AO MEU AVÔ MATERNO DR. MANEL FRANCISCO DE OLIVEIRA BAHIA, O CÉLEBRE DR. BAHIA, in memoriam
TADEU BAHIA - Autor
Há uma música saudosa do vento soprando nas ruas e levantando a poeira, levando de roldão as folhas secas, embalsamando-me a Alma com(o) gotículas de poesia...
É tarde na cidadezinha de Amélia Rodrigues... e ela é fria, embora o sol apareça pálido por entre as nuvens que ainda passeiam de mãos dadas pelos céus nesta hora do ocaso. (E não é por acaso que recordo que a poesia em Amélia Rodrigues é eterna!).
Gosto de sentir essa brisa cálida, essa frieza crepuscular a qual me enche o peito de nostalgias fazendo-me lembrar de coisas passadas... Tantas coisas maravilhosas! E quantas!! Acho graça quando ela sopra nos meus cabelos loucos e esvoaçantes, enchendo-os de poeira e despenteando-os... Tenho a impressão de que os meus cabelos são as “velas dos barco dos meus pensamentos”...
... e elas estão abertas... estou em alto-mar...
... e sonho!
A luz frouxa e suave do ocaso ilumina tardiamente o meu semblante. Onde estará o meu avô, Manoel Bahia, nestes instantes? Em que janela?... Em que varanda?...
Nestes instantes de paz recordo do seu semblante puro e simples, sorrindo dos casos gozados desta vida e dos seus braços e abraços tão meigos dados à minha mãe, Ana Bahia Menezes, e também no meu tio, Lilito Bahia, numa emoção descontraída e doce. Mas, onde estará meu avô nesses instantes? Em que avarandado se esconde?
Estou aqui... sozinho, pensativo e envolto em luz, pela luz deste lusco-fusco que lembra, melancolicamente, a presença alegre do meu avô nestes instantes harmoniosos de pássaros e cigarras “à la Manoel Bandeira”, numa melodia inesquecível que é soprada pelo vento e levada na poeira das ruas descalças de Amélia Rodrigues.
A tristeza habita os meus olhos verdes e sonhadores... Lembro-me da ternura dos olhos do meu avô, abençoando-nos, num olhar carinhoso de avô e de pai. O meu olhar se perde distraído olhando, sem querer, nas folhas caídas as quais enfeitam esta paisagem útil...
Os pássaros anda fazem dueto com as cigarras e essa música subtonada me envolve num delírio letal que tenho vontades de jogar-me do último andar do edifício só para sentir aquela alegria patológica e ícara que envolve os cérebros dos loucos e dos poetas, aromatizando o espaço e me fazendo ficar acéfalo!
“A vida é uma coisa maravilhosa!”... a minha Mãe, Ana Bahia Menezes, sempre me fala que o meu avô dizia esta frase todos os dias...
Nessas horas, no peito o coração pulsa forte e acelerado numa emoção descontrolada, e ouço canções de felicidades cantadas por lábios antigos, todavia adolescentes e doces, tal a melodia triste desta tarde de verão e vejo nos versos saudosos escritos ainda no século XVIII a pureza das nossas Almas refletidas:
“? A donde ira veloz e fatigada
La golondrina que de aqui se va?
! Oh! Si em El viento se hallará extraviada
Buscando abrigo y no ló encontrará
Junto a mi lecho le prondré s unido
Em donde pueda la estación pasar
También yo estoy em la región perdido
! Oh cielo santo Y sin poder volar
Giré tu canto! Oh tierna golondrina!
Recordaré mi pátria y lloraré.”
(LA GOLONDRINA – 1860)
E não é por acaso que ao escutar esta música saudosa eu recordo do meu avô, Dr. Manoel Bahia, nestas horas infinitas em que as palavras e os sentimentos por mais profundos que sejam não têm o menor significado... Lembro-me do seu semblante sereno debruçado nas janelas do “CHALLET ANNA E LILITO” a tomar o seu cafezinho e a bater papo com a Dona Ilô. Ah!... tardes inesquecíveis! Meus olhos derramam lágrimas bestas de saudades!
Na praça principal da então cidade de Amélia Rodrigues, antiga Lapa, outrora ainda conhecida como Villa de Traripe, pedaço da Estrada das Boiadas, hoje o Kilômetro 80 da atual BR 324 que liga a cidade de Salvador à Feira de Santana, a beleza e a ternura persistem e insistem em ser – para sempre e sempre – a Vânia e a Vera Bacelar, mostrando-se preguiçosas e inocentemente nas suas camisolas curtas dos tempos de criança... dos tempos de bonança... porque, quanto mais criança, mais poesia!!
