AS VÁRIAS FACES DO PODER- PARTE1
*Por Antônio F. Bispo
Imagine a seguinte cena: 5 homens, vestidos apenas com lençóis brancos, com suas cabeças cobertas por um saco de papel como de padaria, sem nada aparente que os definam quem são, foram colocados em cima de um palco, numa praça central de uma cidade. Cinco mil pessoas estão reunidas ali. Ninguém sabe quem são aquelas pessoas. Trata-se apenas de uma experiência coletiva para analisar o PODER da imagem sobre o cérebro.
As cinco pessoas do palco são: um agricultor que há mais de cinco décadas , de modo incansável abastece toda a população daquela cidade com alimentos frescos e saudáveis todos os dias; um gari (varredor de rua, agente de limpeza), que como vários outros de sua classe trabalhadora, cuida indiretamente da saúde das pessoas, recolhendo diariamente o lixo que produzimos, evitando que doenças se espalham e tragam caos a nossa cidade; um profissional da companhia elétrica prestes a se aposentar após quase 4 décadas de trabalhos, com mais de 10 mil ligações elétricas em residências, indústria e comercio, arriscando sua vida ao mexer em fios de alta tensão, para que as pessoas tenham conforto em seus lares e a indústria e o comercio funcionem de modo geral produzindo riquezas; o quarto homem, é um cientista, que isolado em um laboratório, longe dos prazeres da vida social, quase que desconhecido de todos, dedicou toda uma vida em pesquisas para isolar uma bactéria que causava morte ou deformação permanente a qualquer pessoa que a contraísse; por último estar ali, um cantor, astro da música pop, que em menos de 2 anos de “trabalho” ganhou mais dinheiro do que as 5 mil pessoas ali reunidas ganharia ao longo de 20 anos em suas profissões. Além de enriquecimento próprio e enriquecimento dos seus empresários, este último, pouco ou quase nada contribuiu para a sociedade além de alguns minutos de distração em seus shows, quando era indelicado com o povo, cuspia ou xingava os fãs.
Os nomes e os ofícios dessas pessoas são ditos a medida em que o sacos de papel são retirados de suas cabeças. Qual dessas cinco pessoas no palco, você acha que causou mais euforia, algazarra, desmaios, convulsões, tumultos e aplausos? Qual dessas cinco pessoas foi reconhecida pelo trabalho prestado a sociedade? Qual dessas cinco pessoas despertou interesse pelo que realmente ela faz? Qual dessas cinco pessoas ficou com todos os créditos e honrarias apesar de sua existência profissional ser praticamente nula ou desprezível para a existência de uma sociedade? Como isso é possível? De onde vem esse poder? O que essa pessoa tem de tão especial?
Esse impacto vem apenas da concepção de poder construída na mente dos outros por meio da imagem, nesse caso, a mídia escrita e audiovisual fez uma projeção da imagem daquele “astro”, e lhe deu um tipo de poder, passageiro, inebriante e momentâneo: o poder da fama, o ouro dos tolos, eu diria. Fisicamente ele pode ser igual ao outros, mas em termos de construção psicológica, nessa pessoa foi projetado a imagem de um deus, e funciona apenas aos que fazem pouco uso da razão e usam mais a emoção.
