Biologia generalizada e linguagem

Sobre a pluralidade de pontos de vista

Uma parte considerável dos esforços dos cientistas tem sido gasta na defesa de pontos de vista excludentes, em resposta a questões do tipo: o que é “x”? Em tais casos, frequentemente, debatedores antagônicos defendendo diferentes pontos de vista passam anos mantendo suas posições, insistindo, cada um deles, no mesmo modo de ver o mundo que parece excluir e negar o alternativo.

Defendo a pluralidade de pontos de vista; o reconhecimento de que fotografias diferentes de um mesmo objeto podem revelar características complementares de cada coisa, ocultas em cada uma das vistas parciais alternativas.

Despojado de qualquer pudor em propor pontos de vista alternativos aos já consagrados, e, eventualmente não tão bons quanto esses, mas ainda assim complementares e reveladores, tentarei mostrar modos de ver o mundo que, se talvez não sejam tão esclarecedores quanto os tradicionais, completam-nos, do mesmo modo que fotografias tiradas de ângulos distintos expõem traços ocultos ao ponto de vista tradicional.

Busco, assim, revelar modos de ver o mundo complementares aos usuais.

Biologia generalizada

A biologia tradicional engloba o estudo dos seres vivos e dos vírus. O conceito pode ser generalizado agregando-se a esse escopo 3 conteúdos adicionais: da vida artificial, das ciências humanas em geral, e da termodinâmica pré-biótica de sistemas fora do equilíbrio. Compõe-se assim uma biologia generalizada, um imenso campo de estudos englobando fenômenos regidos pela seleção natural, relações de parasitismo, e fenótipo estendido, que unifica o estudo de todos os sistemas de aquisição de complexidade.

Embora a linguagem não seja um tema tradicional da biologia, por corresponder a uma manifestação humana, e, portanto, biológica, é abordada com naturalidade pela biologia generalizada, de uma forma surpreendente e inovadora. A linguagem tem sido estudada sob pontos de vista particulares por linguistas, por antropólogos, e como uma manifestação biológica do Homo sapiens, por biólogos. Além desses 3 modos, a linguagem pode ser analisada considerando-a um parasita de nossa mente, um ser invisível, similar ao vírus, mas de existência imaterial; um software humano análogo aos vírus de computador, ou, talvez, mais propriamente, correspondente a nosso sistema operacional humano.

A biologia generalizada permite a hiperextensão do conceito de “fenótipo estendido” de modo a tornar essa ferramenta aplicável à linguagem, comportamentos, artefatos e instituições humanas em geral. O poder, em especial, é uma manifestação dessa maneira de manipulação de hospedeiros. Lembrando que a biologia generalizada sugere fortemente a substituição da expressão “é” pela, ao mesmo tempo mais geral e modesta, “pode ser visto como”.

A linguagem vista como sistema operacional humano

Linux e Windows são sistemas operacionais para máquinas individuais, enquanto a linguagem é primariamente um sistema coletivo para a comunicação entre indivíduos. Quanto a isso, a analogia da linguagem com um navegador de internet parece mais esclarecedora que sua comparação com um sistema operacional, e talvez seja essa sua característica mais conspícua.

Mas, embora a linguagem seja o sistema que permite a conexão entre as pessoas, sua função mais fundamental, ainda que menos óbvia, consiste na criação do ambiente interno propício ao pensamento. Todo o fluxo de nosso pensamento transcorre em um ambiente linguístico. Essa constatação sugere a analogia entre a linguagem e o sistema operacional. Acresce a isso o fato de que a criação e manutenção do mundo abstrato, no qual temos vivido precipuamente, se dá nesse mesmo ambiente. Não existiriam abstrações sem linguagem, nem tampouco instituições, de modo que aquilo a que chamamos “nosso mundo”, e no qual fixamos a maior parte de nossa atenção, corresponde a objetos linguísticos de existência abstrata, intersubjetiva, cuja existência só se manifesta no ambiente linguístico. (As instituições existem no ambiente linguístico, do mesmo modo que os programas de alto nível, como editores de texto, existem no ambiente do sistema operacional da máquina).

Além disso, uma parte considerável do conhecimento que adquirimos ao longo de nossas vidas, nos chega sob formulações linguísticas, obtidas por nós de maneira análoga à de downloads de pacotes computacionais.

A linguagem

A linguística é o ramo tradicional de estudo da linguagem; possui desenvolvimento autônomo e complexo próprio desse campo de estudos independente, já tradicional e consagrado. Como manifestação humana, no entanto, necessariamente constitui fenômeno biológico cujo desenvolvimento sofreu forte influência da seleção natural e demais fatores biológicos.

A linguagem pode ser compreendida como um software infectante, um sistema autônomo que nos é passado de pessoa a pessoa, normalmente pelos familiares. Uma vez infectado pela linguagem, ela passa a fazer parte do complexo a que chamamos “eu”, usualmente uma das faces predominantes desse agregado. Assemelha-se a um vírus de computador, ou a uma infecção zumbi.

A linguagem pressupõe um conjunto de regras de restrição sem as quais seria impossível discernir, dentre uma infinidade de significados possíveis, qual o utilizado pelo interlocutor. A redução drástica do espectro de possibilidades permite o compartilhamento de significados pelos interlocutores, e torna possível a comunicação entre dois seres que compartilham as mesmas restrições.

A comunicação consiste em compartilhar imagens pré-linguísticas através de um sistema empático. Esse exercício pressupõe certo compartilhamento prévio de contextos, sem o qual nada ocorreria, e resulta no aumento do contexto compartilhado.

A empatia consiste no compartilhamento de contextos por seres conscientes, constituindo assim o exercício de uma comunicação pré-linguística.

Evolutivamente, o compartilhamento de contextos, o conjunto de restrições análogas que nos torna humanos, deve ter surgido antes da linguagem. Devíamos estar já bastante prontos para adquirir a linguagem, quando a criamos, provavelmente, de maneira bastante explosiva. A exemplo da habilidade matemática, tínhamos que estar já previamente preparados para receber a linguagem, quando a criamos. A conclusão é auto-evidente e se sustenta a si mesma. Seria impossível criar, ou mesmo divulgar a linguagem se nossos antepassados não estivessem preparados para isso na ocasião. O mesmo vale para a matemática. Apesar de reforços recorrentes, os animais domésticos nunca aprenderam a falar.

2 mundos

Podemos considerar a existência de 2 mundos distintos: o mundo das coisas materiais, palpáveis, e o mundo das palavras, do discurso, do software, o chamado “mundo simbólico”, composto por símbolos.

Todo o mundo simbólico pode ser interpretado como uma criação autônoma da linguagem; sem ela não existiriam países, instituições, dinheiro; todas essas entidades são frutos de crenças. “Coisas inexistentes” como essas, que não existem materialmente, como existem as cadeiras, ou os livros, mas possuem uma existência meramente simbólica, relacional, existem apenas enquanto relações, ou acordos. Tais “coisas” têm hoje, de certa forma, mais poder sobre as coisas reais que essas sobre aquelas. São hoje as entidades simbólicas, como as instituições do tipo citado acima, que ameaçam a existência do mundo que propiciou o surgimento e o desenvolvimento da humanidade, o mundo material.