O tempo passa... a tarde vai se exaurindo sonora e fresca...
É DE TARDINHA
O VENTO SOPRA
E LÁ PRÁS BANDAS DO OCIDENTE
ABRE-SE UMA PORTA TODA DE OURO!
... a harmonia e a voluptuosidade da tarde vão osculando as pétalas das rosas e girassóis em frente à Igreja – toda branca – que lembro do terno de linho branco do meu avô, Manoel Bahia, que a Dona Ilô sempre cuidava de manter sempre engomado e logo depois que o meu avô o vestia, parecia estar envolto num manto ou alva espiritual que o iluminava e o abençoava mais e mais. Mesmo sem o conhecer fisicamente, só espiritualmente, o admiro porque soube conservar-se, tanto na vida como na morte, sempre íntegro e imaculado, tal os lírios que ate hoje florescem a beira do caminho que leva à “Fonte dos Homens”, lá do outro lado do Posto TEXACO, uma das saídas da cidade... soube conservar-se menino, homem e inspiração para esta crônica de fim de tarde quando o vento sopra nos telhados antigos das casas uma canção de amor não identificada!
O meu avô, Dr. Manoel Bahia, o célebre Dr. Bahia... eu o absorvo e o contemplo e forma de brisa, agitando-me os cabelos, cobrindo com amor a minha face de eterna criança. Meu avô, em forma de silêncio fazendo aflorar nos meus lábios tímidos, idênticos ao dele, um sorriso de paz... meu avô, com toda a sua ausência contida e gravada na minha memória, na minha saudade, transformando-me nesta pessoa boa e simples que sou, tornando-me ainda mais puro que os meus próprios sonhos! Hoje o agradeço, porém, num talvez, nem minha mãe tampouco o meu tio Lilito irão entender absolutamente nada desta crônica!
Espiritualmente eu e o meu avô somos a mesma pessoa, em épocas e corpos diferentes, mas numa só Alma!
Aos espíritas são dispensados quaisquer argumentos, pelo conhecimento que têm do necessário retorno e da multiplicidade das vidas!
Quão bom que é podermos retornar ao futuro, com a experiência vivida das nossas vidas passadas!
... e eu seguirei caminhando absorto a sonhar!
... e vou... vou beijando esta brisa fria que me oferece os lábios açucarados e cálidos de tanta bobagem escrita nesta crônica... significadas na solidão, na incerteza, enquanto é chegada a Hora do Ângelus e os sinos tocam as seis baladas da Ave Maria enquanto os meus lábios sorriem e os olhos choram de pura felicidade!... e eu vou nesta saudade a qual me asfixia a Alma fazendo brotar em mim aquelas recordações antigas (tão maravilhosas!) que pego do lenço para enxugar as lágrimas que distraidamente enfeitam o meu rosto...
Lágrimas sentidas de uma felicidade passada
Pelo meu avô, Dr. Manoel Bahia, que se foi,
Assim como vai o vento...
Sem nos deixar nenhum consolo
nenhum alento...
simplesmente foi...
E lá para as bandas do CHALLET ANNA E LILITO o clarim o silêncio toca a música melancólica do “Silêncio”, infundindo tons de solenidades nesta hora póstuma, pois o sol também morre, agoniza lentamente, numa morte solene e justa quando podemos ver o seu sorriso ainda grandioso ainda em forma de raios de luz mortiços que ainda teimam iluminar os telhados poéticos da cidade de Amélia Rodrigues... Então, receosos, os fifós são seguros por pulsos trêmulos e envelhecidos das velhas beatas, as quais cruzam os dedos nervosos nas contas dos terços gastos e ensebados do tempo, balbuciando preces e benzendo-se com devoção.
Na cidade de Amélia Rodrigues tudo são saudades e a brisa que sopra é ainda mais fria e aconchegante. Em frente ao “CHALLET ANNA E LILITO” a lua ameaça surgir tal perola de prata enquanto acima da minha cabeça as estrelas piscam sorrindo de felicidades por entre as nuvens ligeiras que passam...
... iguais aos meus sonhos!
... e as estrelas piscam matreiras e sorriem iguais aos olhos do meu avô, enquanto que os meus, verdes e teimosos, persistem em vê-lo...
... em vê-lo uma vez mais!