RÉPLICA AO JORGINHO VELLOSO
TADEU BAHIA:. - Autor
Há décadas e décadas, desde os meados dos anos 60, que o seu tio Caetano suscita polêmicas construtivas e opiniões adversas em tudo que fala, em tudo que canta, em tudo que veste, em tudo que faz... Todos nós já estamos acostumados com ele porque as suas opiniões e jeito de ser, aparentemente chocantes à primeira vista, logo se transformam em premissas futuras factíveis e concretas. Quer queiram ou não, o Caetano já faz parte da História Política Brasileira, não só da Música Popular. A posição corajosa e sobremodo histórica do Caetano no período militar dos anos 60, com aquele rosto angelical, adolescente e arrogante, enfrentando com elegância a fúria desembestada dos militares, misturados anonimamente nas plateias dos teatros com o fulcro de pegá-lo no contrapé com as suas letras aparentemente extravagantes, mas cheias de uma sutil e doce malícia, quando nas entrelinhas poéticas dava o seu recado...
Foram anos românticos e apaixonados aqueles, só quem viveu os anos 60 pode bem rememorar aquele período inesquecível da nossa história. Os anos 60 consolidaram o futuro do Brasil para o final do próprio Século XX e a virada do Século XXI. Naquela época infame da Revolução Militar, pugnávamos pelo nosso direito de liberdade de expressão, éramos proibidos de expressarmos as nossas opiniões, conceitos ou pontos de vista os mais pueris. Vivíamos sob censura. Inúmeros livros foram proscritos, muitas poesias e músicas bonitas censuradas e bibliotecas inteiras foram escondidas, outras queimadas, sob a fúria imbecil dos militares de plantão.
Apesar de tudo a geração pós-guerra do Caetano enfrentou com coragem, jogo de cintura e inteligência esses anos obscuros, mas logo depois da Revolução, sob o advento da Nova República, viriam no futuro outros períodos negros comandados pelos presidentes civis, contudo essa é outra história, pois a geração seguinte, já vivendo os primeiros ventos da Democracia, sem derramar uma única gota de sangue, através do exemplo deixado pela geração do Caetano, sob clamor popular em todo o país e envolta na túnica imaculada da Bandeira Nacional, apeou sob o tríplice lume da Justiça, do Direito e da Razão um ex-presidente do poder.
A figura romântica e constante do Caetano nos principais acontecimentos da Música Popular Brasileira nos meados dos anos 60 para cá, se refletiram de forma direta, quer queiram ou não, na situação política nacional, onde fez florescer um tipo de música despojada, inovadora e doce, despida de classicismo e/ou lugares comuns iluminadas por palavras néo-concreto-tropicalistas nos seus versos simples de feições barrocas, que iluminaram as inteligências de então. Porém, os versos sociais, metafísicos e transcendentais da música do Caetano desagradavam os ouvidos desafinados dos militares, naquele tempo parte da esquerda era burra porque ainda nem sabia ler os sinais de trânsito deixados pelos músicos, escritores, teatrólogos e poetas nas ruas movimentadas da nossa própria História. Acho que até hoje parte da esquerda que está no poder não aprendeu sequer a soletrar o dever de casa... Viva o José Celso Martinez, Plínio Marcos, Torquato Neto, Jorge Mautner, Paulo Garcez de Sena, José Carlos Capinam, Gilfrancisco, Jorge Portugal e Wally Salomão!
A nossa História, Jorginho, conta com poucos Iluminados, mas pode ter a certeza que o seu tio Caetano é um deles! O Caetano não é somente um ícone da Música Popular Brasileira, ele é um divisor de águas pelo seu posicionamento político determinado, pelas suas manifestações pessoais, sociais e corajosas implícitas nos versos que escreve, nas músicas que compõe, nas suas palavras futuristas e proféticas que quando pronunciadas causam confusões de interpretação e erros de entendimento, por isso o analfabeto... Analfabeto não é somente quem não sabe ler ou escrever, é aquele que também não sabe pensar, enxergar, entender, compreender os destinos do seu povo e não sabe como gerir/trilhar com precisão, responsabilidade e coerência os caminhos da própria História da sua Nação! O saudoso Major Cosme de Farias e o querido compositor Tom Zé sempre compartilharam da mesma opinião uníssona que vivemos num país de analfabetos. Porque a dúvida com o seu tio Caetano?