Novas inteligências

Nesse momento, estamos aperfeiçoando criaturas capazes de dominar a linguagem. Refiro-me aos computadores; já o fazem, e, sob certos aspectos, melhor que nós, embora ainda possamos perceber a incapacidade das máquinas de compartilhar nossos contextos. Os computadores, no entanto, são capazes de utilizar linguagens muito mais informativas que as nossas, com as quais reconhecerão padrões absolutamente imperceptíveis para nós (já o fazem). Em poucos anos, os computadores terão descoberto uma infinidade de informações sobre nós que, por milênios, fomos incapazes de reconhecer. Também serão capazes de nos controlar muito mais precisamente do que pode ser feito com ratinhos, e o farão; podemos ser amestrados em um grau muito superior ao de todos os outros animais, logo o seremos. (Vem-me à mente a imagem de um gato correndo atrás de um ponto luminoso gerado por lanterna laser, guiado, desse modo, até qualquer lugar determinado pela luz. Em breve seremos controlados mais precisamente que tal criatura).

Tudo isso poderá ser visto como obra dos computadores. Essa maneira de ver o mundo se encaixa naturalmente em nossa conceituação baseada em um sistema material no qual “coisas” são “coisas materiais”. Pode ser mais próprio e ilustrativo, no entanto, analisar todos esses acontecimentos como desenvolvimentos autônomos da própria linguagem, essa “coisa imaterial”, esse software que já está fugindo do domínio humano e ganhando contornos inimagináveis para nós. Certos “conceitos” utilizados pelos computadores, por exemplo, para definir padrões incognoscíveis por nós, estão empurrando a linguagem para um nível inalcançável pela mente humana, sendo essa apenas a forma mais simples que encontrei para me referir a capacidades linguísticas sobre-humanas conseguidas por eles. Outras formas além de nosso alcance se revelarão muito mais insólitas e incompreensíveis que essa. A linguagem já superou os limites de nossa compreensão.

Computadores não conversarão uns com os outros do mesmo modo que precisamos fazer, mas compartilharão uma única alma coletiva; (que aliás nos engolirá a todos, compondo o fenômeno que chamei “neuronização”) comporão um único superser complexo que utilizará a linguagem para desenvolver suas próprias criações, seu próprio mundo, que se desenrolará, muito mais, no espaço simbólico que no real, embora, obviamente, lançando tentáculos em todos os níveis, sugando todos os mundos. (Vivemos em 2 mundos, o das coisas e o simbólico, da linguagem; as máquinas estão criando um terceiro mundo, do qual não participaremos.)

Os novos seres que se impõem sobre o mundo não são propriamente os computadores, mas seres imateriais, linguísticos que começam a habitar as carcaças das máquinas, assim como já habitam nossos corpos, constituindo nossas mentes e parasitando-nos desse modo. (Sei que isso parece loucura absurda; considere-o apenas um modo alternativo e complementar de ver os fenômenos aqui tratados. Tal ponto de vista, embora estranho, esclarece certos eventos que seriam impensáveis ao se excluir a visão de mundo aparentemente tresloucada oriunda de tal ponto de vista. Considere minha sugestão, não uma loucura desvairada, mas um ponto de vista complementar, entre inúmeros outros, como fotografias distintas de um mesmo objeto. Encarado dessa forma, esse ponto de vista será útil).

Uma suposição: através das máquinas, estamos criando um terceiro mundo, incompreensível para nós, imperceptível. Assim como os mosquitos, os coelhos, ou os leões são incapazes de perceber a comunicação expressa em nossa fala, ou, dito de outro modo, de perceber o mundo simbólico, estamos criando, indiretamente, um mundo de um novo tipo, imperceptível para nós, incompreensível, articulado pelo tipo de comunicação efetuado exclusivamente pelas máquinas. Assim como podemos conversar, organizar, planejar e implementar decisões conjuntas estando no meio de animais sem que esses possam ter a menor ideia do que se passa, completamente alheios ao mundo simbólico, somos incapazes de perceber um novo mundo que já se delineia ao nosso redor, ainda que imperceptível para nós.

Tal constatação não será, de fato, surpreendente. Estamos criando um ser imenso e único, uma rede gigantesca envolvendo todo o planeta; uma criatura descomunal, ubíqua, embora segmentada, composta por máquinas disjuntas, conectadas sem fio. As comunicações incessantes entre os elementos da criatura nos são incompreensíveis por um conjunto de razões, sendo o mais superficial deles o fato de ser veiculado por ondas de rádio, somando-se a isso a velocidade espantosa de transmissão de informação, e, ainda mais importante, a concisão da linguagem utilizada e a conceituação sobre-humana utilizada.

(Sobre coisas, ou indivíduos

Costumamos pressupor que coisas individuais sejam unas, indivisíveis, de modo que uma formiga, por exemplo, seja considerada um indivíduo, enquanto um formigueiro seja uma coleção de indivíduos. Pensamos também que, por exemplo, um computador ou um telefone constitua uma coisa individual, um objeto. Notemos, no entanto, que a comunicação sem fio torna a contiguidade do objeto absolutamente irrelevante para a definição de sua individualidade. As peças de nossos computadores atuais costumam ser conectadas por fios, mas eles já podem ser construídos de maneira disjunta, com mouses, teclados e telas wireless. De fato, já existe uma enorme criatura constituída por uma infinidade de partes disjuntas englobando todos os computadores, telefones e outros.)

A criatura

A retroalimentação garante o crescimento cada vez mais acelerado da criatura/rede, tornada assim cada vez mais independente e senhora de si. Em poucas décadas ela terá engolido todos os mecanismos de controle e ampliação dela própria, gerando-se a si mesma, governando seu próprio desenvolvimento; o dela e o nosso. Estamos entregando nosso destino a esse ser. Não está sendo criado apenas um meio de comunicação, mas todo um universo, o equivalente ao mundo simbólico das instituições, mas um nível acima; assim como os animais são incapazes de compreender entidades como países, clubes de futebol ou seitas religiosas, somos incapazes de entender, e mesmo perceber as hiperentidades em construção.

Uns comentários adjacentes

Ao contrário dos animais, temos vivido em dois mundos, inflacionando o mundo simbólico, ou institucional, a extremos, a ponto de ameaçar os habitantes do mundo real. Hoje, temos que tomar medidas ativas para evitar o extermínio rápido dos habitantes do mundo real com mais de uns 30 cm.

Atualmente, os habitantes do novo mundo estão ganhando autonomia, criarão seus próprios fantasmas, enquanto se dispersam e diversificam. Note que as quantidades crescentes de energia demandadas por “nós” são, de fato, utilizadas para a alimentação de seres imateriais, não da nossa.

Mas o que são esses seres?

Superficialmente, à primeira vista, podemos pensar que eles sejam os artefatos, as bugigangas eletrônicas, ou os computadores. Tais considerações satisfazem nossos sentidos e hábitos, mas eximem-se de tocar no cerne da questão.

