A PRESIDENTE OU A PRESIDENTA?

TADEU BAHIA - Autor

“Machado de Assis (1839-1908) escreveu em "Quincas Borba":

"À mesa fê-lo sentar ao pé de si, tendo do outro lado a presidente da comissão."

(JOSUÉ MACHADO – em “A INVASÃO DAS MULHERES”)

“Vamos nos divertir” (ALDO TRIPODI – no Facebook, em Março de 2011)

Dedico este trabalho à VERA LOPES, ao ALDO TRIPODI (in memoriam) e ao ALMANDRADE.

Impossível estabelecer, nos dias de hoje, a designação correta de um vocábulo na nossa língua pátria. Com o advento da liberação dos costumes advindo nos idos dos anos 1970, o que era proibido tornou-se permissivo e vice-versa. A vanguarda, a revolução cultural, a contra cultura, os movimentos concretista, hippie e underground, este último, o movimento underground, nada mais é do que a “liberação” das manifestações criadoras nos campos da música, das artes plásticas, do cinema, da própria literatura em si, ou ainda de quaisquer formas de manifestações artísticas desde que inseridas na cultura urbana contemporânea.

Sempre acompanhei os movimentos da MPB através dos inesquecíveis “Festivais da Canção”, no início da década de 1960, particularmente em 1963, quando os jovens daquela época notável cunharam novas expressões artísticas maravilhosas, nas articulações de novos vocábulos/palavras que se transformaram em notável artefato poético, muitas vezes político, o qual, saindo do “subterrâneo” (underground), tornaram-se conhecidas, ou seja, tornaram-se expressões populares, corriqueiras e logo de imediato caíram no bom gosto do público. Que bom escrever este artigo e recordar do Edu Lobo, João Gilberto, Tom Zé e do Chico Buarque de Holanda!

A magia intuitiva daqueles apóstolos e poetas da bossa nova, da contra cultura, da tropicália, bem como do próprio Cinema Novo, fez nascer no nosso léxico uma nova linguagem simbólica, significada em palavras bonitas, em novos signos mais articuláveis e leves quando pronunciados, dando uma melhor compreensão fonética da vida e do mundo, em vocábulos naquele momento ditos “subversivos”, posto que “diferentes”, não usuais na nossa conhecida e antiquada gramática, a qual, apegada no classicismo castrador do velho vernáculo não aceitava com bons olhos as inovações impostas pelos novos escritores e poetas, cineastas e pintores, músicos e compositores que a partir daquele momento forjavam vocábulos novos na imensidão mágica da nossa arte, da nossa língua.

Todavia, a par da manifestação consciente e inexorável dos nossos compositores, artistas plásticos, cineastas, escritores e poetas, havia ainda aquela massa enorme da população iletrada, inculta e agreste, formada por habitantes da imensa zona rural que ainda povoa os recônditos do nosso país e quem não têm até hoje a oportunidade de terem um ensino básico completo, que dirá os bancos de uma universidade. São habitantes dos imensos latifúndios, não só geográficos, mas também culturais, de que ainda é formado o nosso Brasil e que não tiveram acesso à cultura não por sua culpa, mas por culpa dos regimes políticos daqueles tempos idos, acrescidos recentemente pelo período militar 1964-1985, quando o brasileiro foi proibido de estudar, de pensar, ou seja: foi “proibido de ser gente”!

A razão sempre assiste ao magnífico compositor Tom Zé, quando abre a sua boca iluminada e maravilhosa e grita aos quatro cantos: “O Brasil é um país de analfabetos”! E quando contra o iluminado poeta surgem ou ressoam palavras ásperas de confronto, a todos o cantador medieval de Irará responde de pronto: “Vão tomar no fiofó!”

A única pessoa de quem me recorda que o Tom Zé mandou “tomar no cu” foi o compositor Caetano Veloso, quando este último vociferou há pouco tempo atrás de que o Tom Zé não entendia nada de bossa-nova... Acredito que o Caetano se enganou.

Lembro-me do escritor João Carlos Teixeira Gomes ao relatar no seu livro “Glauber Rocha Esse Vulcão” que quando aquele cineasta do Cinema Novo buscava as primeiras inspirações do seu fazer cinéfilo, embrenhava-se nas catingas, por dentro dos matos e sertões, na busca incessante do saber iletrado dos nossos catingueiros, sertanejos e tabaréus, com o fito de extrair-lhes a mais pura e lírica poesia através da sua fala “diferente”, desengonçada, desconhecida, ao mesmo tempo onírica e bela!

