BALADA PROIBIDA - para Dinha Cerqueira
TADEU BAHIA – Autor
...em um lugar não utópico chamado carinhosamente de Lapa, perdido no seio do Recôncavo baiano, vizinho à avoenga cidade de Santo Amaro da Purificação, na Bahia.
É de tardinha...
Abrem num coro soberano, lançando acordes suaves ao entardecer, as cigarras; enquanto o tempo escurece, aliás, como sempre todos os tempos quando falam de saudades, escurecem.
Nessas horas angustiantes do dia sobrevêm-me n’Alma momentos ardentes de uma mágoa inesquecível, tão inesquecível que poderia classificá-la de eterna. Chega também a solidão que enraíza no meu Espírito o sofrimento; aquele sofrimento solitário, maravilhosamente triste e sobretudo só. E ele me imerge numa babel violenta deixo que os meus pensamentos voem, tomem liberdade da gaiola da vida. Nesses momentos entro febrilmente num estado crítico de griscoidia. Sim, griscoidia... Pois vivo das saudades, preciso estar junto das pessoas que me sinto próximas!
E é lindo sofrer
Quando se sofre realmente
Quando se sente que o sofrer
Está sofrendo no coração da gente!
Volto às antigas raízes, às mesmas portas e janelas da minha casa antiga, as quais me deram abrigo, e hoje, depois da volta, abrem-se e acolhem-me nas minhas dúvidas e ânsias, como se eu fosse a sombra translúcida e leve da saudade. Voltei Dinha, com a minha tristeza e desta vez um pouco ou muito mais triste do que já era realmente. Volto mais sério e com a calvície a se me mostrar na cabeça, onde, outrora, os cabelos escuros, encaracolados e longos cobriam os meus flácidos ombros morenos tal um manto de castidade e inocência.
Hoje os meus cabelos se foram e não mais voltarão Dinha. Serão iguais a esta balada proibida soluçando saudades...
Nasce, dentro de mim, nesses momentos sós, uma vontade indizível de ser ainda mais só! Sinto que sou um elemento-criança, portanto passivo às razões de ser e do Ser das outras pessoas, portanto nefasto às malignidades da humanidade! Ante a tudo, amor, eu sou a revolta! Não adiantarão quaisquer argumentos. Daqui por diante serei sempre e para sempre absolutamente só!
Com ou sem filosofias...
Perpetuar-se-ão para a posteridade, porém, os meus versos e crônicas, minhas músicas alegres e palavras trêmulas, todavia, carinhosas e brandas! Sim, Dinha. Na minha tristeza alguma coisa de concreto ai ficou, e aí estão estes versos... E todos irão ler, esteja certa, não importando as divagações do Espírito. Só peço a todos que me deixem cada vez mais só...
Depois que recebi da sarjeta da vida o título retumbante e subtonado de poeta, sinto que nada em mim mais resta senão recolher-me ao Arraial d’Ajuda, junto com a minha própria e inexorável solidão...
A minha inexorável solidão!
Todavia, repousarei sob as noites úmidas, para sempre úmidas e orvalhadas da Lapa, para o seu e o meu descanso.
...já se abriu o véu das noites sobre os telhados românticos da Lapa, e, naturalmente, as velas começam a arder nos altares rústicos, por sobre pilares e ladrilhos antigos e assoalhos usados/pisados e partidos. É mais uma noite dessas nostalgicamente frias que se abatem sobre este mágico e encantado lugar. Mais uma noite onde a POESIA é tema quando escutamos o murmurar do orvalho a descer pelas calhas, bicas e telhas antigas.
...Dinha, os nossos sonhos remexem-se na cama! Ajeite-lhes as cobertas. Cuidado, eles ainda mexem-se!
Dinha é linda de noite e ninguém sabe disso. Só eu que a sempre vi e vejo, sempre a verei, com os olhos do meu coração! Isinha Carla é a minha filha e ela dorme com Dinalva, e Dinalva olha o sono de Isinha! Lita ajeita o mosquiteiro porque Andréia é branca e as muriçocas gostam dela... Mas a Andréia chora e não gosta das muriçocas!... Andréia grita... Lita acorda e dá os seios, a Andréia adormece...
Eternamente é noite na Lapa!
Uma noite composta por momentos de preces, ternuras e devoções. Os momentos alegres, os raros que vivemos, são aglutinados os tristes sob a luz da chama baça e rarefeita da vela. As velhas desfiam os terços. Os mesmos terços gastos, molhados por lágrimas, suor, e outros, com as pedras do rosário partidas, conservam ainda em si aquela mancha esmaecida de sangue... do sangue da virgindade tirada à força por braços de algum homem convenientemente desconhecido...
... tendo somente a luz do candeeiro como testemunha!
Ah!... O tempo?... Esse passa e lá do jardim recordo quando a minha sombra adolescente vagueava nos anos 1968/1969 por trás dos bancos e por entre os arvoredos, tentando fisgar desejos através das vidraças, onde, atrás delas, as meninas tiravam as roupas com as luzes em penumbra, naquela penumbra rala, e os perfis dos seus corpos castos saiam desenhados artisticamente através dos seus contornos explícitos, ainda e para sempre virgens (!) os quais pululavam em nuances loucos de volúpias através das vidraças!
Ah!... Momentos de torpor e febre os momentos do gozo, quando a carne assalta a carne para fazer o amor!
E lá fora é noite. E as noites foram feitas para o amor, como me diz todos os dias o meu tio Alexandre Robatto Filho! A noite foi feita para o amor e eu acrescento ainda: para a dor e o pecado O pecado imortal, viril e eterno para sempre eterno da carne, o qual tem as suas noites sempre em vigília...