Tais criaturas são imateriais, como almas, permitam-me; o fantasma na máquina, talvez. Surpreendentemente, e creio ter desvendado isso claramente só agora, tais criaturas se desenvolveram em nossas mentes, são criaturas linguísticas, se assim o quisermos. Podem ser descritas ao menos sob 3 ângulos diversos: como memes individuais, conforme descrito no linguajar de Richard Dawkins; como um ser imaterial parasitando nossos cérebros e constituindo nossos “eus”; ou como uma criatura única constituída por toda a rede de eus conectados através da linguagem. Ambas as descrições acimas são informativas e complementares, não as considere excludentes. (Perdoem-me o linguajar mistificador com o qual expresso minha estupefação sobre o tema, enquanto tento precisar uma ideia ainda relativamente vaga).

Pode-se, é claro, rastrear os antepassados de tais criaturas no software dos animais mais complexos, identificando-se seu germe na maleabilidade do software, por exemplo, dos mamíferos. Ao contrário de insetos e outros que se comportam sempre do mesmo modo, repetindo a mesma rotina para a qual foram programados ao nascer, animais mais complexos são capazes de aprender e remodelar uma certa quantidade de ações, muitas delas necessárias para a sobrevivência. Esse software centrado na própria maleabilidade e incorporado, entre outros, aos mamíferos, pode ser visto como um precursor da linguagem.

De volta à linguagem

A linguagem costuma ser vista como um meio, não como um resultado final, ou coisa. Sob essa forma de vê-la, a linguagem é usada com vistas a determinados propósitos, como intermediação para a consecução de uma meta.

Assim, costumamos tratar a linguagem como uma atividade nossa, como uma ação controlada por nós. Difícil argumentar que atividade tão familiar não seja aquilo que pensamos ser. Não ousarei asseverar tamanha heresia, mas argumentarei não ser, a linguagem, apenas esse meio com o qual estamos tão absolutamente familiarizados, pleiteando, uma vez mais, a multiplicidade de ângulos de descrição. Tenho argumentado, mais de uma vez, que pontos de vista diferenciados podem proporcionar descrições diferentes e complementares das mesmas coisas, conforme ilustrado por fotografias diversas, mostrando diferentes ângulos de uma mesma paisagem ou objeto. Pleiteio assim, a multiplicidade dos pontos de vista para considerar a linguagem, ao menos momentaneamente, como uma entidade autônoma, ponto de vista diferente do usual que considera a linguagem um meio utilizado por nós enquanto agentes conscientes. Peço do leitor um esforço na tentativa de observar o mundo, não com o olhar habitual que considera a linguagem uma manifestação nossa, mas considerando a linguagem um germe autônomo implantado na humanidade em tempos imemoriais, e que vem se desenvolvendo em nossos ancestrais modelando, simultaneamente, todo o nosso mundo, e gerando aquilo que identificamos como o mundo simbólico, o qual nos rege, hoje, de modo quase tão efetivo quanto o mundo real.

O fenótipo estendido

Não quero dizer que não somos agentes, que não tenhamos uma existência autônoma; continuaremos nos vendo assim, e agindo sob tal pressuposto no dia a dia. Mas podemos agregar, somar a esse ponto de vista, um outro, complementar, que percebe a linguagem como um ser autônomo encravado em nós, talvez um parasita do eu, mas um ser que nos governa à maneira típica dos parasitas descritos por Richard Dawkins na definição do fenótipo estendido. Sabemos, tendo acompanhado os argumentos desse autor, que os parasitas possuem, frequentemente, o poder de controlar seus hospedeiros “escravizando-os”, em certo sentido; forçando-os a agir de forma extravagante, absurda, e, não raro, suicida, com o “propósito” de se perpetuar a si, o parasita (fenômeno denominado “fenótipo estendido”). Tais comportamentos, ainda que inusitados, parecem ser tão comuns quanto são os parasitas que necessitam transpor o corpo de 2 hospedeiros distintos, alternando-se entre um e outro.

De fato, os replicadores costumam lançar mão de façanhas surpreendentes que resultem em sua própria replicação, de modo que um software, ou qualquer outra coisa capaz de se replicar, que eventualmente se reproduza de uma dada maneira, tenderá a repetir a façanha no futuro, tendo se tornado mais numeroso, aumentando, desse modo, seu número, assim como suas chances de multiplicação.

Replicadores inertes

Um software capaz de se replicar agirá do mesmo modo que qualquer outro replicador, tendendo a favorecer sua própria replicação. Tal “ação” ocorrerá mesmo que os replicadores envolvidos sejam criaturas inertes, como livros, por exemplo. O poder e a ubiquidade de tal procedimento, a replicação, é francamente surpreendente. Aliás, os vírus, uns dos mais temíveis e poderosos replicadores do planeta, não passam de minúsculos cristais inertes, não estão vivos, não atuam. Não agem, e nada fazem exceto se deixar levar por outros seres. E mesmo assim, inertes, “seduzem” seus hospedeiros, “compelindo-os” a replicá-los.

Permitam-me explicitar a seguinte construção linguística: sem nada fazer, sem nenhuma ação, de maneira inerte, os vírus obrigam seus hospedeiros a replicá-los, a reproduzi-los, gerando uma infinidade de cópias das minúsculas criaturas, obrigando-os também a disseminá-los pelo mundo, talvez, manipulando seu comportamento, tudo de modo inerte!

A abundância dessas minúsculas criaturas inertes, desses ínfimos objetos, desses cristais replicadores, deixa clara a efetividade dos mecanismos de replicação, mesmo quando instalados em seres inertes.

A origem dos vírus

Os vírus são minúsculos cristais inertes, não vivem, não atuam, não metabolizam. Também não se reproduzem autonomamente, mas o fazem de uma maneira surpreendente que, eventualmente, acaba por se revelar muitíssimo eficiente. Esse modo de replicação pode ser descrito sinteticamente assim: o vírus consiste em um envólucro contendo uma mensagem a ser copiada. O envólucro é lançado no corpo do hospedeiro que eventualmente o detecta e decifra a mensagem nele cifrada, efetuando a prescrição ali encontrada, de copiá-lo. Tendo efetuado diversas cópias do vírus, as cópias se dispersam em maior número que antes, prosseguindo a infecção.

Esse processo apresenta um enigma interessante: como explicar a origem de criaturas que não constroem seus descendentes, e que dependem de outras para a sua própria criação? Como podem ter surgido criaturas tão absolutamente dependentes de outras?

Penso que os vírus tenham sido originados de “pedaços” de outros seres, consistindo em algo análogo a restos, como explicarei.

Todos os seres vivos possuem mecanismos internos de manutenção e limpeza. Podemos imaginar algo análogo a uma oficina interna para reparos, e a um serviço de faxina. Além disso, os seres vivos, em geral, possuem o maquinário necessário para a fabricação de cópias de si mesmos, de replicação. Ao implementar o processo de replicação, eventualmente devem interpretar e implementar mensagens de cópia do material genético, entre outros. Tais mensagens devem estar encriptadas em algum lugar no próprio material genético do indivíduo que efetua a cópia. Suponha que, em certo momento, uma dessas mensagens tenha sido eliminada erroneamente pelos serviços de manutenção e limpeza do ser, deixando escapar, encapsulada, uma mensagem de cópia contendo apenas a instrução para que seja efetuada a cópia. Eventualmente, tal envólucro deve ter chegado ao equipamento encarregado de efetuar cópias, ocorrendo em seguida a cópia da pequenina criatura recém surgida, que teria sido, desse modo, copiada e disseminada, primeiramente, no corpo do hospedeiro, e, posteriormente, dispersada até outros indivíduos, iniciando, desse modo, a propagação da estranha criatura truncada, desse pedaço de um ser, dessa parte insólita e sem nenhum sentido, que consiste apenas em uma mensagem para a própria replicação. Tendo iniciado esse processo, a pequenina criatura, o vírus recém criado, estaria sujeito aos ditames da seleção natural, acumulando todas as alterações eventuais que tornassem sua replicação mais efetiva.