Agora suponhamos que esse mesmo astro ou maior astro de todos os tempos que já pisou aqui nesse planeta, seja da música, do cinema ou dos esportes, faça uma visita inesperada a uma tribo de povos nômades, sem nenhum contato com a mídia televisiva ou impressa. Que reação esse astro causará nesse tipo de público? Nenhuma! Quantas adolescentes dessa tribo iriam desmaiar ou pedir autógrafos? Nenhuma! Quantas mulheres casadas iriam envergonhar seus maridos gritando em público que morre de tesão por aquele cara e quer dormir com ele? Nenhuma! Quantas pessoas ali naquela tribo se importaria com quantos apartamentos ele tem, quantas atrizes ele já namorou, qual o seu próximo passo na carreira ou qual o seu saldo bancário? Nenhuma! Zero! Nada! Ninguém! Ele não teria poder de influência nenhuma sobre aquelas pessoas, por que não foi feita nenhuma propaganda boa ou ruim a respeito deste. Se nada foi dito, nada foi concebido mentalmente. Este “astro”, brilhante em qualquer lugar do planeta, será uma luz apagada em frente aquele público, se sentiria um lixo, entraria em depressão talvez. Esta pessoa não seria capaz de provocar nenhuma reação química no corpo dos outros que traga euforia, desmaios ou libido sexual a qualquer um daquela tribo. No máximo as pessoas daquela tribo poderiam achar a roupa dele interessante, ou quem sabe ele poderia servir de esterco, após sua carne disputar espaço com as lombrigas no estomago daquele povo, para depois se expelida no dia seguinte, caso estar seja uma tribo de costume antropofágico.
Percebeu? Em uma tribo “civilizada” um cidadão comum vira um semideus pelo poder da propaganda. Em uma tribo “não civilizada” essa mesma pessoa não passa de um petisco a ser comido e expelido pelo reto, e se juntar com excrementos de carne de outros quadrupedes comido por aquele povo. Em uma sociedade “civilizada” até o cuspe ou as fezes desse “astro” valeria uma fortuna, numa tribo de nômades, ele, todos os seus bens, sua fama e seus status para nada servem.
O presidente dos Estado Unidos ou o Papa também são as pessoas mais poderosas desse planeta somente onde suas imagens foram projetadas. Eles passarão desapercebido em algumas regiões do próprio pais, por incrível que pareça. Primeiro vendem uma imagem. A recepção dessa imagem, causa os mais variados efeitos nos mais variados públicos. A imagem de um santo católico, apenas impressa em um pacote de farinha de milho qualquer, causaria mais reverencia e temor a várias pessoas, do que a presença física do maior dos traficantes, ou maior dos generais que ainda não teve sua imagem projetada àquele povo. Eles podem até conservar o poder pelas armas ou pela força, mas a aclamação causada pela propaganda, só funciona onde esta chegou primeiro
Em várias sociedades humanas, mas vale o que disseram a respeito de algo, do que o que realmente faz ou importa aquele algo. Para o bem ou para o mal a fama e o sucesso são poderes que podem ser destruídos ou construídos da noite para um dia. Serão tão sólidos como castelos de areia de uma praia. Com a menor percepção do observador, tal castelo se desmorona.
Vejam outro exemplo que se repete todos os dias:
Um cidadão comum, pai de cinco filhos, desempregado há vários meses, com recursos limitados, após 2 dias sem seus filhos ter o que comer, ele reluta consigo mesmo por centenas de vezes, até que entra num quintal de alguém e pega um galinha para matar e alimentar seus filhos. Quando estar prestes a sair, depara-se com o dono da propriedade, que chama outros vizinhos encurrala o sujeito, e lhe diz vários insultos e palavrões até a chegada da polícia. O sujeito encurralado, ainda de cabeça baixa, nem ainda viu a patente do policial, seu porte físico, suas armas ou suas feições, porém, o simples fato de este ver a cor da farda e a voz do policial é o suficiente para que aquele sujeito venha urinar nas próprias calças. O policial (aproveitador), vendo a situação e a fragilidade do meliante, chama-o de vagabundo, filho da P., mau caráter, passa-lhe uma rasteira, enche-lhe de sopapos, abre a mala do camburão, empurra-o para dentro como se fosse um cão fedido, e é aplaudido pela vizinhança como se fosse um herói, apesar de ter pego um “bandido” já rendido. Foi o primeiro roubo daquele sujeito e provavelmente será último. A vergonha é seu pior carrasco. Ainda que não sejam justificáveis os motivos que levou ele a fazer tal coisa é compreensível por uma mente sã.
