A CRISE - PARTE IV
Eu parecia ter me familiarizado com o fundo do poço e de certa forma já aceitava a ideia de permanecer ali pelo resto da minha existência. Se bem que naquela altura do campeonato eu imaginava uma expectativa de vida bem semelhante a do homem de Neandertal.
As pessoas passaram a acreditar numa súbita melhora da minha depressão e eu me esforçava para interpretar com perfeição esse personagem. Quanto mais cheio o teatro, melhor era a minha performance. De vez em quando eu encontrava com alguém mais íntimo, com paciência e apetite em me compreender. Normalmente esses encontros terminavam de maneira melancólica ainda que sucedido por piadas autodepreciavas.
Havia passado um certo tempo desde que eu havia pensado na possibilidade de me manter afastado das pessoas com as quais eu convivia diariamente. Penso que talvez o meu silêncio tenha lhes dito muito mais do que eu gostaria de dizer ainda que eu me esforçasse para mentir e os enganar de forma que eu me sentisse confortável a estar ali novamente.
Resolvi me abrir com uma amiga na época. Fui sincero. Até demais. Ela me disse que já desconfiava de algo do tipo. Não sei como, afinal tudo aconteceu tão depressa que sempre tive dificuldade em expressar os fatos numa ordem cronológica.
Talvez, quando a gente adoeça dessa forma, algumas pessoas percebam mesmo esses indícios, mas tão difícil quanto isso é a possibilidade dessa mesma pessoa ter culhões para questionar como aquela pessoa se sente naquele momento ou se ela mesma consegue enxergar o prelúdio de algo mais sombrio em seu caminho.
Pela primeira vez me senti leve. Havia sido tão confortado de tal modo que eu não poderia mais pensar em desistir de lutar, sair daquele estado em que me encontrava e mostrar pra todo mundo o quão capaz eu era de tudo.
Algumas pessoas passam por nossas vidas e nos transformam em pessoas piores. Mas não foi o seu caso. Obrigado, por causa de você, hoje eu tenho certeza de que sou uma pessoa muito melhor.