A ironia de "O bebê de Rosemary"
O ano de 1966 seria o ano um para os adoradores do Diabo. Bem, pelo menos para os adoradores do Diabo do best-seller de Ira Levin, O Bebê de Rosemary.
Não pretendo nesse espaço fazer uma resenha do livro, mas, apenas, destacar uma ironia. Ironia que eu mesmo identifiquei, ou seja, ironia interpretada por mim e não pelo autor.
Bem, a parte da ironia segue abaixo:
Diz que a morte de Deus é um fato histórico, acontecido agora, bem em nossa era. Que Deus está literalmente morto.
- Oba! Está começando a nevar.
A ideia da "morte de Deus" permeia todo o livro e é justamente nessa ideia que reside a ironia da obra. As partes em destaque acima são falas de amigos de Rosemary durante uma reunião em sua casa. Falas de pessoas normais, de meia-idade dos anos 60. Esse tema estava em voga nos anos 60 entre os círculos intelectuais e artísticos. A guerra do Vietnã e o assassinato de Kennedy colaboravam com essa ideia, esse sentimento. Pelo menos no Ocidente.
Entretanto, a obra nos fala de um outro círculo, a saber: os adoradores do Diabo. O Diabo para esse grupo não era uma figura de linguagem, um mito babilônio que posteriormente foi inserido na cultura judaica; mas um ser real, um ente a ser adorado pelos seus fiéis.
Conforme escrevi acima, não farei uma resenha do livro, mas me limitarei a esse tema específico.
A "morte de Deus" é dita com referência em Nietzsche e Freud. E essa morte é um fato porque acontece na História. É um movimento filosófico. É uma necessidade para libertar o homem e poder desempenhar seus talentos sem temer um Deus que pune e premia a seu bel-prazer. Nietzsche propõe uma nova moral e repudia a moral cristã que oprime os bons, os fortes; na fraseologia de Nietzsche: o super-homem.
Rosemary é católica praticante. Guy, seu marido, é protestante. Ambos são cristãos e terão contato com o antagonista de Deus. Guy deseja sucesso e os adoradores do Diabo precisam de uma mulher que gere o filho de Satã. Satã possui Rosemary e essa terá um filho de deus. Levin parece revelar que Satã deseja copiar Deus.
"Deus está morto", eis a afirmação corrente dos anos 60. Nos mesmos anos, o Diabo está vivo. E tem uma estratégia de dominação. Parece que Levin apresenta o Diabo e seus fiéis como oportunistas de um tempo, de uma mentalidade dominante: "Deus está morto". Os crentes em Deus são considerados tolos, ignorantes. E o Diabo se aproveita bem disso. Seus fiéis sempre têm uma palavra de libertação para a humanidade, mas que é pura ilusão. O discurso de liberdade de Satã é disfarce para opressão, perdição, danação.
O leitor da obra sabe a verdade, ou seja, Deus existe e o Diabo existe. O leitor contempla a trama de lugar privilegiado, ele vê o todo. O leitor ri incomodado das certezas intelectuais de uma época. É como se quisesse entrar no livro, na hora da reunião na casa de Rosemary e Guy e poder dizer que estão sendo usados por Satã e seus seguidores. O leitor sabe que Nietzsche está equivocado a respeito da existência de Deus.
Por que os seguidores de Satã continuam o servindo, já que têm condições de saber da existência de Deus? Porque só quem sabe a verdade são os leitores, o autor, o Diabo e Deus. Os próprios seguidores de Satã são consumidos pela mentalidade da época: "Deus está morto". Para os adoradores do Diabo, Deus nunca existiu e assumem o discurso do Zarathustra de Nietzsche, mas, diferente do filósofo, encontraram um ser poderoso que realiza sua vontade e a vontade deles.