Jorginho, eu tinha me prometido nada escrever sobre esse episódio do Caetano, a sua própria tia Sueli sabe disso desde o começo, mas o rol de imbecilidades que tenho lido na Imprensa ultimamente, a burralidade ímpar que ainda impera neste país trazida no ranço dos antigos revolucionários ditos esquerdistas, maculada por manifestações de senilidade intelectual e política, com os constantes apagões de falta de memória histórica/sociológica e política por parte daqueles que detém nas mãos as rédeas do poder, pecam também por esquecerem-se daqueles períodos românticos quando os primeiros hippies com os seus cabelos encaracolados, longos e maravilhosos, com o espírito vestido na alva translúcida da Paz e do Amor, juntamente com os jornalistas, intelectuais, estudantes universitários, compositores, escritores e poetas enfrentaram a fúria insensata dos militares ao serem barbaramente espancados, torturados, presos, seviciados e covardemente assassinados nas celas das delegacias, nas dependências do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna) ou nos porões infectos dos quartéis...
“Quando em me encontrava preso/na cela de uma cadeia/foi que vi pela primeira vez aquela fotografia/em que apareces inteira/mas lá não estavas nua/e sim coberta de nuvens... Terra!... Terra!...”
Mesmo antes de você nascer, Jorginho, a sua avó Mabel Velloso já falava que “...tinha muito medo da minha caneta!”. Mas situações como estas em que as palavras ditas pelo Caetano ainda continuam a ser não entendidas e frequentemente são mal interpretadas, quando ouvimos manifestações absurdas e sobretudo desrespeitosas e indecentes, quando o bom senso é esquecido e a dignidade de uma Família é escoimada, mandar algumas pessoas irem para a puta que o pariu ainda é pouco! Todos nós sabemos que as opiniões são frutos de ação individual e expressam tacitamente o pensamento de quem às emite, responsabilizando-se integralmente por elas. O Caetano não arredou o pé do que disse, ele sempre foi um teimoso nas suas opiniões, nunca arreda! A sua mãe, a minha Lala Velloso, também saiu a ele, quando a sua mãe quer uma coisa, meu filho, ninguém a demove. Tanto elas como o Caetano têm personalidade segura, determinada e forte. O mundo deveria ser cheio de pessoas bonitas assim...
Saquei de pronto quando li na internet as pertinentes e prudentes preocupações do seu tio Rodrigo, figura querida, o homem mais simpático dos Vellosos, o eterno Anjo da Guarda da sua bisavó Canozinha Velloso e Mestre de Cerimônias da Família. Mas o seu tio Rodrigo nunca foi um temeroso ou um covarde, conheço-o há anos... seu tio Rodrigo sempre foi um homem prudente e bom, bem parecido com o seu bisavô Zezinho Velloso que mal você nasceu e ele pegou o bonde da “Trilhos Urbanos” e foi morar no Céu! Não se deve nunca confundir prudência com covardia, são palavras díspares e não equivalentes entre si. A elegância da nota emitida pelo seu tio Rodrigo surtiu o mesmo efeito que as palavras sábias e proféticas do seu tio Caetano, não conseguiram ser entendidas/sequer coerentemente interpretadas porque foram unânimes e verdadeiras.
Muitos imbecis questionaram na Imprensa que o Caetano não tem nível superior, se esquecem de que muitas pessoas atualmente que detém o poder também não tem nível superior, não são formados ou pós-graduados em doutores e sim em aproveitadores, mas os versos do poeta português Fernando Pessoa explicam muito bem a inferioridade presente, na pretensa superioridade não existente nas pessoas, quando assim se expressam:
“...Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo, eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo, aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia, seja uma flor ou uma ideia abstrata, seja uma multidão ou um modo de compreender Deus. E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo. São-me simpáticos os homens superiores porque são superiores, e são-me simpáticos os homens inferiores porque são superiores também, porque ser inferior é diferente de ser superior, e por isso é uma superioridade a certos momentos de visão. Simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de caráter e simpatizo com outros pela sua falta dessas qualidades, e com outros ainda simpatizo por simpatizar com eles, e há momentos absolutamente orgânicos em que esses são todos os homens. Sim, como sou rei absoluto na minha simpatia, basta que ela exista para que tenha razão de ser...”
Há décadas atrás, a voz ardorosamente quente, sensual e gostosa da sua tia Bethânia, imortalizou esses versos maravilhosos e transcendentais numa gravação antológica inesquecível. Quanto ao seu tio Caetano, se todas as cidades e países do mundo tivessem a honra e a glória de ter um Patrimônio Universal chamado Caetano Veloso, tenha a absoluta certeza Jorginho, viveríamos todos num mundo intelectualmente maravilhoso onde não existiriam fome nem guerras, e todas as pessoas seriam abençoadas por canções translúcidas de amor e paz e consequentemente teríamos um mundo muito mais gostoso de viver! Aceita um beijo saudoso de Tadeu Bahia e Sueli, dá um beijo carinhoso na Maria... Fala para a Mabel e a Lala que neste meio de semana aparecerei por lá!