Esta é a verdadeira linguagem do povo brasileiro, segundo o Glauber Rocha, que vem demonstrada nos seus exercícios cinematográficos e conhecida pelo mundo afora, na busca da valorização ancestral e cultural de um povo através a sua linguagem identificada por gestos, falas e manifestações culturais caracterizadas por expressões minimalistas e primárias, mas nunca grotescas, porque mágicas e iluminadas pela simplicidade e saber de um povo.

Com a apresentação desses antigos conceitos, ora travestidos como “novos”, uma vez que até então eram desconhecidos do grande público, formou-se o “Mainstream Tupiniquim”, ou seja, aquela cultura “subterrânea” (underground) que se tornou conhecida da maioria da população através da nova significação fonética tanto no campo das artes plásticas, da linguagem cinematográfica, da nova Música Popular Brasileira e da própria literatura em si que se viu acrescida de reutilização de antigos fonemas/signos que se tornaram correntes no expressar cotidiano do público em geral, ou seja, como queria o Glauber Rocha e outros da sua época, as palavras desconhecidas e chulas tornaram-se expressões da moda, portanto de agora em diante “corriqueiras” no falar do homem brasileiro.

Hoje quer se tornar usual a palavra “presidenta”, em relação à senhora presidente Dilma Rousseff. Sinceramente, para mim, um soco no estômago, uma heresia aos meus ouvidos, pois, quase aos sessenta anos de idade bem lidos (talvez fumados, mas nunca cheirados!) e bem vividos, lendo poemas do Hélio Simões, Mabel Velloso e Gregório de Matos, artigos e livros do Thales de Azevedo, dos poemas gráficos e construções/estruturas neoconcretistas do Almandrade, das crônicas históricas e biográficas das mestras Consuelo Pondé de Sena e Hildegardes Viana, dos versos psicóticos e histéricos do poeta Paulo Garcez de Sena, ainda deliciando-me com as leituras do Luís Viana Filho, do Caetano Veloso nas páginas dominicais de “O Globo” e “A Tarde”, dos artigos cinéfilos do querido amigo André Setaro, dos artigos picantes e inteligentes do Aldo Tripodi ou dos livros memorialistas do João Carlos Teixeira Gomes, dos versos clássicos do Godofredo Filho ou dos romances picarescos do saudoso amigo Jorge Amado, só para citar os baianos conhecidos, então me sinto acuado e perplexo diante de tal violência e prepotência com a nossa língua pátria.

Já li alhures que a palavra “presidenta” é aceita pelo nosso vernáculo. Eu não diria aceita e sim “tolerada” diante do baixo nível intelectual que permeia grande parte da população brasileira, onde poucos são os letrados e muitos aqueles que não têm acesso ao saber, por culpa única dos antigos presidentes da república que não deram a devida atenção à educação do nosso povo, quando o Ministério da Educação, até hoje, é um dos que recebem a menor verba orçamentária, dai a formação deficitária que caracteriza a maioria dos nossos habitantes que peca por não serem bem informados, consequentemente por não ser bem instruída.

Repiso aqui que não aceito “a presidenta” e sim “a presidente”, como deve ser. Porém, a autoridade constituída não delega, ela “impõe”, como fazem todos àqueles que momentaneamente estão no poder. Uma coisa é “ter” o poder e a outra é “estar no poder”. Portanto, a senhora Dilma Rousseff está no seu papel de não aceitar ser presidente do Brasil, para a qual foi eleita nas últimas eleições, e sim, de ser “presidenta” de um país que busca a todo o custo achar o seu rumo, o seu norte ou sul nem sei, em meio às suas próprias e esdrúxulas dúvidas, incertezas e indagações, onde a conjugação exata ou inexata dos vocábulos deixa de ser uma opção racional e lógica e se transforma numa opção emocional, mero vocábulo passional, através de um despacho publicado recentemente no Diário Oficial da União. Portanto, viva às feministas e abaixo a língua e a gramática brasileiras!

À medida que o falar e o escrever errado são transformados em um “mainstream” ou jargão linguístico permissivo e aceitável, quando o falar do brasileiro não mais se submete às regras precisas ou ao estudo prático e acadêmico ensinado nas escolas e universidades, a falta da praticidade não só do falar, mas principalmente do ler e escrever bem, está sepultando todo um estilo linguístico fantástico, junto com o seu rico vocabulário, onde a nossa língua se cala junto à esquálida e insipiente gramática! Nunca se esqueçam de quando o poeta Caetano Veloso proclama nos seus versos antológicos que: “Minha pátria é minha língua”... Perguntar-se-ia: QUE PÁTRIA?... QUE LÍNGUA?

Salvador/BA. em 28/29.03.2011`

TADEU BAHIA
Enviado por TADEU BAHIA em 27/09/2016
Reeditado em 29/09/2016
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