Levin apresenta uma geração toda obscurecida pela mentira: "Deus está morto". Rosemary abandona sua fé e torna-se agnóstica, assim como Guy. Algumas vezes que Rosemary remete a algum rito católico é somente por hábito, mas não passa de um ato vazio sem sentido religioso ou de fé. Guy abandona definitivamente a fé reformada e se rende ao seu novo deus que lhe proporciona a realização de seus sonhos como ator. Posteriormente, será a vez de Rosemary, pois o desejo de ser mãe é maior que sua lucidez.
Para ser sincero, Deus é ignorado na obra de Levin. Se Deus existe, Ele é indiferente às mazelas da humanidade. O Diabo não. O Diabo se aproxima dos que desejam, dos que têm sonhos. E vendo seus sonhos serem realizados, para que Deus? Talvez, no incômodo da irmã de Rosemary possa residir um pouco de Deus na obra e mais nada.
Uma fala que me chamou a atenção para essa ironia foi justamente a segunda parte em destaque, dita por um amigo de Rosemary: - Oba! Está começando a nevar. Essa fala está tão distante da trama, da tensão, do problema central da obra que me levou a uma outra realidade. Rosemary está grávida de Satã e com muitas dores, Guy fez um pacto com o Diabo e seus fiéis, Rosemary é vigiada 24h pelo casal que comanda as reuniões diabólicas, o seu médico faz parte da seita demoníaca, mas a neve cai. Em meio a tanto obscurantismo, a neve cai e é motivo de alegria. A neve proporciona um momento mágico àqueles jovens adultos embriagados por uma mentalidade dominante. A neve é a maior aparição divina da obra. Ela domina toda a cidade de Nova Iorque. Ela traz um recado, a terra está em chamas, mas eu posso esfriá-la um pouco. Eu posso trazer um momento de refrigério e retirar-lhes do transe que se encontram e vocês podem meditar um pouco livremente, sem a influência do mal. - Oba! Está começando a nevar. A neve era a última chance de Rosemary, Guy e seus amigos. A última chance para que olhassem para cima e vissem que as coisas não são tão complexas como tentam fazer os intelectuais da "morte de Deus" e os oportunistas seguidores de Satã.
A neve é o start da ironia.
O ano de 1966 seria o ano um para os adoradores do Diabo. Bem, pelo menos para os adoradores do Diabo do best-seller de Ira Levin, O Bebê de Rosemary.
Não pretendo nesse espaço fazer uma resenha do livro, mas, apenas, destacar uma ironia. Ironia que eu mesmo identifiquei, ou seja, ironia interpretada por mim e não pelo autor.
Bem, a parte da ironia segue abaixo:
Diz que a morte de Deus é um fato histórico, acontecido agora, bem em nossa era. Que Deus está literalmente morto.
- Oba! Está começando a nevar.
A ideia da "morte de Deus" permeia todo o livro e é justamente nessa ideia que reside a ironia da obra. As partes em destaque acima são falas de amigos de Rosemary durante uma reunião em sua casa. Falas de pessoas normais, de meia-idade dos anos 60. Esse tema estava em voga nos anos 60 entre os círculos intelectuais e artísticos. A guerra do Vietnã e o assassinato de Kennedy colaboravam com essa ideia, esse sentimento. Pelo menos no Ocidente.
Entretanto, a obra nos fala de um outro círculo, a saber: os adoradores do Diabo. O Diabo para esse grupo não era uma figura de linguagem, um mito babilônio que posteriormente foi inserido na cultura judaica; mas um ser real, um ente a ser adorado pelos seus fiéis.
Conforme escrevi acima, não farei uma resenha do livro, mas me limitarei a esse tema específico.
A "morte de Deus" é dita com referência em Nietzsche e Freud. E essa morte é um fato porque acontece na História. É um movimento filosófico. É uma necessidade para libertar o homem e poder desempenhar seus talentos sem temer um Deus que pune e premia a seu bel-prazer. Nietzsche propõe uma nova moral e repudia a moral cristã que oprime os bons, os fortes; na fraseologia de Nietzsche: o super-homem.
