ACERCA DO CONCEITO DE SONETO
- Réplica a um comentário de leitura do soneto A REVOLTA DO SONETO, de minha autoria, por parte da poetisa, confessa sonetista, Mª João de Sousa
Muito grato, caríssima e amiga sonetista, pelo seu testemunho "fundamentalista", generoso e quiçá corajoso acerca desta vertente da nossa «Mãe Poesia».
Sobre esta questão tenho duas coisas essenciais para lhe dizer e, que esclarecem a minha posição sobre esta matéria:
a) A primeira é que o conceito de "soneto", na forma como ele é apresentado, é apenas e só, uma convenção...como saberá. Poderemos chamar-lhe com propriedade «soneto clássico» já que os criadores e divulgadores dessa Inovação foram os Humanistas da Renascença. E, como acontece na História de tudo o que existe, bem assim na história das Letras, todas as formas poéticas têm vindo a Evoluir. Assim o têm provado os grandes poetas de todas as Civilizações. Como resultante deste fenómeno tem-se assistido ao longo dos tempos à desvirtuação do conceito genuíno de SONETO que em vernáculo significa apenas "pequeno som", forma singela de som, forma simples de som, com harmonia e elegância. Tal como acontece na Música, daí a Sonata, a sonetina, etc. Daqui se deduz que, para o ser, o SONETO não requer só e apenas catorze versos. Poderá ter - e isso lê-se em muitos dos grandes poetas por esse mundo fora - maior ou menor número de versos. Tal como na Música maior ou menor número de sons, maior ou menos número de ritmos.
Esta mesma opinião, tive a oportunidade de a ouvir, presencialmente, da voz do grande Jorge de Sena, na faculdade de Letras de Lisboa em 1977. E, na altura, nenhum dos «letrados» presentes que eram imensos - uma vez que o Poeta vivia em diáspora e quando vinha a Portugal era um acontecimento, como sabe - atreveu-se a contradizê-lo! É que para ele, e bem assim para todos os grandes poetas, antes do escritor ser "sonetista" há que ser POETA, em primeiro lugar. Direi eu que «o Soneto, o dito “clássico”, é apenas uma estação da POESIA». Na realidade, há muitos e muitos poemas que são autênticas obras-primas de SONETO e que não têm catorze versos. Portanto, não é o "número" que faz o Soneto, tal como não é o hábito que faz o monge!
Há imensos testemunhos de ilustres pensadores e ensaístas contemporâneos que defendem este ponto de vista. Dispenso-me por agora de os citar pois seria fastidioso.
b) A segunda coisa essencial que tenho a relevar é relativa à sua citada referência de «Ciência», creio eu aplicada ao Soneto… será? Por causa da estrutura métrica dos poemas, neste caso específico dos sonetos, caso do escanção? Olhe, não sei se sabe, é exactamente neste pormenor que assenta toda a grande crítica feita nas últimas décadas à Poesia, em geral.
Não, Maria João, a Poesia não é nenhuma engenharia estanque que tem de ser “adorada” como se de uma magia se trate. A Poesia – e tudo é Poesia, nos dizeres e convicção Senianas – antes de Ciência é, acima de tudo, ARTE. E a Arte não vive de engenharias, de magias ou de malabarismos… mas sim de sentimento e de emoção. Logo, é paradigma do ser humano. É paradigma do artista.
Como Arte a POESIA é ela própria, e só, POESIA. Ou então não é. É nesta «Identidade» que se situa toda a ALMA POÉTICA! Por isso mesmo é que eu jamais quererei que me chamem de “sonetista”. Mas quererei, pelo menos em sonho, que me chamem de Poeta.
Nota conclusiva: olhe, Maria João, eu não tenho aversão congénita a quem se considere sonetista, antes pelo contrário, gosto de os ler e tenho muito respeito por eles, como é o seu caso. Eu próprio, poderei dizer desde pequeno, tenho feito “sonetos” mas, pode crer, nunca me fico por aí em termos de Poesia, não.
A Poesia vai muito para além dos Sonetos. E, já agora, se tem reparado no que se tem escrito por tudo o que é sítio (e a senhora Internet terá de dar a mão à palmatória) nunca se viram tantos “poetas” como hoje; nunca se viu tanta “poesia” como hoje; nunca se escreveram tantos “sonetos” como hoje (é a forma que está mais à mão de semear obviamente); nunca se viram tantos livros de poesia como hoje.
Mas, e para terminar, também temos visto e revisto que é na «forma de soneto» que todos os escrevinhadores mais claudicam, em todos os aspectos. Há quem diga que é na anarquia e na vulgaridade que está o lucro. Reflictamos!
O SONETO, o verdadeiro SONETO, se voltasse a ressuscitar… morreria novamente perante tal espectáculo de Babel.
Cordialmente seu. O poetAmigo sempre
Frassino Machado