos seus versos, o imenso vácuo que ainda restava nas letras baianas.
A Razão é um postulado inato ao homem e somente a ele é atribuído o seu uso; a sua primazia vem desde os tempos da Antiga Grécia através do Parmênides de Eléia, nascido entre 530 a.C. - 460 a.C. na localidade de Eléia, conhecida atualmente como Vélia, na Itália, o qual proclama o primado absoluto e incisivo da Razão utilizando-se de um poema, no qual demonstra a existência de um Ser único, imóvel, contínuo, homogêneo e eterno. De acordo com Parmênedes, somente a Razão seria o instrumento seguro que permitiria, de fato, que a verdade fosse revelada. Esse pensador foi o fundador da Escola Eleática, (vide também Zenão de Eléia e Melisso de Samos), embora haja apontamentos, até hoje não confirmados, que indicam que Parmênides tenha vindo a ser discípulo de Xenófanes de Cólofon, todavia não se confirma a veracidade de tal afirmação, uma vez que se sabe que foi o filósofo pitagoriano Amínias (ou Ameinias) quem de fato lhe despertou a vocação filosófica.
Para melhor compreendermos a obra filosófica e poética do escritor Jair Gramacho, temos que realmente buscar as suas raízes no pensamento do Parmênides de Eléia que escrevendo o poema filosófico Sobre a Natureza, dividiu-o em duas partes, sendo a primeira delas caracterizando como o filósofo entendia ser o caminho da verdade (alétheia) e, na segunda parte, cognominava o caminho da opinião (dóxa), ou no frigir dos ovos, como fala a querida poetisa e mestra santamarense Mabel Velloso: aquilo que é vago, em que não encontramos nenhum significado de autenticidade ou certeza. A doutrina filosófica de Parmênides se amparava em três postulados: a) a Unidade e a imobilidade do Ser; b) O mundo sensível é uma ilusão; e c) O Ser é Uno, Eterno, Não-Gerado e Imutável. Diante do exposto, conseguimos vislumbrar no poema acima citado o surgimento da ontologia, embora o pensamento de Parmênides fosse exatamente o contrário do Heráclito de Éfeso.
Resta, então, concluído para os cultores do assunto que Parmênides de Eléia criou a metafísica ocidental, diante das duas características acima apontadas, e que explicita a distinção entre o Ser e o Não-Ser, ao passo que Heráclito ensinava invariavelmente que tudo está em perpétua mutação, enquanto Parmênides manifestava justamente o contrário dos postulados heraclitianos, ao enunciar que “toda a mutação é ilusória”. Face ao exposto e diante da discrição e acuidade de sentidos, os quais lhe acompanham passo a passo, Jair Gramacho se torna, no seio da literatura baiana e nacional, naquele poeta solitário e transparente que faz da sua poesia um instrumento técnico de trabalho e pesquisa, quando estuda minuciosamente os poetas gregos e latinos, trazendo à tona um imenso e inesgotável cabedal de conhecimentos, frutos de um labor incessante e buscas profícuas ao longo de muitos e muitos anos. Admirador inconteste das letras clássicas, no ano de 1945 publicou os seus primeiros trabalhos, a maioria traduções de poemas ingleses, e prosseguindo na sua lide laboriosa, traduz parte das obras do Safe e de Horácio, fazendo a divulgação dos resultados através de inúmeras publicações dos jornais da cidade.
Jair Gramacho se torna conhecido como um dos mais ardentes e fecundos expoentes da nova geração de intelectuais do seu tempo, quando ao lado dos jovens daquela época, tais como: Fernando Rocha Perez, David Salles, Florisvaldo Mattos, o inesquecível e sempre polêmico Glauber Rocha; o nosso amigo, biógrafo, jornalista e excelente poeta João Carlos Teixeira Gomes, JOCA, (vide ISTOÉ Online entre outros sites), onde JOCA é considerado o baluarte e ícone vivo do jornalismo baiano desde os tempos da Ditadura Militar de 1964, quando naquela época foram movidas violentas perseguições não só contra o Jornal da Bahia, mas pessoalmente dirigidas ao inabalável João Carlos Teixeira Gomes, então Redator Chefe daquele jornal que enfrentou com galhardia, determinação e coragem o saudoso ex-governador Antônio Carlos Peixoto de Magalhães, que o denunciou na qualidade de réu perante um Tribunal Militar no ano de 1972, quando o valoroso amigo JOCA foi brilhantemente defendido pelo renomado jurista Dr. Heleno Cláudio Fragoso, obtendo vitória esmagadora contra aquelas denúncias infundadas e inócuas, imprudentemente apresentadas por Antônio Carlos Magalhães.
