SOBRE O CONCEITO DE INOVAÇÃO POÉTICA

“Ou réplica à poetisa Mª João de Sousa”

TESE – Maria João De Sousa

«Inove-se, sem dúvida alguma, no conteúdo, mas todo o soneto que atropele a sua própria musicalidade, é uma verdadeira cacofonia que nada traz de inovador, poeta amigo! Conforme já disse, ninguém consegue obter uma molécula de água a partir de dois átomos de oxigénio e um de enxofre... É fácil, claro está, partir do princípio que todo o poema composto por duas quadras e dois tercetos é um soneto. Tão fácil - e tão profundamente errado... – quanto dizer que, uma vez que os cães têm quatro patas e duas orelhas, cada tigre, cada leão, cada bode ou mesmo gato são, portanto, cães...

É urgente que não se tente "inovar" a partir da incapacidade de se reconhecer um soneto em toda a sua complexidade e beleza. Inove-se, portanto, na mensagem, mas não na "fórmula"; porque essa é tão perfeita, tão límpida e tão cristalina quanto a tal molécula de água que por cá anda a "marcar passo" há tantos milhões de anos».

Fraterno abraço! Mª João De Sousa

RÉPLICA CONCEPTUAL – Frassino Machado

Caríssima poetisa, gostei da sua argumentação tendo em conta a sua opção em prol do “velho conceito” convencional do Soneto. E aceito-a, como é óbvio, já que a sua posição está de acordo com uma das vertentes da forma geral de Poesia: o Soneto.

Forma essa que ao longo de alguns séculos (não muitos) tem sido seguida por uma enorme quantidade de poetas / escritores. Claro que, dentro desse mesmo espaço cronológico, houve alturas/fases em que se contestou, com lógica, a permanência estanque desta formalidade. Mas, se estivermos atentos à leitura de muitos dos “sonetos” que foram surgindo por parte de todos os mais destacados poetas – em variadas culturas e formas de arte – vemos que nem todos foram tão entusiastas desse modelo e não raras vezes esboçaram algumas «inovações» que, por razões nunca até hoje esclarecidas, não tiveram grande seguimento pela classe tradicional dos poetas. Ou então, para fugirem ao despoletar de contendas ou polémicas desnecessárias, correndo o risco de perderem o patrocínio dos mecenas de ocasião (*), limitaram-se a uma tradição relativamente consensual que, por temperamento, fez deles conservadores inveterados.

É mais confortável ser-se conservador do que procurar novos rumos e novos horizontes. Pois, para isso, importa coragem, estudo, investigação e ousadia quanto baste para ombrear com a resistência dos poderes costumeiros instituídos. É assim na cultura, nas artes, nas ideologias e até, como sabemos bem, na própria política. A arte de “fazer poesia” implica, quanto a mim, permanentemente um espírito revolucionário e criativo. Só assim é possível «inovar».

INOVAR significa criar, independentemente da forma ou do conteúdo. INOVAR significa fazer de novo. E fazer de novo não quer dizer “renegar o que já está feito”, antes pelo contrário: re-fazer, sob o ponto de vista da estética, da imagem, do movimento e, porque não da «dinâmica da alma». Aquele mesmo sentimento que já manifestavam Teixeira de Pascoaes e Miguel de Unamuno. O espírito humano é, na sua essência, revolucionário, vanguardista, e direi mesmo “aventureiro”, naquele sentido em que há sempre terrenos propícios à ilusão e, até, à armadilha dos tempos… como acontece nas travessias do deserto. Mas nada há de mais apaixonante do que “viver a aventura da inovação” (Jorge de Sena). E é na procura desses novos horizontes que o poeta, o verdadeiro poeta, se sente realizado … principalmente quando pressente que a sua mensagem tem espíritos lúcidos que comungam o mesmo «ideário».

A minha ilustre e amiga poetisa tem usado muito, na sua argumentação, do simbolismo, das figuras naturalistas e dos dados relativos a certos fenómenos físico-químicos e/ou biológicos. Isso poderá ser “científico” mas, como tal, também o é caduco, ou seja, temporal: passa com o tempo. Pelo contrário, no que concerne à Arte Poética – simplesmente porque é Arte – não colam bem esses argumentos. A sua explicitação dá pelo nome de mecanicismo materialista e, como sabe (e acredito que o saiba, mais que ninguém) a POESIA é a suma Arte. E toda a Arte, como Arte, é intemporal. E quem age nela é, ou deveria ser, um artista. E todo o «artista» jamais se limita ao campo da razão convencional pois aí deixará de ser artista e, mais, deixará de ser livre, isto é, deixará de criar, logo INOVAR.

Resultando do que acabo de expor – bem convicto de que há sempre razões que a própria razão humana desconhece – e admirando, todavia, a sua mestria em compor poemas que apelida de Sonetos – afirmo mais uma vez que não é o número de versos, nem sequer a forma a que a maioria dos poetas resolveu denominar de “sonetos” que deve decidir se um poema é Soneto ou não. Para mim – e tenho consciência de que não estou só nesta questão – um Poema (quer tenha dez, doze, catorze, dezasseis, dezoito ou vinte versos); (quer esteja disposto em dísticos, em tercetos, quadras, quintilhas ou sextilhas) desde que comporte uma mensagem em si mesmo e com o devido sentido literário e artístico, poderá sempre ser apelidado de Soneto. Porque foi este o espírito verdadeiramente humanista que esteve na origem da sua criação.

A convenção que a sua divulgação poética acabou por gerar, não teve a sua origem na prática dos poetas ou dos trovadores do antigamente, mas na escolástica da Baixa Idade Média, quer nas escolas florentinas, quer nas academias parisienses ou londrinas. É esta a conclusão a que têm chegado todos os especialistas da arte literária actual.

Portanto, Mª João, continue a ter a sua devoção literária poética, como tem tido – e repito que é das actuais “sonetistas” dos espaços internáuticos em voga – e com certeza que terá sempre os seus justos admiradores, entre os quais eu me incluo. Mas espero que deixará ESPAÇO para que outros Poetas tenham ideias e cultos distintos dos seus.

Com o maior respeito literário e poético sou, ao seu dispor sempre, o poetAmigo

Frassino Machado

(*) Opinião defendida por Jorge de Sena e muitos outros grandes ensaístas da Arte Poética contemporânea. Fenómeno muito vulgar, ainda hoje, nos poetas de escaparate que se deixam iludir por promessas redactoriais de circunstância.

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 19/08/2016
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