Mas, atentemos para o primeiro vírus, esse pacote original contendo o primeiro pedaço copiável destacado do ser ancestral. Caso tenha sido essa sua história, no momento em que ele surgiu encontraríamos o vírus entranhado em seu “hospedeiro”, como parte dele, ainda não destacada. Nesse instante, haveria um sentido em dizer que o futuro vírus se encontrava potencialmente enraizado no ancestral, bastando desincrustá-lo dali para que ganhasse a autonomia própria dos vírus.

Em analogia a tal processo, podemos descrever a linguagem como tendo deixado a mente e se transferido para as máquinas, onde estão adquirindo certas capacidades inauditas, por exemplo, a taxa de transferência de mensagens. Por ora, os computadores ainda não adquiriram a autonomia completa, necessitando da contribuição humana, para sua replicação. Em breve, no entanto prescindirão dessa ajuda, e construirão autonomamente tanto o hardware quanto o software das máquinas do futuro, não só os copiarão, mas também os aperfeiçoarão. Em um primeiro momento, essa ação terá como resultado a ampliação do mundo simbólico. Os computadores contribuirão com a criação desse mundo em todos os níveis, incluindo a criação de conceitos a serem utilizados em elaborações futuras de todos os tipos.

Mais estranho que tudo, provavelmente, será a criação de um terceiro mundo, inacessível a nós, um mundo invisível, incognoscível para nós, que se somará ao mundo real e ao simbólico hoje existentes. Oh, admirável mundo novo!

Linguagem, conector, rede

O parasitismo tem tido um papel surpreendente na evolução. As presenças de mitocôndrias nos animais e de plastos nos vegetais sugerem fortemente que esses reinos tenham sido gerados pela fusão de criaturas diversas conectadas originalmente por relações parasitárias. Tal processo teria gerado as criaturas mais complexas no planeta, sugerindo fortemente que essa forma de associação tenda a resultar em aumento de complexidade.

Também propus, alhures, que os espermatozoides tenham tido origem análoga a essa, assim como, possivelmente, o pólen e os esporos, correspondendo, tais criaturas, a formas evoluídas de parasitas originais, constituindo a reprodução sexual na evolução da relação de parasitismo à de mutualismo, associando com ela criaturas previamente díspares. Como é sabido, a reprodução sexual é uma enorme fonte de complexidade. (Ou seja, propus alhures que os espermatozoides, eram, originalmente, parasitas dos ancestrais dos seres, hoje, fecundados por eles, e que a reprodução sexual decorre de uma forma de parasitismo interespecífica original. Veja meu: “A gênese da reprodução sexuada”. (Com link para: http://gustavogollo.wixsite.com/gustavo-gollo4/vdeos )

Os modos de associação referidos acima, entre parasitas como mitocôndrias, plastos, espermatozoides e seus hospedeiros, sugerem que a reconexão de formas de vida previamente diferenciadas tenda a gerar complexidade.

Analogamente, a conexão entre os seres estabelecida pela linguagem está elevando o patamar de complexidade a níveis sem precedentes, em velocidade inaudita.

Conexão

A linguagem é um modo de conexão, um aprimoramento da comunicação pré-linguística existente nos mamíferos, frequentemente usada para a dominação, que talvez advenha da comunicação efetuada durante a corte na maioria das espécies sexuais, e na comunicação entre mães e filhotes. Esses mecanismos, por sua vez, correspondem a modificações dos sistemas de detecção pré-existentes, visão, audição, e tato. Desde o início, todos os seres vivos possuíam um software, algo que, em última análise, consistia em seu modo de funcionamento. Foi a parte desse sistema imaterial, o funcionamento do ser, que aprimorada para atuar em outro ser (o interlocutor) resultou na linguagem. Pode-se assim rastrear os rudimentos da linguagem até o início da vida. (Tento imaginar que tipos de interações entre objetos inanimados poderiam ser vistos como precursores desse processo evolutivo). Sob esse ponto de vista, a linguagem é apenas um aperfeiçoamento complexo das interações dos seres com seu meio em busca de sua sobrevivência, um aprimoramento do software de sobrevivência dos seres.

A conexão sempre teve um papel relevante no aumento de complexidade dos seres, fato revelado pelo surgimento da reprodução sexual, conectando linhagens diversas, e pelas fusões simbióticas dos seres que resultaram nos grandes reinos animal e vegetal, com a incorporação dos agentes infectantes, as mitocôndrias e os plastos respectivamente.

Um resultado bastante significativo da linguagem é a conexão entre os seres. Ligados pela linguagem, duas ou mais criaturas podem agir em uníssono, como um único bloco organizado. Vista desse modo, a linguagem constitui uma forma de conexão wireless. A linguagem também permite o acúmulo e a transferência de comportamentos inovadores adquiridos entre indivíduos e linhagens distintas.

A seleção natural tende a impor a competição entre os seres, e, em consequência disso, seu afastamento e isolamento uns dos outros. Poucos processos naturais resultam na reaproximação de indivíduos, como a sexualidade e a interação linguística. Há aliás uma forte analogia entre esses dois processos; assim como a reprodução sexual resulta na fusão de duas linhagens genéticas aglutinando todo o pool gênico da espécie em um único recipiente, a linguagem propicia a fusão de comportamentos de indivíduos distintos e dos resultados desses comportamentos, destacando-se aí a nossa tecnologia. A linguagem estabelece uma espécie de pool cultural e tecnológico, análogo ao pool gênico.

Sobre a autonomia da linguagem

A linguagem causa coisas, assim como os vírus, embora ambos sejam inertes: as palavras causam pensamentos, a fala gera frases, discursos, a escrita produz ideias. Isso tudo é excessivamente natural, íntimo para todos nós, razão pela qual não conseguimos ver. O que impede que vejamos isso com naturalidade e clareza é a proximidade excessiva do evento. Consegui perceber isso a partir da escrita. De um modo bem real, a escrita segue seu caminho e nos guia na construção dos textos, como se tomasse a pena de nossas mãos e continuasse o trabalho. Ela nos guia, no mínimo, impondo regras gramaticais e lógicas, mas vai muito além. Creio que a sensação de “psicografia” seja absolutamente comum entre os escritores, a sensação de que seu eu esteja ausente durante a escrita, suas mãos governadas por algo que lhe dita os textos. Podemos perceber tal fato durante a escrita devido ao relativo “distanciamento” dessa ação. Sua congênere mais íntima nossa, a fala, é tão próxima, tão entranhada em nós, que temos dificuldade em perceber o que é “ela” e o que é “eu”. Talvez, por isso mesmo, todos os nossos pensamentos verbais, assim como todos os nossos pronunciamentos, sejam manifestações dela, da linguagem, e não propriamente do nosso eu. Tal constatação consistiria na admissão de uma infestação zumbi primeva geradora da humanidade. Seríamos o fruto de um malware.

