Etimologia da Língua Portuguesa Nº 51

Etimologia da Língua Portuguesa por Deonísio da Silva Nº51

Agosto,segundo o bordão popular,é mês de desgosto,palavra formada de gosto, do latim gustu,antecedido de "des",indicador de negação.Perdiz,por sua vez,ave cuja carne é considerada iguaria desde os tempos remotos,veio do latim perdix.

Cortesã: do italiano cortigiana,vocábulo surgido no século XVI, na Itália,para designar mulheres livres que frequêntavam as cortes e se entregavam a senhores endinheirados ou poderosos que ali viviam ou por ali passavam. Foram antecedidas no mister ainda na Grécia antiga,onde,mais refinadas intelectualmente,eram denominadas hetairas,cuja forma o português adotou,mas deu preferência a heteras. Às vezes,precedendo o costume das atuais garotas de programa,fixavam o custo de uma noite de prazer em valores considerados bastante elevados,como fez a cortesã Laíde quando cantou o filósofo Demóstenes (384-322 a.C.0. Ele recusou,naturalmente em grego,ponde-se como vendedor e não como comprador:"Uk anúmai mírion metaméleian" (Não vendo por preço tão alto o arrependimento). As garotas de programa dividiram a noite e o dia em horas e otimizaram a comercialização do corpo, fixando os preços de acordo com a modalidade do serviço,o tempo e o local em que atendem. Às vezes a prostituição pode estar disfarçada,não mais em palácios, mas em casas de massagem. E essas massagistas especiais,que maculam a profissão das verdadeiras massagistas,substituíram as cortesãs,diversificando os seus rendimentos,ainda que mantendo o eufemismo de não dar ao ofício o nome que sempre teve como a profissão mais antiga do mundo.

Desgosto: de agosto,do latim gustu, antecidido de "des",indicados de negação. É a marca de agosto,sintetizado no bordão popular "agosto, mês de desgosto". No Brasil,há razões para que agosto seja visto como anunciador de desgraças,algumas já consolidadas,ainda que tenhamos recebido tal herança da colonização portuguesa e de outras influências européias. O fato que mais deve ter marcado este mês como agourento remonta à Batalha de Alcácer Quibir,na África,onde sumiu o rei dom Sebastião (1554-1558),levando Portugal,por não deixar herdeiros à Coroa,a passar ao domínio espanhol.Em agosto de 1955,o humorista gaúcho Aparício Torelly (1895-1971),o Barão de Itararé,registrou em seu almanaque : "Este mês,em dia que não conseguimos confirmar,no ano 453 a.C.,verificou-se terrível encontro entre os aguerridos exércitos da Boécia e de Creta. Segundo as crônicas,venceram os cretinos,que até agora se encontram no governo." Em 23 de agosto de 1572, em Paris,deu-se a chacina conhecida como Noite de São Bartlomeu,quando os católicos assassinaram milhares de protestantes. Os presidentes Getúlio Vargas (1883-1954) e Juscelino Kubitschek (1902-1976) morreram tragicamente em agosto.O primeiro,por suicídio,com um tiro no peito,dia 24 de agosto de 1954;o segundo, em desastre de automóvel,dia 23 de agosto de 1976,em Resende (RJ).

Gramática: do grego grammatiké,pelo latim grammatica,arte de ler e escrever.Há histórias e lendas dando conta de passagens em que alguns homens,por mais poderosos que fossem, estavam obrigados às leis da gramática.Num deles, Suetônio (69-125) conta que o imperador Tibério (42 a.C.-37 d.C.) utilizou num discurso certa palavra que não era latina. Ao que um de seus áulicos, mesmo reconhecendo o erro, admitiu que dali por diante a palavra integraria a língua. Mas um gramático presente,Marcos Pompônio Marcelo,purista radical,opôs-se nesses termos: “Tu enim Caesa civitatem dare potes hominibus,sede verbo nom potes” (“Pois tu, César,podes dar cidadania aos homens,mas a palavra não podes”). Outro incidente teria ocorrido com Sigismundo I (1467-1548),o rei da Polônia,que,no Concílio de Constança, advertiu os bispos de que determinado cisma deveria ser erradicado:”Date opera ut ulla nefanda schisma eradicetur” (“Fazei de tudo para que aquele cisma abominável seja extirpado”).Um cardeal,que representava o papa,estava sentado ao lado do soberano e teria dito baixinho:”Domine,schisma est generis neutrus” (“Senhor,cisma é do gênero neutro”) Não feminino,como tinha dito o soberano.E o poderoso teria respondido:”Ego sum Rex Romanus et super grammaticam” (“Eu sou o Rei Romano e estou acima da gramática”).

Perdiz: do latim perdix. Luís de Camões (1524 – 1580),numa hora de tristeza, nele muito usual,fez conhecido poema em que aparece perdigão,o macho da perdiz: “Perdigão que o pensamento/Subiu a um alto lugar/,Perde a pena do voar/,Ganha a pena do tormento./Não tem no ar nem no vento/Asas com que se sustenha:/ Não há mal que lhe não venha.” A fêmea aparece em expressão usada pelo imperador alemão Henrique IV (1050 – 1106),em insólito diálogo que travou com seu confessor.O padre censurava o monarca pela pertinaz infidelidade conjugal. O soberano fez servir às refeições,por dias seguidos,sempre perdizes.O sacerdote,já enfastiado,reclamou: “Sempre perdiz!” E o rei teria dito:”Sempre a rainha!” E teria havido mútua compreensão entre os dois homens. É provável que o brocardo já existisse antes do alegado episódio.

Deonísio da Silva,doutor em Letras pela Universidade de São Paulo e escritor, é autor de Os Guerreiros do Campo e A Vida Íntima das Palavras (Siciliano),entre outros 27 livros. E-mail:deonisio@terra.com.br

Revista Caras

2002

Doutor Deonísio da Silva
Enviado por zelia prímola em 07/10/2016
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