NA CONTRAMÃO DA VIDA- Uma análise comportamental sobre como reagimos as críticas
Em um dos últimos textos que publiquei nos últimos meses, uma pessoa de modo muito educado me perguntou se as minhas publicações e minhas ideias não estavam indo na contramão de vários outros escritores, alguns até de renome internacional. Achei ela uma pessoa culta, madura, bem vivida, intelectual, com várias centenas obras lidas em seu arcabouço intelectual. Confesso que fico lisonjeado quando tenho minhas obras lidas e comentadas (ainda que seja uma crítica ou sugestão), por pessoas com bagagem cultural, que não usam apenas a bíblia, a fé cega ou a ignorância disfarçada de razão e sabedoria como apoio moral e que só tem duas palavras pra descrever o mundo ao seu redor, cujas palavras são: bom ou ruim; de Deus ou do diabo; feio ou bonito; certo ou errado. Não estou dizendo que desprezo outros tipos de leitores. Amo todos, escrevo para todos, e os que hoje tem menos visão do mundo, aumentarão sua perspectiva se continuarem exercitando seu raciocínio por meio da leitura e autoquestionamento e textos que confrontem seu ponto de vista, de vários autores diferentes, como eu mesmo tenho feito ao longo dos anos. Baseado nisso, resolvi completar os pensamentos de um artigo que já tinha publicado em 2014.
Em primeiro lugar, todos estamos na contra mão de algo, de alguém, de alguma coisa ou de alguma ideia. Alguns de nós talvez estejamos indo, quando outros já estão vindo. Nunca nesse multiverso de formas cores, odores, sabores, sentidos e opiniões estaremos enquadrado perfeitamente em todas as situações. Em algum momento na vida nos sentiremos desencaixados ao perceber o mundo ou expressar nossas ideias e isso é puramente normal. Demonizar alguém por ser diferente é que não é normal. Ficar para baixo por que alguém não concordou conosco faz bem a ninguém. Assuntos que alguém defende hoje com unhas e dentes, pode ser os mesmos assuntos que essa mesma pessoa vai perseguir amanhã quando seus olhos forem abertos para vários aspectos da vida. Pessoas que indiretamente foram proibidos por seus pais ou líderes religiosos de buscarem respostas para seus questionamentos que não fossem daquele grupo, quando o fizer, é possível que demonstre um pouco de aversão ao pensamento que hora nutria, pelo simples fato de ter sido vítima da ignorância por conveniência que era mantida pelo seu grupo. Quando somos criticados por expormos nossas ideias temos a opção de reanalisar se estamos errados melhorando a nós mesmo ou a própria ideia que pode trazer algum benefício social, mas se formos imaturos quanto a receber opinião alheia iremos trancar em nós mesmo, nos isolarmos, ficarmos com raiva, ou passar a concordar com tudo só para não sermos confrontados. Não precisamos mudar de opinião se não quisermos, mas também não precisamos ficar ofendidos pelos comentários, afinal quem se expõe a algo, se expõe a crítica seja de gente sincera, ou de gente medíocre.
Passamos a maior parte do tempo preocupados em agradar aos outros, ou pelo menos impressioná-los. Quando viemos ao mundo nossa sociedade já estava montada, costumes montados, a vida seguia...Quando criança, aos poucos foi nos ensinado boa parte do que hoje temos como verdade. A crença no sistema político e religioso é uma delas. O fato de termos nascido em algo que já seguia seu curso natural, não nos impede de vermos a vida por outro ângulo, nem nos impede de tentarmos mudar para melhor algum sistema. Fica claro que todos que não se encaixam em algum padrão estabelecido são chamados de aberrações sociais a princípio, mas com o tempo o jogo pode virar, e o vilão passa a ser mocinho e o mocinho vira vilão. A maioria dos que hoje são tido como heróis ou grandes cientistas, um dia também já foram loucos, marginais e arruaceiros por que tinham ideias contrarias ao padrão de sua época. Algumas famílias hoje são bilionárias por que algum parente seu do passado teve a ousadia de encarar o ceticismo da época para criar algo totalmente revolucionário ao seu tempo. Um dia escarnecido, poucos anos depois bilionário e vendendo seus produtos aos escarnecedores. Sempre assim. Um dia louco, outro dia professor e cientista.
Existem milhares de pessoas talentosas, com ideias fabulosas, ou com personalidades impactantes que estão nas sombras da vida simplesmente por que tem medo da rejeição de suas ideias quando essas forem expostas. Há uma necessidade intrínseca na maioria de nós em querer sermos aceitos ou termos nossas ideias validadas e nossas opiniões recebidas de bom grado. Por isso deixamos de nos expressar com medo do ridículo. Estas pessoas não expõe suas ideias pelo simples medo da refutação alheia. A refutação pode vir pela lógica dos que querem ou podem aperfeiçoar nossas ideias, por aqueles que tem inveja pessoal cujo sucesso do outro expõe ainda mais o fracasso deste, e ainda muitos refutam uma ideia simplesmente por que são massas de manobras, repetindo tudo que outros dizem sem nem saber o que estão dizendo.