E as noites, aqui na Bahia, sempre foram de vigília!
Todavia, estou sozinho e perdido igual a um merda pelas ruas incertas, sujas e vazias da cidade, com os meus pensamentos soltos nessas minhas saudades, os cabelos cheios, revoltos e soprados por esta brisa fria que me envolve o corpo, tornando-me mais absorto e só dentro da minha tristeza. Penso nas bodegas e cabarés, o puteiro do Morre-sem-Vela com os seus copos e corpos sujos e abençoados da cachaça por sobre as mesas e camas, quais úmidos altares, umedecidas e viciadas, dos violões ébrios dos amigos Paulo Machado, Tonho Bacelar e do João Maia a tocarem as suas notas subtonadas por entre as paredes nauseabundas desse brega romântico da Lapa, por onde as madrugadas passeiam quais meretrizes, trôpegas, com as palavras embriagadas por uma infusão de fedegoso misturado à água.
Nesses devaneios vãos tudo isso são lembranças tristes, outras alegres, que me tiram da cama, despertam o meu sono e tornam-me ainda mais perplexo frente à minha própria universalidade!... Lembranças, lembranças de tudo e recordo de um amigo que já está no Reino dos Justos Embriagados da Eternidade! Chamava-se Pedro: Pedro Rico! Era o meu nobre amigo um diplomado vagabundo do Largo do Campo Grande, em Salvador. Não mais sorrirão do Pedro Rico, pois ele já morreu. Morreu à semelhança do Edgar Allan Poe (1809 – 1849), mostrando no seu sorriso amarelado e demente o desdém pela vida, o desprezo à luxúria e ao egoísmo! Todas as manhãs, antes de ir para a Universidade, eu sorria com ele todas as manhãs no Bar do Miguel, hoje Bar do Tirson, quando a cidade mal acordava e ele vinha vindo subindo a Avenida Sete completamente embriagado, roto, passado por suadouros das meninas da Ladeira da Montanha e da para sempre lembrada Rocinha dos Marinheiros, destruída numa noite fria e de chuva igual à esta, quando todos aqueles que faziam amor, morreram trepando na cama, a maioria no momento ápice do gozo, pois a tragédia aconteceu à uma hora da madrugada. E todos os puteiros, bregas, cabarés e casas de tolerâncias da Bahia por ordem do seu comandante-mór, o Floripes, cobriram-se de luto!
O Pedro Rico vinha cotidianamente daqueles inúmeros cabarés, prostíbulos infectos, medievais e sombrios, os quais enfeitavam com a sua decadência e suposta luxúria, a trocarem o nome de sobrados por castelos, essas ruas tortuosas, empoeiradas, barrocas e românticas que no seu contexto formam este casario poético desta cidade – pecado: São Salvador da Bahia!
Sim, fato é que o Pedro Rico morreu e nesta noite os candomblés bateram os seus tambores ancestrais em todos os terreiros e vestiram-se de luto não só os bregas, mas todos os pontos de bicho e rinhas de galo da Bahia! Até nas casas de putas menos frequentadas, as bandeiras da sacanagem estavam hasteadas a meio-pau!... E o Pedro Rico descansou em cova rasa, sendo o seu enterro acompanhado por mulheres mundanas, bêbados, bicheiros, desocupados, estudantes universitários que estavam vadiando as aulas, misturados a outros vagabundos que até hoje perambulam nas ruas sozinhas e misteriosas das inúmeras sete portas da cidade da Bahia.
Agora é só silêncio...
Um silêncio absolutamente silêncio cobrindo os pormenores cantos e recantos das nossas almas. Instantes em que o mundo inteiro se benze na incerteza d’alguma utópica ou verdadeira fé, no seu ninho de crendices e magias... Tudo é mistério.
Fé é acreditar naquilo que não existe. É como o acreditar-se numa hipótese. Os religiosos, em particular os católicos, ficam putos da vida comigo, pois nunca concebo acreditar naquilo que não existe fisicamente, sem quaisquer provas. A Wikipédia, no futuro demonstrará às futuras gerações, sobre a Fé, o enunciado a seguir: “_Fé (do Latim fide)[1] é a adesão de forma incondicional a uma hipótese que a pessoa passa a considerar como sendo uma verdade[2] sem qualquer tipo de prova ou critério objetivo de verificação, pela absoluta confiança que se deposita nesta ideia ou fonte de transmissão.”
A religião católica age assim, acredita no inexistente para a satisfação voluptuosa dos seus crentes! Ou a celebração paga do Sensualismo, como bem concebeu o Frederick Nietzsche.
Outros acendem velas e preparam despachos! Já são altas horas da madrugada na Bahia. Momentos em que, em cada esquina da cidade, preparam-se ebós, bozó, mandingas são feitas e são invocados os santos cristãos e os não cristãos, pois, o baiano, de per si não tem – e nunca terá – uma crença definida, uma religião! O misticismo na Bahia se auto-determina, ele domina!
Agradecemos à nossa Mãe de Leite, a África, com os seus Bantos e Iorubás que fizeram da Bahia esta nação absurdamente colorida, mágica e maravilhosa!
Oxalá e Senhor do Bonfim são a mesma pessoa...
A Mãe Menininha e a Irma Dulce têm o mesmo respeito e veneração dos candomblecistas e católicos...
Daí, talvez, algum clérigo ou maluco queira explicar, ou entender, dos mistérios ou adultérios de um suposto Deus.
... e continuo a ser absolutamente só, Dinha.
... continuo a ser desesperada e absurdamente só!