Rosemary é católica praticante. Guy, seu marido, é protestante. Ambos são cristãos e terão contato com o antagonista de Deus. Guy deseja sucesso e os adoradores do Diabo precisam de uma mulher que gere o filho de Satã. Satã possui Rosemary e essa terá um filho de deus. Levin parece revelar que Satã deseja copiar Deus.
"Deus está morto", eis a afirmação corrente dos anos 60. Nos mesmos anos, o Diabo está vivo. E tem uma estratégia de dominação. Parece que Levin apresenta o Diabo e seus fiéis como oportunistas de um tempo, de uma mentalidade dominante: "Deus está morto". Os crentes em Deus são considerados tolos, ignorantes. E o Diabo se aproveita bem disso. Seus fiéis sempre têm uma palavra de libertação para a humanidade, mas que é pura ilusão. O discurso de liberdade de Satã é disfarce para opressão, perdição, danação.
O leitor da obra sabe a verdade, ou seja, Deus existe e o Diabo existe. O leitor contempla a trama de lugar privilegiado, ele vê o todo. O leitor ri incomodado das certezas intelectuais de uma época. É como se quisesse entrar no livro, na hora da reunião na casa de Rosemary e Guy e poder dizer que estão sendo usados por Satã e seus seguidores. O leitor sabe que Nietzsche está equivocado a respeito da existência de Deus.
Por que os seguidores de Satã continuam o servindo, já que têm condições de saber da existência de Deus? Porque só quem sabe a verdade são os leitores, o autor, o Diabo e Deus. Os próprios seguidores de Satã são consumidos pela mentalidade da época: "Deus está morto". Para os adoradores do Diabo, Deus nunca existiu e assumem o discurso do Zarathustra de Nietzsche, mas, diferente do filósofo, encontraram um ser poderoso que realiza sua vontade e a vontade deles.
Levin apresenta uma geração toda obscurecida pela mentira: "Deus está morto". Rosemary abandona sua fé e torna-se agnóstica, assim como Guy. Algumas vezes que Rosemary remete a algum rito católico é somente por hábito, mas não passa de um ato vazio sem sentido religioso ou de fé. Guy abandona definitivamente a fé reformada e se rende ao seu novo deus que lhe proporciona a realização de seus sonhos como ator. Posteriormente, será a vez de Rosemary, pois o desejo de ser mãe é maior que sua lucidez.
Para ser sincero, Deus é ignorado na obra de Levin. Se Deus existe, Ele é indiferente às mazelas da humanidade. O Diabo não. O Diabo se aproxima dos que desejam, dos que têm sonhos. E vendo seus sonhos serem realizados, para que Deus? Talvez, no incômodo da irmã de Rosemary possa residir um pouco de Deus na obra e mais nada.
Uma fala que me chamou a atenção para essa ironia foi justamente a segunda parte em destaque, dita por um amigo de Rosemary: - Oba! Está começando a nevar. Essa fala está tão distante da trama, da tensão, do problema central da obra que me levou a uma outra realidade. Rosemary está grávida de Satã e com muitas dores, Guy fez um pacto com o Diabo e seus fiéis, Rosemary é vigiada 24h pelo casal que comanda as reuniões diabólicas, o seu médico faz parte da seita demoníaca, mas a neve cai. Em meio a tanto obscurantismo, a neve cai e é motivo de alegria. A neve proporciona um momento mágico àqueles jovens adultos embriagados por uma mentalidade dominante. A neve é a maior aparição divina da obra. Ela domina toda a cidade de Nova Iorque. Ela traz um recado, a terra está em chamas, mas eu posso esfriá-la um pouco. Eu posso trazer um momento de refrigério e retirar-lhes do transe que se encontram e vocês podem meditar um pouco livremente, sem a influência do mal. - Oba! Está começando a nevar. A neve era a última chance de Rosemary, Guy e seus amigos. A última chance para que olhassem para cima e vissem que as coisas não são tão complexas como tentam fazer os intelectuais da "morte de Deus" e os oportunistas seguidores de Satã.
A neve é o start da ironia.