Outra preocupação com aqueles que tem ainda um pouco de senso de honestidade é o compromisso com a verdade ao querer expressas suas ideias, principalmente no que diz respeito a crença religiosa. Pessoas honestas, que não buscam glória própria, geralmente vivem em conflito interno em relação aos aspectos das divindades cultuadas. Muitas destas pessoas não aceitam a forma ou o modo como as coisas são faladas em relação ao que é seguido, mas preferem seguir o curso em andamento do que correr o risco de ser considerado um “herege” pelo grupo. Pessoas desonestas consigo mesmas e que não estão nem ai entre o que falam e o que seguem, tem uma facilidade maior em permanecer num caminho contrário a própria crença, desde que essa lhe proporcione dinheiro, fama, ou prazeres momentâneos. Enquanto uns tem compromisso com a verdade outros tem compromissos com os ritos a ser seguidos.
A grande questão é: onde estar a verdade? Quem garante que aquele modelo de crença ou rito seja o verdadeiro, sendo que aquele que no momento diz ser verdade sua fala, também se baseou em falas anteriores, de outros, de outros, de outros....cada um montando sua fala em cima de discursos anteriores, acrescentando a esses sua própria experiência vivida ou seus achismos. Outra questão é que a pessoas que mente a si própria, estão dispostas apenas a buscar e pesquisar sobre os pontos que lhes fazem validar sua fé, quando na verdade para esta ser saudável, deveria ser analisados os pros e os contra de sua crença. Quando estamos perto de pessoas que apenas apontam nossas qualidades e escondem nossos defeitos com medo de nos ofender, corremos o risco de nos tornamos paraplégicos no conhecimento, presunçosos, orgulhosos e patéticos. Quando somo confrontados, e somos humildes o bastante para refletir e argumentar, surge a luz da razão e nos tornamos evoluídos. As vezes os que te aponta uma falha, pode te ajudar mais do que o que é conivente com seus erros.
É importante lembrar que no pensamento científico e filosófico não há uma verdade final. Toda verdade é verdadeira até que se prove o contrário. Provando-se o contrário, volta-se ao ponto zero se necessário, para construção de uma nova escola de pensamento. Nenhum cientista ou filosofo que se prese, vai ficar enraivecido quando vir que suas teorias foram melhoradas ou corrigidas, afinal, ele deu o pontapé inicial naquela tese, ainda que contraditória a princípio, mas que trouxe luz ou serviu de ponte para outras teses posteriores. Veja ao seu redor, e constate que tudo que você tem em casa, de aparelhos eletrônicos, a móveis, de técnicas industriais a técnicas rurais, tudo é aperfeiçoamento de uma ideia anterior a esta. Riremos de nós mesmo no futuro por muitas coisas que fazemos hoje. O percurso que Cabral fez em 90 dias há 500 anos, fazemos em menos de 24 horas hoje. Quanto ao pensamento religioso, costuma-se querer ocultar o passado, e fazer com que os féis acreditem que aquele modelo de liturgia é o mesmo desde a fundação daquela fé, quando na verdade até a própria fé ou a divindade cultuada pode ser o aglomerado de dezenas de outras crenças que veio antes dela. Costuma se negar que as pessoas compreendem as divindades de modo diferente ao longo das eras. Desse modo cria-se o fanatismo, que leva a loucura, que leva aos conflitos mundiais.
Aos que reprimem suas ideias com receio de não ter a palavra ou a verdade final, melhor repensar sobre isso. Ninguém tem a palavra final em nada. Toda verdade partiu de pelo menos um pressuposto verdadeiro ou mitológico. Então nos questionamos: qual a verdade que pretendemos exprimir? A verdade de um tirano que busca apenas honra, gloria e servos para si próprio, ou a verdade do que se julga parte de um todo em constante processo de aprendizado? Há sempre mais de uma verdade. A versão de verdade do conquistador e do conquistado por exemplo, nunca coincidem.
