A Metáfora do Corpo II: Beleza se põe à mesa
Presenciamos, cada vez mais, a adoração em massa do corpo. O que está em voga, principalmente depois do estouro da aeróbica nos EUA na década de 80, é o corpo jovem, atlético, moldado segundo a vontade e as modas das academias, deixando salientes ossos e músculos.
Em nossa sociedade de consumo, a fonte vital de todas as energias é o corpo. Para se ter saúde, é preciso ter um corpo saudável; e, para tanto, é necessário obedecer a inúmeras regras, leis de medida, peso e volume.
Nossa estética, nossa moda, nossos costumes, nossas emoções, praticamente tudo hoje está voltado ao corpo - sobretudo se ele é jovem e belo. A todo momento, somos bombardeados com mensagens liminares e subliminares que nos pedem que vendamos nossas idéias em troca de nossos corpos, como se nossa salvação dependesse da boa forma e da boa aparência.
A Publicidade vende-lhe milhares de produtos e serviços. A Psicologia ensina-lhe como se comportar, como se moldar ao social. A Religião dita-lhe as regras de conduta para com Deus e o homem, tolhendo-lhe os movimentos e os instintos. E a Arquitetura encarrega-se de dar-lhe o melhor abrigo, ou o melhor encouraçamento.
De um lado, vemos florescer um sem número de academias de ginástica, templos onde se pode cultuar o corpo até o fanatismo. Por outro lado, o erotismo invade as casas, denunciando que o objeto de culto, modelado ao gosto das massas, entrega-se à exploração de seus fiéis, mas está mais que nunca sem identidade.
De signo do pecado a instrumento de liberdade.
Corpos nus, de homens e mulheres, dançam às claras na frente de todos como se os tabus já estivessem quebrados. Na verdade, os velhos tabus continuam inteiros e bem vivos, estando apenas explícitos, curtindo a embriaguez da hipocrisia iconoclasta das instituições corrompidas.
De instrumento-signo do pecado, suscetível às manifestações do mal e do demônio (como nos tem feito crer a Igreja Cristã desde bem antes da Idade Média até os dias atuais), vemos agora o corpo humano tornar-se objeto-instrumento de revolução, símbolo de ideais de potência, competência e perfeição.
Foi sobre o corpo que pesaram os maiores tabus dos últimos séculos. E, paradoxalmente, é dele que nasce a esperança contemporânea de liberdade, criatividade e espontaneidade.
Nossa cultura do corpo transformou-se num verdadeiro culto à forma e à estrutura. Vivemos a ditadura do corpo. Preso das instituições, escondido atrás dos papéis sociais, o corpo está menos para consumir que ser consumido. Ele não é um meio, é um fim. Não importa quem ele representa, mas o que representa.
O corpo a serviço do mito do Guerreiro
Como um retorno aos antigos ideais gregos de vigor e formosura, buscamos hoje, através da figura do atleta olímpico, personificar o mito do Guerreiro. Pois a força do guerreiro olímpico encontra-se justamente no corpo, e nele (e a partir dele) deve se expressar.
Segundo esses ideais olímpicos, ao atleta não devem faltar força física, resistência, vontade de competir e quebrar recordes. Do guerreiro, exigem-se a potência e a virilidade típicas do macho, o ímpeto de quebrar barreiras e de estar sempre pronto para a luta. Para o guerreiro, seu escudo é a sua própria coragem. Já para o atleta, a grande "arma" é a técnica aplicada em serviço do homem saudável.
No entanto, cada vez que nos rendemos à tentação de sublimar nossos desejos e necessidades através do cuidado com o corpo, estamos renegando nossa condição de cidadãos autônomos. Passamos a ser soldados camuflados, máquinas combatentes a serviço dos ditames da saúde.
E o pior: soldados de muitos músculos e pouco cérebro, "Rambos" manipulados pelo poder dominante. É este um dos lados negativos do arquétipo do Guerreiro, que sobrepõe a força do físico à força do espírito.
Quanto mais louvamos a imagem fisicultural perfeita, mais nos entregamos aos caprichos do efemêro, tentando torná-lo eterno. Afinal, quem muito se preocupa com a beleza física, pouco tempo tem para cuidar do intelecto.
A sociedade atual parece sonhar de olhos abertos com a imortalidade do corpo, com as "bençãos" da juventude eterna. Mas será que estamos mesmo preparados para a imortalidade?
[2ª parte do ensaio originalmente publicado em jan/2000 na revista eletrônica interNeWWWs - www.internewwws.atspace.com ]