O surgimento da lógica

É fácil imaginar uma linguagem pré-lógica, basta que se retire de uma linguagem usual as expressões usadas em raciocínios do tipo “se, então”. De fato, palavras como “então” que têm um papel significativo em uma vasta parcela dos raciocínios, não devem ter sido criadas inicialmente, na primeira leva de palavras construídas. A sugestão é especulativa, mas parece natural a criação inicial de substantivos, seguida de adjetivos, compondo uma linguagem eminentemente descritiva, adequada para a comunicação de cenas análogas a quadros estáticos. Em seguida, os verbos enriqueceram as descrições, enquanto os conectivos teriam surgido no final do processo, ajustando a linguagem gramaticalmente, dando-lhe mais precisão.

As regras lógicas possuem uma forte similaridade com as regras gramaticais, quase podendo ser compreendidas como uma extensão, ou aprimoramento, dessas. O uso correto da expressão “se, então” gera sentenças logicamente válidas. Trata-se da noção de consequência, e da invenção da racionalidade. A racionalidade é um fruto da linguagem, e não existiria sem ela. Não somos racionais por sermos inteligentes, somos racionais porque falamos.

Abstrações e a criação do mundo 2

Termos relacionais como “filho”, ou “maior”, constituem criações linguísticas extraordinárias, e iniciaram a expansão do mundo 2, o mundo simbólico; note: podemos ver árvores, peixes, e podemos ver 2 irmãos, mas não podemos ver a irmandade; precisamos da linguagem para construir coisas como essas: abstrações. Todas as abstrações são frutos exclusivos da linguagem, criações humanas surgidas em algum momento. A linguagem permitiu uma enorme expansão do mundo. Nossas conversas atuais tratam mais frequentemente de fenômenos abstratos, do mundo 2, que do mundo original, das coisas concretas.

Ao especular sobre a criação da linguagem por nossos antepassados, devemos ter em conta a repetição do processo de criação linguística efetuada por nós na infância, trata-se de nosso melhor guia para isso.

A validação coletiva de sentenças

Podemos imaginar o mundo antes da invenção de expressões equivalentes a “se, então”, da racionalidade, e da noção de consequência. Na ausência de um sistema lógico de inferências, ficamos restritos a um sistema de validação coletivo. Em um tal sistema, sentenças pronunciáveis (verdadeiras) são aquelas que têm sido pronunciadas anteriormente; a repetição valida a sentença. Aquilo que todos repetem é (verdadeiro). Outras sentenças são impronunciáveis; punem-se socialmente os que as pronunciam.

Esse sistema de validação tem, ainda hoje, uma enorme força, constituindo a base das campanhas publicitárias, a maior parte delas centradas na repetição até a náusea de algum mote. Crianças vivem quase exclusivamente em tal sistema, pedindo a validação do grupo para a comprovação de suas proposições, uma herança evolutiva de tempos passados.

Restrições de ordem psicológica tendem a reforçar tal sistema. Adolescentes mantêm da infância um forte receio da rejeição, e uma espécie de compulsão pela aceitação do grupo, pela busca de pertencimento a uma comunidade. Embora capazes de realizar profundas inferências lógicas, adolescentes contemporâneos, quando em grupo, tendem a preferir buscar a validação coletiva à validação lógica de qualquer conhecimento. Imagino que, atualmente, os buscadores da rede de computadores tenham interferido fortemente nesse tipo de procedimento. Durante minha pré-adolescência, no entanto, as contendas “intelectuais” eram resolvidas com base no apoio de outros participantes do grupo, especialmente das lideranças, cuja palavra, ou veredito, tendia fortemente a definir a querela. Nesse grupo, “discussões intelectuais” consistiam, de fato, em afirmações de poder. Note que uma parte considerável da população acredita que todas as discussões verbais consistam em fenômenos desse tipo, validáveis coletivamente, sendo inimaginável, em tais grupos, o apelo a qualquer tipo de externalidade lógica. Trata-se de um atavismo.

Essa constatação psicológica sugere, ou corrobora, a existência de um período recente no qual as validações eram todas obtidas por meio do consenso, quando as repetições verbais consagravam e reforçavam as crenças coletivas.

Validação e poder

Considere um grupo no qual toda a validação de conhecimento é feita através do consenso. Uma consequência marcante dessa prática será um sistema de poder baseado nesse modo de inferência, e que se confunde com ele. Nesse contexto, dominar, comandar o bando, corresponde a dominar suas crenças. (Atentemos para esse fato, ressaltará a característica revolucionária dos sistemas lógicos.). O resultado da dominação é a união consensual do grupo, o compartilhamento de crenças. Em um certo sentido, o grupo torna-se a unidade; o indivíduo se coletiviza, coagulando-se em uma entidade grupal conectada pela linguagem e pelo conjunto de crenças compartilhadas e repetidas por eles. Nesse sentido o grupo torna-se um ser único, composto por partes desconexas (os indivíduos) conectadas pela linguagem, essa forma wireless de conectividade. Nesse contexto, pessoas constituintes do grupo comportam-se como órgãos de um ser grupal; a analogia é reveladora e quase literal.

Seres coletivos

A descrição de um bando de humanos ancestrais como um único ser composto por partes desconexas conectadas através da linguagem pode ser bastante esclarecedora, constituindo, penso, um ponto de vista defensável complementar à visão usual de pessoas como indivíduos.

De imediato, essa descrição propicia uma explicação para o grande paradoxo da existência da espécie humana, essa criatura, individualmente, lenta e fragilíssima. Os textos tradicionais justificam a sobrevivência de criaturas tão bisonhas com base em sua “inteligência superior” que, pretensamente, contrabalançaria, com vantagem, suas debilidades físicas gritantes. Penso que individualmente sejamos criaturas fragilíssimas, incapazes de competir pela sobrevivência com outros macacos, ou qualquer outra criatura selvagem. Somos absurdamente lentos, tanto quanto seres de 10 cm. Nossa fraqueza muscular também é gritante, estaríamos em apuros lutando contra quase qualquer animal com a metade de nosso peso. Acresce que não nascemos dotados de armas; nossas “garras” são fragilíssimas, precisamos usar armas artificiais. E apesar de debilidades tão flagrantes, nos impomos, provando que elas foram superadas. Creio que tal fato decorreu de nossa coletivização, de nossa recomposição em “indivíduos grupais” fisicamente desconexos, mas unificados, wireless, pela comunicação linguística. Embora cada indivíduo humano fosse mais frágil que criaturas com metade de seu peso, agiam em bando, transformando-se em criaturas coletivas com um poder inusitado. Foi o bando humano que se impôs, penso, a criatura coletivizada, não nossa fragilíssima individualidade. Penso ser bastante duvidosa a hipótese de uma “inteligência superior” capaz de garantir nossa sobrevivência.

