A ANGÚSTIA DO DEVIR

Diante das mudanças mais implacáveis do tempo e diante das incertezas da vida, eclodiram profundas reflexões ao longo da história da humanidade. Desde que o homem passou a sentir os espectros da finitude ceifando toda a diversidade da vida na terra, não parou de fazer questionamentos sobre o sentido de sua existência, não sem antes saborear vertiginosamente a angústia que o devir provoca em seu ser.

Heráclito, consciente do devir, parte do princípio de que tudo flui e nada dessa vida permanece, não faz mais do que pensar a vida como passível de transformação e mudança perpétua. Mesmo Salomão, com a sabedoria de um rei melancólico e angustiado, entende que o homem não é superior aos animais justamente porque ambos estão sujeitos ao mesmo destino: a morte. O maior legado deixado por esse sábio foi entender que tudo é vaidade e que o homem longe de Deus é um ser miserável e vazio.

Viktor Frankl, psicoterapeuta que teorizou profundamente sobre o sentido da vida, comenta que mesmo nos maiores sofrimentos e mesmo sabendo de nossa morte eminente, podemos encontrar uma razão para nossa existência. Através de uma abordagem voltada para os problemas existenciais do homem, como o vazio da falta de sentido, criou a logoterapia, uma técnica e prática psicoterapêutica que busca auxiliar o indivíduo a encontrar um sentido para sua vida, ajudando-o a repensar suas dificuldades e problemas mais inquietantes, para que no fim possa redescobrir um significado que oriente suas ações e condutas.

Na contramão dessa perspectiva, encontramos o gênio de Camus, para quem a vida é desprovida de sentido e finalidade; para este pensador é muito mais importante que aceitemos a vida como ela é, ou seja, completamente sem explicação e absurda, do que procurarmos por um sentido..Como Sízifo condenado a rolar perpetuamente uma pedra no topo de uma montanha, sempre repetindo um ciclo de labutas sucessivas, assim é a vida do homem em sociedade:tragicamente absurda e ilógica.

Confrontando essas duas perspectivas, tão divergentes entre si, percebemos a diversidade de pensamentos discordantes que permeiam a nossa contemporaneidade, cada um lançando um pequeno feixe de luz sobre a angustiante travessia por esse mundo cheio de guerras, sofrimentos, labutas, crises existenciais e desamparos, ainda que sejamos exortados a não se preocupar com absolutamente nada como condição de superarmos as agônicas frustrações da vida.

Desde que o homem começou a fazer interpelações, questionamentos e apelos pela luz da verdade como forma de exercer poder e controle, a tarefa do pensamento não mostra sinais de esgotamento e conclusão. Nesse mundo, com efeito, respostas definitivas nunca serão encontradas pela via da razão humana, assim como as revelações de Deus aos homens serão suficientes para dar respostas absolutas a tudo (pois o objetivo da revelação de Deus é muito mais dar uma orientação ao homem, do que muni-lo de toda ciência e verdade absoluta; é, portanto, muito mais preparar o homem para uma vida de santidade pela via da fé e do amor incondicional, do que adorná-lo de um saber incomensurável acerca de todos os mistérios).

E enquanto vivermos nesse mundo tão repleto de enigmas, seremos cercados de mistérios e incógnitas ao contemplarmos, com temor e tremor, uma bela noite estrelada. Assim, ao vivermos na ignorância e reconhecê-la como uma condição essencial para ficarmos plenos do ser de Deus, nos tornamos humildes, reconhecendo que vivemos no não-saber com a consciência de nossos limites e de nossa dependência por algo maior do que nós. Também quando reconhecemos que somos ávidos pela misericórdia de Deus, ficamos mais próximos de sermos iluminados pela verdade, ainda que não saibamos como defini-la em termos precisos e científicos. Como disse muito bem Karl Jaspers, a nossa consciência está sempre em marcha.

Os mais férteis pensamentos, como também as maiores descobertas, estão impregnadas de admiração, entusiasmo, espanto, angústia e inquietação. Tais sintomas frente ao mistério do universo, propiciaram um relampejo de conhecimentos incomensuráveis para o homem e para as sociedades. A partir de então, milhares de obras teóricas têm sido criadas, obras essas profusamente densas, e repletas de admiração e lirismo!

Frente ao insondável, surgiram inevitavelmente tantas filosofias e manifestações artísticas, visando dar um amparo para o homem assombrosamente angustiado. A partir da queda do primeiro homem, a morte passou a assolar toda a vida no planeta, de tal forma que todos os seres vivos que povoam a terra, em maior ou em menor grau, estão sujeitos a dor e ao sofrimento, condição que propicia insatisfação e necessidades insaciáveis.

E se alguns prazeres podem nos propiciar algum grau de alivio e satisfação momentânea frente aos longos períodos de fastio e de tédio; é o sofrimento que nos revela a nossa vulnerabilidade quanto às terríveis fatalidades do mundo.

Porém nada pode ser mais verdadeiro para o homem do que seguir o caminho que o eleva na condição de vencedor, indo em direção à luz pela via da inocência e da pureza; e não para o caminho que o impele a destruição através de ações imbuídas de ganância e de insensatez Transcendendo aquela condição que nos prende nas mazelas das transgressões, das vaidades e do orgulho, temos a oportunidade de ficarmos consolados e libertos quando bebemos da fonte do amor redentor de Cristo, vencendo não só a morte que infestou nossa existência, como também participando do amor que promana de nosso único redentor.

A maior ilusão que podemos ter na vida é acreditar que uma vida de prazeres, poderá suprir nossas carências e nos proporcionar felicidade, quando na verdade a única coisa que nos salva é viver com sabedoria, tendo consciência ampla do quanto estamos vulneráveis a morte e ao nada, ao mesmo tempo sabendo que podemos (mesmo nos maiores sofrimentos e angústias) ter um consolo através do amor infinito de Deus, um consolo que nos faz ter esperança de que um dia seremos herdeiros legítimos da vida eterna.

Alessandro Nogueira
Enviado por Alessandro Nogueira em 06/11/2016
Reeditado em 08/10/2018
Código do texto: T5814599
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