RELATIVIDADES
TADEU BAHIA -Autor
O tempo está me ficando antipático, subjetivo, vago, apesar de que preenchido devidamente com os estudos e o trabalho. (Mas isto não vem ao caso!).
Estou recostado na cama, meu corpo sente-se cansado; tenho necessidades de um banho frio para esfriar-me a cabeça que dói e dói. Vim do trabalho há pouco, falta vinte minutos para a meia-noite e nem parece! O movimento lá fora é imenso, grotesco, é como se os carros passassem por dentro da minha cabeça, e nela, os bêbados gritassem, vomitassem e as prostitutas brigassem por causa de um macho qualquer. E tudo isto refletisse na minha cabeça.
Parece que vim da aula de karatê, há dois meses não o pratico, troquei-o pelo mar! O mar exerce em mim uma atração irresistível! Deve ser doce morrer no mar... Meu corpo está todo queimado e acostumado com o sol desses fins de semana lá no Farol da Barra. Contudo, voltando atrás, estou cansado física e mentalmente, pois também tenho as minhas preocupações as quais se avolumam cotidianamente; daí esta minha ideia relativa ao tempo: subjetivo, vago, além de tudo curto, sim curto! Por mais que eu corra e queira deixar os negócios em dia, surgem contratempos e escorrego degraus. Todavia, pelo meu impulso e força de vontade, muitos projetos meus que estavam no mundo da loucura, da minha fértil fantasia, estão praticamente realizados (objetivamente!), com a trajetória e um ponto de chegada delineados no espaço e... Merda! Mas eu não quero no momento recordar as expressões das aulas de Física e/ou Descritiva! Fico tão condicionado a ler e a escrever demais que nas horas que procuro me distrair, saem-me expressões “clássicas”. Pobre de mim que sou tipicamente barroco!
Perdoem-me; a minha distração não vem ao assunto... Só sei dizer que estou cansado, cansado de estudar, escrever, ler e no trabalho cumprir despachos, dar ordens, por a papelada do serviço em dia, ir a entrevistas, participar de reuniões, ser responsável por isto e mais aquilo; andar, subir e descer escadas, pegar filas de ônibus e entrando na “invasão” a socos e a pontapés porque entrar num ônibus na Bahia é uma “questão básica de sobrevivência”!
Não tenho tempo para almoçar direito, janto fora de hora – hoje, por exemplo – e às vezes não janto por causa desse “stress” maluco que me alucina. Não descanso o suficiente, dores de cabeça por cima dos olhos e o tempo começando a cobri-los lentamente; o corpo doendo e a falta de tempo até para estudar o suficiente e fazer pesquisas e trabalhos para esta “magna Universidade”!
Sou obrigado a ouvir aulas que me enchem a paciência, assuntos desconexos com a matéria, tudo por falta de um planejamento prévio, falta de responsabilidades quanto aos horários, sempre chocando uma disciplina com a outra e etc:. etc:. uma droga!
A UFBA é foda!
Tempo vagabundo este meu...
Não tenho tempo para fazer o que todo o homem normal faz: ter o prazer do descanso! Sim, poder descansar em paz por cima das pernas e das coxas da mulher amada, poder chorar e estremecer de gozo assim como fazem todos os homens da classe média ao chegarem em casa; acabados, maltratados, poluídos pela alta e baixa sociedade... Chorar e sentir o acalanto morno e sensual dos seus braços, dos seus seios intumescidos e maravilhosos, sentir todo o seu corpo, falar-lhe dos meus queixumes e ressonar no seu colo. Depois ouviria dos seus lábios doces, palavras de fé e animo, fazendo voltar ao meu espírito à antiga garra para a luta pela vida. Só a mulher com toda a sua graça é quem pode fazer isto, pois ela é a razão de ser, o complemento do homem.
A mulher é o consolo, o abrigo. São singelas quando vêm com as suas mãos carinhosas a nos fazer carícias, num mundo de sorrisos e tenras. A mulher significa o elo perdido entre o Homem e a Eternidade! E eu, nesta minha precoce mocidade...
... Continuo só!
Minha cabeça ainda está doendo estupidamente. A amante escondendo-se por trás das janelas da noite.
A noite... o tempo, sim, o que fazer do tempo? Por que não esticá-lo e moldá-lo à nossa maneira? Por que carrego dentro de mim tantos preconceitos idiotas acerca do tempo? Por que me preocupo com tantas e tantas bobagens?
Por que não durmo há mais de três meses e estou aqui para estourar a cabeça? Por quê? Por que os guardas não prendem os motoristas e carros tardios os quais estão a fazer uma zoada satânica lá fora? É madrugada, gente! Por que tudo me aborrece e não me aparece uma mulher dentro da penumbra do meu quarto de apartamento?
Ah, não! Fico daqui a escutar os gemidos roucos de amores desenfreados entre os bêbados e as prostitutas em pleno passeio público!
... Estas noites mornas e repletas de amores desta Bahia! Os bregas fervilhando de homens do cais, carregadores, marujos e prostitutas encantadoras e cheias de malícia, de uma malícia sem maldades e sem limites.
As calçadas suas...
Por que não tiramos cacos de vidro do passeio?
Por que não deram socorro a um sujeito que foi atropelado ontem, aqui em frente de casa, em pleno bairro do Campo Grande, apesar do Pronto – Socorro estar há poucos metros do local do acidente? Por que não atenderam a uma gestante, só porque ela não tinha a carteira profissional assinada ou um carnê com a última prestação paga do INPS?
Por que não limpam as paredes e os muros da cidade e deixam que os carinhas do MDB e poetas apaixonados os pixem com frases de protestos ou bobas e singelas declarações de amor?
É tempo, gente, é tempo...
E eu que estou com medo de morrer por causa desta estafa em que tenho, ainda desafiando madrugadas com a minha flácida e débil saúde no momento?... Diabo! Era para estar já dormindo, porém estou sem sono! Por isto é que estou escrevendo para matar o tempo...
Matando-o a palavras!
Enquanto ele me mata gradativamente com o seu próprio tempo...
Não estou com mais paciência de estar aqui a escrever, escrever, embora sinta que o “acontecer” dentro e fora de mim, são meras relatividades...
Relatividades, nada mais...
(Texto publicado na página cultural “Participe”, editada pelo jornal A TARDE,
em 03 de setembro de 1977).