Renomado pesquisador e biógrafo, inspirador das gerações contemporâneas e vindouras, João Carlos Teixeira Gomes assim se expressou sobre o poeta baiano Jair Gramacho, nas páginas 249 do seu livro CAMÕES CONSTESTADOR E OUTROS ENSAIOS, no artigo intitulado “Apontamentos Sobre a Evolução da Literatura Baiana”: “Os poetas que, de algum modo, se ligam à geração “Cadernos da Bahia” possuem timbre bem diferente dos que se integraram na revista “Arco e Flexa”, em 1928. Merecem destaque Jair Gramacho, conhecedor do grego, poeta de formação clássica, autor de um livro de rara beleza – “Sonetos de Edênia e de Bizâncio” – e Wilson Rocha (“O Tempo no Caminho”, “Livro de Canções”), que se exprimem em versos curtos, de expressão contida. Gramacho, hoje pouco conhecido porque seu único livro se tornou raridade biográfica apesar de editado em 1959 da pela “Coleção Tule” da Imprensa Oficial, dirigida por Nelson de Araújo, é um dos maiores líricos da poesia. Sua dicção é discreta, comedida, exprimindo atitude contemplativa e resignação que se amparam em uma grave dignidade:
"Falo em cousas comuns, ultrapassadas.
O tédio, a solidão e esta besteira
Que se chama tristeza. Que outro queira
E faça as cousas atualizadas.
Vem, meu amor. Difícil conseguir
Fugir à sombra do edifício e vir
Ao que somente leva e nunca traz
Caminho. Outro não era o gosto, o vinho.
Do que no tempo sepultado jaz:
Entristecer, cismar, ficar sozinho.”
Prossegue ainda João Carlos Teixeira Gomes sobre Jair Gramacho: “Sua formação clássica e a leitura direta dos gregos antigos não o estimularam a um helenismo balofo e serôdio, como foi o de tantos parnasianos do Séc. XIX, mas sim a captar com sensibilidade própria o tom de ameno fatalismo dos líricos da antiguidade...”
Ainda faziam parte da geração jovem daquela ocasião, ao lado do Jair Gramacho, Paulo Gil Soares, Carlos Anísio Melhor, Wilson Rocha, Adonias Filho, Nestor Duarte e o veterano Clóvis Amorim, esses últimos no gênero do romance.
Enfim, foram tantos os intelectuais naquele período que a nossa lembrança não se faz presente no sentido de registrá-los e resgatá-los como deve ser feito, isto porque, a Bahia possuiu um acervo cultural, intelectual e artístico que infelizmente não é tratado com respeito, cuidado, carinho e dignidade.
Foram em grande número os intelectuais e poetas, sobretudo da Bahia daquele tempo, que revolucionaram a nossa terra com a fecundidade e a exuberância dos seus versos, crônicas, ensaios, romances e demais manifestações literárias, mas que hoje estão relegados ao esquecimento. Sempre travestido na modéstia e no recatamento que tão bem o caracterizam, Jair Gramacho faz brotar nas linhas nervosas e eloquentes da sua poesia, versos fecundos e plenos de um existencialismo invulgar, como por exemplo, no trabalho abaixo, intitulado “Abandono-me, O Tédio”:
Abandono-me! O tédio é muito forte
Forte demais para resistência.
E a minha, nula, é a justa demência
De já nenhuma ter. Melhor a morte
Poderia aceitar, porque, sorrindo,
Tudo que agora é triste se daria
Como por um processo de alquimia
(Ah! só por ver-me nela, ressentido
o tempo enorme que perdia!)... Ó vagas
Imagens, só éter habitantes, vinde,
Palhaços do Universo, que se finde
Esta mosca de Juno em minhas chagas
De calma. Calma que a nenhum Egito
Me possa conduzir o que repito.