MANIFESTO DE REPÚDIO À VIOLÊNCIA POLICIAL BAIANA CONTRA O ESCRITOR E POETA ANTÔNIO SHORT
Texto redigido em 03 de julho de 1981, In Memoriam do amigo, escritor e “poeta da Praça” ANTÔNIO SHORT e publicado, na íntegra, no jornal A TARDE, em julho de
TADEU BAHIA – Autor
Na oportunidade, quero protestar veementemente contra a agressão física e moral, seguida de espancamento de quem foi vítima o conhecido poeta baiano ANTÔNIO SHORT. Mais uma vez vimos desrespeitados publicamente os nossos direitos e garantias individuais, representados condignamente através da Constituição Brasileira, em que a Polícia Militar baiana peca nos artigos referentes, nos seus incisos VIII e XIV que falam explicitamente: “8 – É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informações independentemente de censura, salvo quando a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta...” – “14 – Impõem-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário.” (grifos nossos!).
Partindo da ofensa moral na qual o poeta foi taxado de homossexual e seguindo-se imediatamente às cenas de espancamentos, vemos ai mais uma vez o despreparo ético, a falta de conduta moral da nossa Polícia Militar baiana, a qual, agora espanca publicamente um dos maiores poetas da nossa terra, o ANTÔNIO SHORT. O escritor supracitado é um dos líderes do bem sucedido movimento “Poetas na Praça” quando há aproximadamente dez anos atrás, aqui na Bahia, ele encabeça noites de recitais, declamações de versos de vários poetas, promove noites de lançamentos e autógrafos na Praça da Piedade e em outros logradouros públicos de Salvador. Sem ser até a presente data molestado, o poeta ANTÔNIO SHORT declamava os seus versos dentro de um dos coletivos da nossa querida cidade de São Salvador da Bahia, dando desta maneira a sua contribuição maior e verdadeira à nossa poesia. Agora, o que acho inconcebível foi o fato de que o poeta ANTÔNIO SHORT ser agredido e espancado por um policial “...que não ia com a cara da sua poesia!”, porque, o aludido poeta declamava no interior e um coletivo, os versos do não menos conhecido imortal poeta baiano, Gregório de Matos e Guerra!
Infelizmente, sou obrigado a repetir aqui e agora que o Brasil continua em clima de Brasil – 1964 em todos os sentidos, a diferença que a partir desse momento, após dezesseis anos de pressões, prisões, deportamentos, “sumiços”, travestis, mil ideologias, o Tropicalismo, hippies, The Beatles, Caetano Veloso, Arena e MDB, com longos períodos para tirar os “cochilos no seu berço esplêndido”, o Brasil, particularmente a Bahia, apesar de ter tomado condignamente uma dianteira no que se refere ao seu aparato cultural, se vê de uma hora para outra, surpresa, quando um dos seus dignos e principais poetas é violentamente espancado e detido, sendo acometido do que nós chamamos de “constrangimento ilegal” (prisão sem justa causa).
Mas o problema é o seguinte: os poetas, frente a todos esses dilemas e aculturamento parciais ou individuais, não irão parar no seu intento de mostrar a poesia para o povo! O diabo é que os poetas baianos já saíram do obscurantismo e hoje frequentam a “roda viva da Literatura”, apesar das inúmeras pressões, humilhações e porradas! O poeta diz tudo o que há de belo e sublime dentro de si, e, desacostumados com a Estética, com o desconhecimento do belo, policiais e indivíduos mal preparados promovem cenas lamentáveis iguais a esta.
Quando se é realmente dono de si e das suas próprias verdades, o poeta é aquele sujeito que é levado ao pelotão de fuzilamento dos críticos de rodapés, dos míopes literários e das autoridades analfabetas e mal intencionadas. Ser poeta hoje em dia é ser, antes a tudo, uma pessoa revoltada, é a palavra certa. Por que somente a revolta do Espírito é que faz extrapolar dos sentidos a verdadeira paz, a cadente harmonia de um verso, a integridade moral e vertical de um poeta! O poeta não é um anarquista, não é um subversivo nem é o detrator da moral pública, em suma, o poeta não é o que chamam de homossexuais e/ou comunistas! Muito pelo contrário... Ele é o dono de suas próprias verdades, dos sentimentos mais profundos do seu povo, é o representante inconteste da sua Língua, um poeta é o espelho e o reflexo da sua Nação! Fato que as autoridades civis, policiais e a censura até o momento presente não compreende, não concebem o Direito a quem o tem verdadeiramente.
No Brasil, muitos escritores famosos, assim como cantores, compositores, cineastas, teatrólogos, poetas etc:. são fixados como homossexuais e comunistas! As cadeias estão cheias e as portas das celas, a exemplo de um prostíbulo de alto luxo, encontram-se abertas vinte e quatro horas a fim recebê-los. Impossível num país como o nosso ainda acontecerem cenas degradantes e lamentáveis iguais a estas!
Há poucos meses atrás, através deste mesmo jornal A TARDE, escrevi que o grande desafio cultural, ou melhor, o batismo de fogo de um escritor, de um poeta, deveria ser, antes de vestir a beca da Academia Brasileira de Letras, ser inquilino da cadeia! Isto porque, desrespeitados nos seus direitos e garantias individuais, espancados covardemente em praça pública, impedidos de divulgarem os seus trabalhos e calados sob coação e porrada, só resta aos poetas, infelizmente, tal o nosso querido ANTÔNIO SHORT, serem inquilinos da cadeia! Muitos já passaram por isso: Graciliano Ramos, preso escreveu Memórias do Cárcere e o Caetano Veloso, também preso, escreveu aquela música imortal e antológica chamada Terra, sem não esquecermos do Jorge Amado, Glauber Rocha, Gilberto Gil e outros e mais outros. Estamos numa época de “Abertura” gente, numa época de ouro em que os versos daquela música do Caetano Veloso, É Proibido Proibir, dão um significado imenso e muito bonito a esse pássaro feliz que se chama: LIBERDADE!
Ao poeta ANTÔNIO SHORT eu digo: prossegue amigo, pois você sentiu rijo nas suas carnes o chicote imbecil e covarde da Censura, escreva por que só o sofrimento e a dor é que serão as argamassas e os tijolos com que você irá construir os seus versos, contar a sua história, a imensa e gloriosa história triste e alegre do nosso povo, da nossa Nação! Não importam o suor, as lágrimas, a cadeia, a covardia e o sangue... Eles são precisos! Continua firme a dar-nos a sua lição, esta lição clara de simplicidade e de humanidade, fazendo ver que com ou sem “aberturas” a ruptura para o infinito é fácil, sobretudo quando se tem essa grande dose de amor e dignidade no peito, essa imensa e incorrupta PAZ... APESAR DE TANTA COAÇÃO!