Um Breve Mergulho na História das Viagens

Viajar... Viajar!

Ato tão antigo quanto respirar, acompanha o curioso intelecto humano na árdua tarefa de desbravar ambientes inóspitos até habitar e conhecer todas as regiões do planeta. A história humana está repleta de aventuras proporcionadas por longos movimentos migratórios em busca de melhores condições de adaptação, manutenção e perpetuação de sua espécie. As experiências oriundas desta mobilidade alteraram o comportamento físico e psíquico da comunidade homo sapiens e sua relação com o meio físico natural. A interpretação do mundo, apreendida por sucessivas observações do meio ambiente, resultou numa bagagem cognitiva indispensável. Surge com a constante movimentação das populações autóctones o conhecimento empírico necessário para produção da cultura material, organização social e suas elaborações místico-religiosas. Deste modo, é impossível pensar no desenvolvimento tecnológico e intelectual da humanidade sem sua sensibilidade para explorar novos ambientes.

No domínio religioso, podemos citar as representações simbólicas das peregrinações de Moisés, Buda, Jesus e Maomé, lideranças espirituais que em algum momento de suas vidas empreenderam jornadas metafísicas que lhes renderam ensinamentos fundamentais. As mensagens imbricadas nas jornadas completam a saga destes heróis, ora como desafios e castigos, outrora como júbilo e glórias. De qualquer modo, viajar desencadeia uma enxurrada de emoções nas pessoas no plano físico e espiritual. No mundo antigo, o advento da moeda pelos sumérios (Babilônia) e o desenvolvimento das transações comerciais pelos povos mesopotâmicos, por volta do ano 4.000 a.c proporcionaram uma dinâmica entre as vias, os meios de transportes e as acomodações, criando as condições necessárias para a expansão das viagens. Por sua vez, as classes privilegiadas egípcias gozavam dos primeiros cruzeiros fluviais do mundo. Em matéria de navegação e comércio, os fenícios se destacariam na antiguidade pela amplitude de suas rotas marítimas. Por sua vez, os gregos mantinham enorme assiduidade em relação ao seu calendário de eventos religiosos e esportivos. Os jogos olímpicos surgiram em homenagem ao deus Zeus na cidade de Olímpia e aconteciam de quatros em quatro anos. Para este evento era necessário uma infraestrutura adequada com vias terrestres e hospedarias para atender os anseios das classes dominantes.

No império romano (entre o século II a.c e o ano 476 d.c), a ampliação da rede de estradas e hospedarias ao longo das vias tornou as viagens, relativamente, mais seguras e dinâmicas. Inclusive, os romanos foram pioneiros em utilizar as viagens para o lazer e para a cultura. Esta visão do uso intencional do ócio desenvolveu zonas balneárias de cunho medicinal e instalações públicas de lazer. Com a derrocada do império romano, as viagens de lazer deram lugar as peregrinações religiosas e as estradas sem manutenção, foram deteriorando-se durante o período medieval.

As cruzadas e as peregrinações estavam engendradas nos mecanismos de controle social impostas pelo clero e pela nobreza. A sociedade feudal - distribuída em nobres, clérigos, guerreiros e campesinato - exercia profunda exploração do modo de produção servil para legitimar as relações sociais de poder. O obscurantismo desta interpretação negativa do mundo material e os precários índices de expectativa de vida associada a epidemias e guerras, impulsionaram sobremaneira as peregrinações. Tinham como destino Jerusalém, Roma, Santiago de Compostela, Meca, o Extremo Oriente, Canterbury entre outros templos e locais sagrados. Tudo se explicava pela teologia, em que as peregrinações expiavam os pecados dos peregrinos e as cruzadas eram as guerras santas que lavavam as almas dos cruzados. No furor da Renascença e dos questionamentos da Reforma Protestante a ruptura com os limitados horizontes feudais, os protagonistas foram as viagens transoceânicas. A partir de meados do século XV e no decorrer do século XVI, as grandes navegações foram o resultado da política mercantilista europeia de implantação de colônias de exploração no Novo Mundo. Tais empreendimentos visavam o acúmulo de riquezas para as potências europeias, - encabeçadas por Espanha, Portugal, França, Holanda e Inglaterra - na aquisição de ouro, prata, pedras preciosas, escravos, madeira e outros congêneres.

Todas as viagens têm um objetivo evidente e estão submetidas ao modo econômico de produção e ao nível tecnológico de sua época. Estas viagens preliminares, não caracterizam a atividade turística em si. Movimentos migratórios ou deslocamento de contingentes humanos e viagens não compreendem o conceito de turismo. A diferença entre o conceito de viagem e turismo é que a primeira sugere o deslocamento, o ir e vir, a partida e o retorno; enquanto a segunda, implica uma atividade econômica e social extremamente complexa, tornando-se evidente a partir da Revolução Industrial (séc. XVIII e XIX) até seu desenvolvimento durante o século XX. O turismo é fruto das relações comerciais capitalistas e do tempo livre remunerado (férias). Esta distinção é fundamental para a compreensão da história do turismo e nos permite refletir sobre as consequências e os impactos dessa atividade nas consagradas cidades turísticas da atualidade.

Publicado no Jornal A Folha/Torres e Jornal Litoral Norte/RS.

Leonardo Gedeon
Enviado por Leonardo Gedeon em 20/10/2016
Reeditado em 20/10/2016
Código do texto: T5797869
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