A AMIZADE AUTÊNTICA

A mais sincera e honesta relação de amizade ocorre nos momentos de grandes tribulações, nos momentos mais árduos da vida, onde a pré-ocupação de uma vida pela outra desafia e ultrapassa qualquer forma de interesse e pretensão egoísta de superioridade.

A amizade verdadeira está fundada por um compromisso de um ser humano por outro, e de modo algum podemos considerar uma amizade legítima em circunstâncias onde só há diversão e alegria (tem sentido levar a sério uma amizade, chamar alguém de amigo, só em determinadas circunstâncias, apenas nos momentos onde estamos nos divertindo?).

Mas se queremos estabelecer relações autênticas e permanentes, é importante e permanece sendo pertinente que, independente de qualquer situação, continuaremos a manifestar gestos singulares que denotem grandeza de alma num tempo carente de tais manifestações.

Ora, o que pode ser mais salutar para a manutenção da qualidade da vida do que a relação de amizade que conseguimos estabelecer com Deus e com os nossos semelhantes?

O que pode ser mais autentico e singelo numa amizade do que a energia do olhar preocupado e compromissado de uma alma por outra alma, ou melhor, de um ser humano por outro ser humano, onde o que está em jogo é o brilho excelso da caridade que motiva a eminência de uma bela amizade?

Se a sociedade não faliu de vez, não se afundando em discórdias e divisões infindáveis, é porque ainda há alguns resquícios de sinceridade e de solidariedade espalhadas em meio a tanta desolação e caos; são, de fato, raridades que ainda não se extinguiram... mas até onde estaremos dispostos a romper com a nossa mesquinhez para demonstrarmos uma grande virtude quando chamamos outra pessoa de amigo no seu sentido mais elevado e profundo?

É no diálogo descompromissado, no sentido de não ser dirigido por qualquer forma de institucionalização ideológica, e na solicitude pela vida de outrem (no momento em que é possível sentirmos que, independente de qualquer interesse, existe alguém do nosso lado para sentir nossas dores, e se for preciso nos fortalecer com o acolhimento de sábios conselhos e consoladoras palavras), que a amizade, tão louvada pelos sábios de todos os tempos, desponta como alternativa para vencermos a dores da mais aguda solidão.

Na antiguidade, mais especificamente, na Grécia vivendo o esplendor de sua cultura (enriquecidas pelas artes, pelos mitos e pelas mais diversas correntes filosóficas), a amizade era vista como algo importantíssimo para o bom funcionamento de uma pólis, sendo o diálogo estabelecido pelos seus cidadãos um bem que só a amizade podia gerar: era, pois, propiciadora de conhecimento e de sabedoria.

Com a surgimento do cristianismo séculos mais tarde, a amizade ganha dimensões mais profundas, dessa vez o outro passa a ser uma preocupação constante, há um interesse maior pela manutenção de sua saúde espiritual, de tal maneira que nessa relação de amizade, o outro é chamado de irmão por ser filho do mesmo DEUS que criou a todos(...) Nesse momento, a amizade passa a ganhar, através de uma nova perspectiva para o espírito, contornos mais amplos, no qual os preceitos do amor ao próximo, da caridade e da compaixão são determinados para enriquecer as relações de amizade (pelo menos assim deveria se suceder!) que são estabelecidas entre as pessoas.

Nos dias atuais, no qual muita coisa se perdeu em decorrência dos valores que foram criados pela nossa sociedade, a verdade, o amor desinteressado e a reciprocidade nas relações humanas está em baixa; porém, independente de qualquer coisa, a qualidade de uma amizade é um bem que ainda prevalece para todos aqueles que não se perverteram diante de tantas miragens nas encruzilhadas da vida. É uma dádiva que deveríamos perseguir e cultivar, pois num mundo obscurecido pelos jogos de interesse e por tanta inveja a infestar o espirito, a amizade autêntica é uma das respostas para tantas necessidades insatisfeitas e um presente para quem almeja amenizar a dor proveniente das imposições sociais.

Um amigo, sinceramente falando, é aquele que, não importa qual situação estejamos, procura estar sempre ao nosso lado e, se for preciso, diz francamente aquilo que não queremos que seja dito em nossa presença, palavras que podem nos servir como guias práticos até para o nosso amadurecimento. Enquanto que em nossa ausência expõe o que temos de melhor em nosso caráter, deixando o lado mais obscuro, as esquisitices e todas as manas para um diálogo sem fronteiras, um diálogo temperado pela honestidade de duas almas interagindo entre si.

Considerando as dificuldades, a história de vida, os talentos e o valor de cada um, a riqueza dialógica de uma conversa, motivada pela compreensão e pela empatia de ideias, é uma aventura no mundo da intersubjetividade, para o qual é possível desvelar, mediante uma perspicaz compreensão e sensibilidade, as complexidades mais sinuosas que habitam no íntimo de cada ser.

Pela amizade somos mais do que simplesmente indivíduos tentando subsistir no mundo; através da convivência e de uma harmônica co-existência, podemos transmitir o que temos de melhor em nosso ser e aprender o que o outro tem de melhor a nos ensinar. É assim que prevalece e se estabelece uma amizade por tanto tempo, nela pode haver uma força que supera as muralhas das diferenças... sejam elas ideológicas, culturais ou então étnicas!

Alessandro Nogueira
Enviado por Alessandro Nogueira em 12/11/2016
Reeditado em 12/11/2016
Código do texto: T5820829
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