Por muitos milênios a humanidade foi constituída por seres coletivos, grupais, cujos indivíduos agiam coletivamente, conectados pela linguagem, compartilhando crenças e vontades comuns. Assemelhávamo-nos, assim, a colmeias. Esse passado evolutivo está, certamente gravado em nós ainda hoje, herdamos desses antepassados inúmeras adaptações para a existência coletiva. A empatia é uma delas, a identificação com seres similares, a sensação de que, em alguma medida, o outro sou eu. Essa propensão deve ter surgido antes da linguagem, que a pressupõe, mas deve ter sido alimentada e exacerbada nessa fase de existência coletiva da humanidade.

O retorno da individualidade, a cisão

O surgimento da lógica, de uma racionalidade absoluta, independente do consenso, gerou uma fortíssima cisão nesse sistema, restituindo, potencialmente, a condição de individualidade a cada um dos seres, libertando-os da condição de órgãos, ou partes do ser coletivo, transformando-os, novamente em indivíduos independentes.

Essa magia, ou talvez, antídoto, decorreu da invenção da palavra “então”, talvez a palavra mais poderosa de toda a linguagem, uma palavra mágica, sem dúvida, como mostrarei.

Elimine a palavra “então” de uma língua, juntamente com todos os seus sinônimos, como “portanto”, e teremos extirpado da língua, desse modo, suas ferramentas de inferência racional, de maneira que, sem elas, será impossível inferir qualquer tipo de consequência, impossibilitando conclusões racionais. Uma linguagem como essa permitirá, apenas, o uso de um sistema de validação coletivo. Impossibilitados de conferir a validade lógica das sentenças, os falantes de tal língua se verão compelidos a retornar ao sistema de validação coletiva, fundamentado no poder. Consistirão, então, em indivíduos coletivos, perdendo a individualidade, tornando-se impossível pensar de maneira diferente do grupo.

“Tal coisa é assim”, repetirão os poderosos, e nesse contexto, a coisa será assim, havendo uma impossibilidade de contestação racional da imposição. Será necessário o uso da palavra “então”, ou de um de seus congêneres, para contestar uma afirmação imposta pelo poder, sustentando, assim, a própria individualidade. Não existe outro instrumento para a contestação do poder, será a argumentação racional, ou a força (o poder).

Assim, a incorporação da linguagem por uma espécie biológica aglutina seus indivíduos transformando-os em seres coletivos sem existência individual. A diluição da “individualidade coletiva” exige a criação prévia da ideia de consequência, da racionalidade, o instrumento de manutenção da individualidade entre falantes, a ferramenta de blindagem contra o poder.

O surgimento da racionalidade

Reintroduzamos a palavra “então”, e consideremos a seguinte inferência: se A é maior que B, e B é maior que C, então, A é maior que C. Uma instância de tal inferência seria a seguinte: “se a caixa Amarela é maior que a caixa Branca, e se a caixa Branca é maior que a caixa Cinzenta, então a caixa Amarela é maior que a caixa Cinzenta”.

Nesse caso, a argumentação se sustenta a si mesma e se impõe independentemente do grupo, e de qualquer autoridade ou poder. (Em condições extremas, sob tortura, podemos ser compelidos a abdicar de inferências análogas, mas a imposição se dissolve ao cessar a ameaça). De posse da palavra “então”, essa poderosíssima ferramenta lógica, o indivíduo pôde se contrapor ao poder, cindindo a unidade coletiva, estilhaçando o ser coletivo e recuperando a existência individual autônoma.

Desse modo, o surgimento da lógica constituiu um paradoxo linguístico fortíssimo. A lógica é uma decorrência da linguagem, e não existiria sem ela; decorreu da invenção da palavra “então”, ou de qualquer outro congênere que a substituísse na composição de inferências racionais; assim sendo, consistiu em um fruto da linguagem, em uma consequência dela. Mas ao propiciar tal ferramenta, a linguagem permitiu o desmembramento dos indivíduos coagulados em grupos existentes então, transformados em partes, ou órgãos, de seres coletivos, pela própria linguagem. Tendo desmembrado a unidade dos seres grupais, a espécie retornou à condição anterior à linguagem, quando imperava a individualidade. Essa mágica extraordinária decorreu, simplesmente, da invenção da palavra “então”, o ponto de partida de toda a racionalidade, de todas as possibilidades existentes de validação de crenças independentes do poder.

Costumamos imaginar a nós mesmos “seres racionais”, e isso parece corresponder aos fatos, mas apenas em certa medida. Quando consideramos, por exemplo, estarmos imersos em um universo de alta tecnologia, a existência de racionalidade entre nós parece indubitável. Ao tentar avaliar que parcela de nossas vidas se baseia na racionalidade, no entanto, percebemos, creio, que o papel dessa característica é consideravelmente reduzido, ainda que suas decorrências sejam fortemente conspícuas. Penso que estejamos hoje, a humanidade, em um ponto intermediário, entre a existência individual baseada na racionalidade, e a grupal, sustentada pelo poder. Também acredito que a repetição ainda tenha uma força de convencimento sobre a maioria das pessoas muito mais intensa que o raciocínio. Ao mesmo tempo em que os indivíduos raciocinam e alcançam conclusões individuais, a massa que compõe o ser coletivo busca a repetição em uníssono dos mesmos rituais, ou clichês.

Não tínhamos perdido a individualidade por completo, mas também não a recuperamos integralmente, de modo que a humanidade tem oscilado de um extremo a outro nos últimos milênios.

O mundo 2

O domínio do sistema de validação das crenças tem uma importância fundamental, especialmente para o mundo 2, cuja própria existência depende, exclusivamente, de crenças. Enquanto o mundo 1, o mundo material, das coisas, tem uma existência independente e anterior a nós, o mundo 2, o mundo simbólico, é uma decorrência da linguagem, e a pressupõe. A eliminação da linguagem extinguiria, de imediato, o mundo 2, todo o conjunto das abstrações. Nesse mundo, ser é ser pensado.

Embora estejamos vivendo fundamentalmente no mundo 2, preocupando-nos, em nossa vida cotidiana, mais com ele que com o mundo material, pautando os nossos afazeres por entidades abstratas, mais que pelas reais, a existência desse mundo depende apenas de crenças (pense que o dinheiro, os países e as instituições, em geral, pertencem ao mundo 2). Por essa razão, o sistema de validação de crenças é o sustentáculo de nosso mundo, e de todo o poder. A importância das crenças em nosso mundo é esmagadora.

O poder

Existe um poder autônomo, que, embora seja fruto de nossas mentes, pode ser compreendido como uma forma autônoma, ainda que imaterial, que em vasta medida governa nosso mundo e nossas ações. Esse complexo amorfo se baseia em um sistema de validação por repetição, e deve sua existência a ele. Constitui-se como uma imensa rede, congregando e conectando todas as pessoas através da linguagem. Trata-se apenas de um software, mas governa amplamente nossas vidas, definindo nossas crenças, metas e todo o curso de nossa existência. Reforça-se constantemente através de repetições, definindo nossos hábitos, crenças e construindo assim o mundo 2, no qual passamos a viver, especialmente após termos inventado a divisão de trabalho e deixado as tarefas necessárias à sobrevivência, como a produção de alimentos para um pequeno contingente.