Em outro caso nada semelhante, um político corrupto estar no poder há alguns anos, teve seu patrimônio aumentado em 1 milhão de vezes, considerando que ele precisaria de pelo menos 100 mil anos de carreira para chegar onde chegou considerando o valor do seu salário. Todos sabem de sua história, suas manobras e a procedência do seu dinheiro. Em um belo dia esse político recebe ordem de prisão. Um carro de luxo ou um avião pago com o dinheiro do povo vai pegar esse político em casa. Com todos os mimos, os policiais que o conduzirão, serão finos, delicados e gentis com ele. Agora a abordagem policial muda: “seu doutor, queira me acompanhar por favor” ou “vossa excelência poderia ir comigo por gentileza até o local indicado pelo meu superior”? Não houve toque no meliante, uma palavra agressiva ou sequer uma cara feia contra o mesmo. O que roubou uma galinha por necessidade foi tratado de um jeito. O que roubou milhões e desviou bilhões por pura vaidade é tratado de outro jeito. Por que isso acontece? Não há uma leis escritas dizendo que todos os cidadãos são iguais perante a lei? Não estar escrito em nossa constituição que apropriação indébita de bens alheio é considerado crime em qualquer escala ou classe social? Nesse caso a questão não estar na lei, e sim na aceitação coletiva da lei. Magistrados dizem: “todos os homens são iguais perante a lei”, mas não prática há homens diferentes para a lei. Clérigos e líderes religiosos dizem: “todos os homens são iguais perante Deus”, mas na prática eles se acham superiores a quaisquer homens pois dizem que pastores e sacerdotes ou líderes religiosos somente são julgados por Deus. Tudo isso acontece, pela forma como nossa mente foi moldada a aceitar os fatos desde muito cedo e não pelo fato em si. Um fato é apenas o fato. A interpretação que damos ao fato é que muda as coisas. Essa interpretação depende de como fomos instruídos a ver os fatos. Nesses dois exemplos acima, fomos domesticados a aceitar que quem rouba pouco merece ser maltratado, mas quem rouba muito merece respeito, carisma, atenção e temor. Mero ponto de vista. A impunidade é o divisor de aguas entre avançar ou retroceder nas ações ilegais ou imorais. A repetição constante dos fatos, também fazem com que coisas importantes se tornem banais e as banais e imorais sejam buscadas como se fosse algo precioso.
Em sociedades, onde as autoridades são os primeiros a darem exemplos de moral e justiça ou ondem sejam exemplos de que também serão os primeiros a serem punidos quando errarem, deixará implícito na consciência coletiva que o crime não compensa. A maioria das pessoas irão desistir mesmo antes de tentar agir de modo desonesto se virem “poderosos” sendo punidos por seus atos. Em países como os nossos, que sofre uma crise moral a partir de cima, muita gente perde dias e horas maquinando sobre a melhor forma de levar proveito sobre outros e ainda ser considerado “o cara”. Nesse caso, o poder da não ação mediante a impunidade, gera uma cadeia de novas ações, que aprisionam muitos, semelhante a um carma coletivo. Se torna um pouco mais difícil se libertar contra esse comportamento, pois “burro” é quem deseja ser honesto numa comunidade de desonestos. Um poder oculto, subentendido age nesses casos nas pessoas que operam nesse nível, onde o errado é certo e o certo é errado.
Não há Deus ou diabo nessas questões, apenas falta do uso da razão. Apenas aceitação coletiva. Tudo mudo quando a perspectiva muda. Perspectiva aliada a força de vontade traz novos rumos a qualquer povo. Questionar a si próprio sobre as ações coletivas será ver a luz no fim do poço. Entender que numa sociedade organizada, ninguém deve ser endeusado por ser rico ou “autoridade”, nem desprezado por ser pobre ou iletrado será a escada que aponta a essa luz. Ter coragem para abandonar velhos padrões de comportamento será a força que moverá nossos pés a galgar cada degrau dessa escada até alcançamos a luz.
Escrito em 29/10/16 CONTINUA....
*BACHAREL EM TEOLOGIA, ESTUDANTE DE RELIGIAO E FILOSOFIA