Compreendemos como verdade aquilo que nossos sentidos constatam, nossos aparelhos tecnológicos medem, nossa versão histórica registra ou que na grande maioria dos casos, aquilo que o pensamento religioso diz ser verdade por meio da concordância coletiva. Um bom orador pode mudar a “verdade” dos fatos num piscar de olhos, bastando apenas mudar o ponto de vista de quem observa. O arcabouço cultural do observador é crucial para que uma verdade seja aceita ou não por aquele que à apresenta, desde que o sentimentalismo não seja colocado em questão. A versão de “verdade” de uma mãe desonesta que sabe que sua filha casada se envolve em casos extraconjugais, trazendo uma série de prejuízos á família de ambos, será bem diferente da versão do marido traído por exemplo. O nível de envolvimento emocional com o que causou o prejuízo e o que sofreu o prejuízo, fará com que cada um aceite uma das verdades e julgue a outra como mentira. Nesses casos a verdade é liquida, e adquire a forma do recipiente que lhe foi colocado. Recipiente sujo, verdade suja, recipiente limpo, verdade transparente. Quadrado, redondo, triangular, sinuoso, helicoidal assim se torna a verdade a depender do emissor e do receptor. Do mesmo modo que acontece com os líquidos, o aumento da temperatura (provas e evidencias) faz com que a verdade vaporize e ganhe novas formas. O baixar da temperatura (arquivamento ou corrupção de causa), faz com que a verdade empedre, e se torne rígida, parecendo sólida, mas basta expor um pouquinho ao sol para que essa se derreta e adquira novas formas, fazendo com que o mentiroso invente uma nova verdade cada dia para manter a “verdade” anterior.
Quando uma pessoa demonstra uma opinião diferente sobre um ponto de vista cientifico ou filosófico, após muitas tentativas frustradas de aduladores como a intenção de fazê-lo calar e este não recua, começam então atacar a família do “arruaceiro” cobrando desta uma reparação daquele comportamento do “louco”, hostilizando a família do mesmo como se essa fosse culpada em parir essa aberração, só por que veem naquele sujeito suas crenças ou suas “verdades” abaladas. Há um texto na bíblia em que narra a história, de que depois de várias tentativas fracassadas do sinédrio em calar jesus e não ter conseguido, a cúpula começou atacar o moral da família Dele, fazendo com que essa se sentisse culpada pela “vergonha” que Jesus causava ao realizar seus feitos no vilarejo. Os feitos que Jesus fazia (segundo o que se estar escrito) era motivo de orgulho, mas o sinédrio fazia com sua família sentisse vergonha por isso. Pelo que o texto informa, eles conseguiram a princípio envergonhar seus familiares. Coisa comum. É mais confortável ir na correnteza do que remar contra a maré defendendo um ponto de vista contrário a multidão. Não se deve aumentar a pressão da família olhando-os com maus olhos ou como traidores nesse ponto. Eles estão apenas com medo e não percebem que aqueles que dizem ser seus “respeitáveis amigos” os culpam, por uma decisão que foge ao controle deles e amigos verdadeiros jamais nos imputam culpa alheia. Se esses amigos fossem tão respeitáveis, não imputaria a um, a decisão de outrem, nem faria chacota alheia, por uma decisão comportamental de alguém que já tem autonomia própria. Nesse caso, a decisão comportamental de Jesus foi o de confrontar o mercado da fé de sua época.
Todos nós, independentemente do que façamos ou escolhemos, teremos sempre uma comunidade de apoiadores e de repressores. Você pode ser um candidato a “anjo” ou um aspirante à de demônio, sempre terá os que te apoiam e os que te condenam. Sempre terá seguidores seja qual a for a direção a ser tomada. Quando você faz parte de um grupo e muda para outro por exemplo, de repente todas as pessoas que “gostavam” de você, agora serão seus algozes caçadores de suas falhas e farão de tudo para denegrir tua imagem expondo fatos antigos ou criando fatos que nunca existiram. O grupo que te recebeu, que talvez anteriormente fosse hostil a você, agora demonstra ser hospitaleiro e afável, pela sua simples escolha de se juntar a este. Em política isso é muito comum. Não importa se sua opinião é contraria desde que sua afirmação em público seja verdadeira. Quando você decide não fazer parte de grupo nenhum, ai sim você estar em fogo cruzado, pois pode não ter apoio de nenhum dos lados. É comum a qualquer pessoa que ainda não cresceu intelectualmente vir a caçar, oprimir e destruir, qualquer ser, pessoa ou ideia que seja contrária a sua.
Só há um modo de não sermos avacalhados em nada: não falando, não sendo, não existindo, pois ao contrário, sempre nessa vida iremos agradar a uns e desagradar a outros. A consciência disso não deve fazer de nós anarquistas sem causas, baderneiros, que estão sem rumos e querem apenas ser focos das atenções, mas estar consciente pode nos trazer liberdade interior, que reflete no exterior, fazendo com que deixemos de nos sentirmos culpados por algo que não deveríamos proporcionando luz ao nosso ambiente.
A liberdade de expressão é muito mais que o simples direito de dizer o que pensa. É a consciência de saber que tudo que falamos ou fazemos pode trazer impactos positivos ou negativos a nossa sociedade do agora e do futuro. Dizer o que pensa qualquer um pode dizer. Defender suas ideias por argumentos mesmo diante de pressão é pra poucos. Tomar a iniciativa e encabeçar ideias revolucionarias é somente pra os loucos que tem coragem de andar na contramão da vida.
Escrito em 29 de Novembro de 2016
*Antônio Ferreira é Bacharel em Teologia, estudante de Religião, Filosofia e Capelão Evangélico (não filiado a nenhuma igreja desde 2013).