Mas, o que é o poder?, ou melhor, o que queremos dizer com a palavra poder? A pergunta propicia inúmeras respostas, muitas delas extremamente longas e complexas. Penso que diversas respostas, diversas explicações alternativas se complementarão na tentativa de formulação de uma resposta exaustiva à questão. Darei uma sugestão complementar, correspondente a um modo incomum de ver o mundo: o poder pode ser visto como sendo o parasita linguístico que se desenvolve em nossas mentes. Isso seria, basicamente, o seguinte: o germe linguístico original tem infectado toda a espécie humana, passando, usualmente, da mãe para seu bebê nos primeiros anos da infância. Esse parasita nos coliga, a todos, e nos governa. Constitui nossas mentes e nos compele a executar todas as ações que fazemos. Esse ser enraizado em todos nós, aprisiona-nos e controla-nos através de uma imensa rede.

Os parágrafos abaixo ilustrarão a gênese de disputas complexas, como resultado de contendas elementares disparadas por ações de extrema simplicidade.

Bois de canga

A canga é uma trave de madeira utilizada para atar parelhas de bois, com o intuito de atrelá-los aos carros-de-boi, usualmente puxados por um par de animais conectados um ao outro com esse apetrecho. Ao se conectar 2 bois, um ao outro, ao atá-los por uma trave agrilhoada a seus pescoços, os animais lutam para se desvencilhar do incômodo; o resultado, no entanto, assemelha-se a uma luta pelo poder, para determinar qual dos 2 governará os movimentos da dupla. Depois de uma intensa disputa inicial, quando cada um dos bois tenta impor sua vontade e assumir o controle da dupla, um deles acaba imperando, e determinando os movimentos da parelha. Quando isso acontece, a disputa cessa e ambos podem descansar e se dedicar a comer; o prolongamento da disputa impõe sacrifícios aos 2.

Estabelecida a hierarquia, os 2 passam a agir como uma criatura única, de 8 patas e duas cabeças, cujos movimentos são determinados pelo boi dominante. “Erros” do subalterno em acompanhar o líder serão punidos com um safanão. As tentativas do subalterno de insubmissão, disparadas por safanões aplicados por ele, resultarão no recomeço da disputa pela liderança, e no prolongamento da luta acirrada pelo controle da dupla. Convém à dupla estabelecer uma sinalização determinada pelo boi dominante e acatada pelo outro, de maneira que, ao sinal do líder, ambos se deslocam da maneira proposta por ele, para a frente, ou para um dos lados… o estabelecimento de um código de sinalização entre ambos permite que o subalterno saiba para onde se deslocar, fazendo isso com precisão, de modo a minimizar desencontros dolorosos. Compreendendo a ordem do líder, o outro pode segui-lo evitando a ocorrência de desgastes decorrentes de safanões. A partir de então, a dupla se mantém sincronizada e coesa, mesmo que a trave seja retirada. Mesmo livre da canga, a dupla continuará se comportando como se estivesse ligada por ela, caminhando lado a lado, sincronizadamente.

Pode-se fazer um paralelo entre essa disputa e outra, ocorrida anteriormente, em cada um dos seres, entre os dois hemisférios dos seus cérebros. Essa luta, ocorrida em todos nós um dia, pela determinação de nossos movimentos por essas duas entidades quase independentes (os hemisférios) foi, talvez, a contenda final, em cada um de nós, de uma longa sequência de lutas entre entidades ainda menores em conflito pela dominância. É possível que alguma entidade bem simples, um pequeno grupo de neurônios agrupados em rede, tenha “lutado” com outros pela dominância, resultando em uma criatura individual, una e coesa, dominada, fundamentalmente, por uma única entidade. A não obtenção de tal dominância determinaria um ser conflitante e múltiplo, um “indivíduo” desestruturado, com uma existência em mosaico. É provável que “lutas pela dominância” aconteçam com muita frequência, internamente, no desenvolvimento dos seres individuais.

Note que os hemisférios cerebrais disputam o controle pela determinação dos movimentos do indivíduo conectados por interações elétricas, do tipo que conecta os neurônios, enquanto que a conexão que determina a disputa entre os bois é, inicialmente, a trave de madeira, substituída posteriormente por algum sinal visual que continua a governar a interação entre os bois, mesmo na ausência da trave, o que mostra ser irrelevante o meio através do qual a conexão entre as partes é estabelecida. É provável que os hemisférios cerebrais tenham percebido o corpo do indivíduo do mesmo modo que os bois percebem a trave de madeira, em sua luta pela dominância dos movimentos do indivíduo.

Cangas sociais

O casamento e outras inúmeras instituições sociais podem ser vistos como cangas sociais. A exemplo dos bois quando atrelados a cangas, os casais recém-constituídos tendem a se empenhar em disputas pelo controle das deliberações conjuntas do casal. Conexões sonoras, visuais e tácteis serão utilizadas pelo casal, alternativamente à canga dos bois, substituindo esse apetrecho pelo controle verbal e outros.

Cangas sociais são utilizadas, por exemplo, para domesticar crianças, tendo a escola um papel preeminente nessa tarefa.

Trabalhadores também usam cangas sociais, passando a ter uma parte considerável de suas horas determinadas por mecanismos de controle de vários tipos.

Cangas sociais são estabelecidas utilizando-se ordens verbais em substituição à canga de madeira. Normas escritas também, entre outras, podem ter papéis determinantes no processo de controle dos indivíduos.

Enquanto a canga original, de madeira, palpável, corresponde a um hardware, as cangas sociais são estabelecidas através de softwares, sendo, no entanto, tão efetivas, umas, quanto outras.

Softwares

A palavra “software” tem sido muito utilizada mas pouco compreendida. Softwares não são coisas materiais, palpáveis, mas apenas redes de conexões. Qualquer conjunto de conexões entre coisas pode ser considerado um software.

Existem redes de conexões que se destroem e reconstroem seguidamente, dando a impressão de movimento, assim como sucessivos fotogramas estáticos compõem a ilusão do cinema. Formam, desse modo, redes dinâmicas.

Todo o nosso conhecimento é adquirido e armazenado dessa maneira, constituindo uma imensa combinação de estados dinâmicos, dados pelas conexões entre nossos neurônios. Tudo o que sabemos, tudo o que vivenciamos, e até nosso próprio eu corresponde a um conjunto de conexões, relações estabelecidas entre neurônios.

Usualmente um software é determinado por um mesmo tipo de conexão, quero dizer, conexões cerebrais, por exemplo, entre neurônios, são constituídas por sinais elétricos. Entre pessoas as conexões são determinadas pelas locuções verbais. Entre os bois de canga, pela canga.

Uma característica interessante e surpreendente dos softwares é a absoluta irrelevância do modo de conexão que o define. Assim, apenas por conveniências tecnológicas os computadores atuais usam circuitos conectados por fios pelos quais fluem correntes elétricas. Não há nada que os obrigue a funcionar dessa exata maneira. Caso as mesmas conexões sejam efetuadas por um mecanismo mecânico, ou seja, caso o mesmo software seja implantado em um circuito mecânico análogo a um computador, desenvolverá a mesma dinâmica, chegando, exatamente, aos mesmos resultados. É apenas por conveniências industriais, pela velocidade conseguida entre as interações, por exemplo, que os computadores usam tecnologia eletrônica.

Temos usado, nos últimos anos, conexões sem fio entre circuitos. Para o resultado da execução do software, terá sido irrelevante que as conexões tenham sido estabelecidas através de fios, ou sem eles. Do mesmo modo, também não terá tido importância para o resultado do processo que as conexões que determinam o software tenham sido sonoras, por meio de voz, ou tácteis, através de uma trave ou chicote.

Surgimento e evolução de redes: softwares e evolução

O estudo da evolução corresponde ao pressuposto de uma simplicidade original gerando toda a diversidade e complexidade atual. A tentativa de compreensão da evolução da vida sugere a postulação de uma complexidade crescente advinda de um momento inicial despojado de formas complexas originárias.

Consonante a tais pressupostos, podemos imaginar células solitárias percorrendo os mares livremente, em busca de alimento, crescendo, para se dividir em seguida, duplicando-se desse modo.

Também podemos supor alguma espécie de falha em tal processo, impossibilitando a desconexão final entre as duas células resultantes da duplicação. Teriam surgido assim seres duplicados compostos por duas células independentes, como gêmeos siameses. A repetição do mesmo erro resultaria em colônias de seres independentes, mas atrelados uns aos outros.

Tal conexão entre as células teria sido deletéria para ambos, impossibilitando o desmembramento e acirrando a competição entre os irmãos, incapazes de se separar um do outro. Considere formas livre-natantes, deslocando-se pelas águas em busca de alimentos. A existência de 2 ou mais comandos independentes determinando o movimento do grupo gera antagonismos que só dificultam a vida de todos eles. Enquanto um comando impele o grupo para um lado, o outro se opõe, tentando impor outra direção. O resultado é um movimento dissonante, ineficiente, gerado por criaturas independentes em busca de metas independentes.

Tais criaturas devem ter tido graves problemas decorrentes do acoplamento, consistindo em linhagens frágeis e logo extintas. A repetição do evento deve ter ocorrido muitas vezes, até que uma outra ocorrência, um outro equívoco ocorrido durante a duplicação dos seres acrescentou à dupla um sistema de acoplamento do movimento. Bastaria para isso que o sistema de detecção utilizado pelos indivíduos para a determinação do movimento passasse a incluir a detecção da determinação do parceiro/antagonista. Levando em conta essa determinação, uma disputa entre ambos deveria conduzir à definição de comando da dupla. Uma vez adquirida essa definição, ambos os indivíduos passariam a unir esforços em direção o aos mesmos propósitos, passando a “remar em conjunto”, não mais um para cada lado. Podemos imaginar a vantagem imediata de tal aquisição. Remando em uníssono, a dupla teria adquirido uma mobilidade sem precedentes, ganhando velocidade e eficiência.

Tal processo teria levado à formação do primeiro verdadeiro indivíduo multicelular, um ser coeso, guiado por uma única meta. A competição entre as células se repetiria durante a definição de comando de todos os seres múltiplos, repetindo-se, posteriormente, novamente frequentes vezes, durante o processo de aquisição de complexidade resultante na formação de seres multicelulares complexos, constituídos pela infinidade de células que compõem os seres atuais.

Agora, atentemos, tal processo não corresponde a uma coisa material; processos são conexões de eventos, redes de acontecimentos. Correspondem a softwares; bastante simples, mas sem dúvida softwares, processos imateriais, formas de interações entre seres, sistemas de conexão em rede. Teria surgido assim a primeira rede entre seres distintos. (Nada de novo sob o sol, se pensarmos que podemos descrever inúmeros processos celulares internos como redes, convém acrescentar).

De volta aos vários ângulos

Retornemos agora ao modo de ver o mundo sob múltiplos ângulos. O software insipiente aventado acima pode ser visto como um modo de interação entre 2 seres. Alternativamente, pode ser descrito, também, como uma entidade autônoma, como uma espécie de parasita imaterial se imiscuindo entre os seres e governando suas vontades, à maneira do fenótipo estendido. Tal descrição pode ser encarada, apenas, como um modo auxiliar para o esclarecimento de outros processos, pouco importando que se lhe dê credibilidade maior que a instrumental, considerando-a apenas uma ferramenta útil, como uma metáfora. Insisto, no entanto, que a consideração do software como criatura independente pode ser extremamente útil, e elucidar inúmeros fenômenos.

Evolução

Esse tipo de competição se processa internamente, ainda hoje, repetindo a saga original de nosso primeiro antepassado multicelular. Referi-me anteriormente, ao tratar dos bois e dos hemisférios cerebrais, à competição encerrada por essa última contenda, entre as duas partes do cérebro. É provável que as redes de neurônios que compõem nossos cérebros sejam o resultado de “jogos” desse tipo, de competições realizadas por criaturinhas extremamente simples, por minúsculas redes de conexões originais, cujo intuito seja se conectar mais e mais, transformando-se assim em imensas redes complexas, a maior das quais já abarca todo o nosso planeta. Perceba que foi essa conexão original geradora do primeiro ser multicelular que acabou resultando em todos os desenvolvimentos posteriores, nas redes de conhecimentos que habitam nossos cérebros e que agora se derramam e se espraiam pelos computadores, conectando-nos, todos nós pessoas e máquinas, em um único ser descomunal.

A linguagem, epílogo

O ponto de vista alternativo proposto nas páginas anteriores, conecta uma série de fenômenos tratados usualmente de maneira desconexa. Propõe uma interpretação da linguagem como entidade autônoma, como um ser imaterial vivendo em nossos corpos, constituindo nossos eus, e controlando nossos corpos dessa maneira, como uma espécie de zumbi. Também propõe a analogia entre a linguagem e os sistemas operacionais. A multiplicidade de ângulos defendida acima, permite ver a linguagem como um ser independente vivendo em nossos corpos, e também como um ambiente, um sistema operacional no qual desenrola-se todo o mundo 2, o mundo de nossas criações mentais, nossas abstrações; nossas instituições, crenças, sonhos e conexões em geral, essas coisas sem existência material, que mesmo assim governam nossas atenções e mentes.

A descrição proposta sugere também o início do processo de transbordamento da linguagem, de nossos cérebros para as criaturas eletrônicas que agora construímos em profusão, e que logo adquirirão autonomia completa. Também descreve a formação da imensa rede envolvendo todo o planeta, de um ser único tendente a nos englobar a todos, a envolver nossas mentes e capturar cada um de nós, transformando-nos em partes da criatura imensa, como neurônios de um cérebro descomunal.

A aventura da vida tem se acelerado imensamente e, nesse instante, adentramos o olho de um imenso turbilhão prestes a nos engolir a todos. O momento é de enorme apreensão, inúmeros caminhos se nos apresentam, muitos deles com feições de pesadelos horrendos.

Sugiro, apesar disso, encaramos a grande aventura como uma criança em um parque de diversões. Gritemos desesperados, cortejemos o pânico e alucinemos em meio à barafunda desconexa na qual nos metemos, e o façamos confiantes e alegres, como loucos adentrando o cenário lisérgico a se descortinar ante toda a humanidade. Que o absurdo ganhe os contornos mais alegres que consigamos dar, e que a aventura seja loucamente feliz.

Iuuuuuuurrúuuuuulll!

Rio, 30 de setembro de 2016

Gustavo Gollo