BILHETE AO NILTO MACIEL, SOBRE O PAULO GARCEZ DE SENA E JOSÉ ALCIDES PINTO.
TADEU BAHIA - Autor
“A literatura se forja é na palavra, instrumento de expressão singularíssima do ser, ampliada no contexto cultural, político, social e econômico em que o homem se revela, por que sem o homem, a literatura seria somente Deus.”
(PAULO GARCEZ DE SENA, em 04.08.1983)
Conheci o José Alcides Pinto, literariamente, na década de 1970, através do poeta, escritor e compositor baiano Paulo Garcez de Sena que já era amigo do Caetano Veloso e também seu ilustre vizinho no bairro intelectual do Nazaré, localizado em Salvador/BAHIA, por sinal o mesmo bairro em que eu nasci. Antes mesmo do final da década de 1960 o Paulo Garcez de Sena já conhecia o Caetano que tinha vindo de Santo Amaro da Purificação/BA para estudar Filosofia na Universidade Federal da Bahia-UFBA, ficaram cúmplices e amigos através da poesia e logo pela música, cada qual tomando o seu rumo individualizado anos depois.
O Paulo Garcez escreveu um poema bonito intitulado “Bilhete para o Caetano Veloso” e em seguida lhe dedicou outro, denominado “Flor de Lácio”, que foi musicada pelo Walmir Rocha Palma, o Bobe, naquela ocasião. Tempos depois compôs para os concretistas Augusto e Haroldo de Campos a letra “Flor do Lasso”, embora tenha um poema homônimo nas páginas 23 do livro Escritura da Palavra & do Som como se fosse da sua autoria, mas não é. O seu verdadeiro autor é o seu irmão gêmeo Pedro Augusto Garcez de Sena. A letra acima que foi dedicada aos irmãos concretistas, também foi musicada pelo Walmir Rocha Palma. Muitas vezes ouvi o Paulo Garcez cantando as suas músicas, algumas de melodias tristes, com a sua voz rouquenha e grave, às vezes sozinho, ou das outras vezes acompanhado pelo nosso amigo comum, Walmir Rocha Palma, ao violão. Uma das suas melodias mais tristes e que há mais de trinta anos não me sai da memória é “Minha Morada”, sempre a escuto, cantada pelo Paulo Garcez de Sena, até hoje, no meu subconsciente.
Nascido na madrugada de 05 de julho de 1942 em Salvador, na Bahia, na pia batismal recebeu o nome pomposo e solene de Paulo Augusto Garcez de Sena, todavia conhecido e reconhecido no mundo literário, cultural, boêmio e artístico como o poeta e intelectual Paulo Garcez de Sena. Dizem que perto da época de nascer, causou tal tumulto no Céu que conseguiu “furar a fila” e nascer um mês e dois dias antes do próprio Caetano Veloso!
Conhecemo-nos através das páginas literárias dos jornais da cidade, a exemplo de: A TARDE, JORNAL DA BAHIA, DIÁRIO DE NOTÍCIAS etc. No final da década de 1960, reunimo-nos logo depois na mesma plêiade de novos poetas que estreavam os seus primeiros versos na saudosa página cultural “OS JOVENS PEDEM PASSAGEM”, do hoje extinto, e naquele período então perseguido, JORNAL DA BAHIA, considerado naquela época o próprio baluarte da “imprensa marrom”, por combater abertamente a Ditadura Militar e também o próprio prefeito de Salvador que naquela época tão dignamente a representava, o inesquecível, querido e sempre lembrado Dr. Antônio Carlos Magalhães.
Não éramos comunistas, nunca o fomos, éramos livres pensadores, românticos, abusados e considerados intoleráveis e intragáveis pela crítica burguesa oficializada justamente por sermos poetas e não aceitarmos imposições ou críticas de quaisquer naturezas. Mas não éramos chatos... O Paulo Garcez de Sena sempre dizia que: “chato é aquele bichinho que dá nos colhões!”.
Foram revelados excelentes poetas e poetisas naquela época, entre 1968 até 1978: ALMA’ndrade, Antônio José Moura, Paulo Garcez de Sena, Nailson Chaves, João Augusto de Oliveira Pinto, Paulo Roberto de Souza, Carlos Pitta, Ivan Dórea Soares, Eisenhower Souza Correia, Tadeu Bahia, Gracinha Sales, Paulo Roberto de Souza, Dirceu Régis, Quaresma, ainda o Geraldo Pita, Abinael Moraes Leal, Derval Gramacho, Antônio Short, Douglas Almeida, Fernando Antônio Pinto, Coubert São Paulo, Luiz Fernando Dórea Hupsel de Oliveira, Mônica Farias, Maíra Pondé de Sena, José Antônio C. Cajazeira, Jorge Portugal, Francisco J. Bina, Ametista Nunes, Wellington Ribeiro, Geraldo Vasconcelos de Jesus, Pedro Braga Filho, Luiz Garcez de Sena e Pedro Augusto Garcez de Sena, estes últimos irmãos do poeta Paulo Garcez de Sena, Luiz Ademir Souza, Mabel Velloso, Claudionora Rocha, José Eduardo Tannure, Mário Carvalho Jr., Valter Demétrio, Ruy Fernando Salles, o velho amigo Damário Cruz, Helson Ramos, Raimundo Marinho dos Santos, entre outros. Todavia, por ser um pouco mais velho que todos nós, andar sempre com a cabeleira imensa e romântica totalmente despenteada, a barba tostoiana sempre por fazer e com o espírito sempre explodindo em versos loucos e maravilhosos, o Paulo Garcez de Sena se destacava sempre dos demais pelo seu gênio e ímpeto arrebatadores.
O Paulo Garcez de Sena nunca conseguiu publicar um livro individual na Bahia, nem em vida nem depois de morto, embora fosse Salvador a cidade que mais amava desbragadamente. De nada adiantaram as suas ardentes e doentias peregrinações aos órgãos estaduais de cultura da Bahia, à cata de patrocinadores ou mecenas, para publicação dos seus contos, ensaios literários, letras musicais ou livros de poesias. O poder oficial dito intelectualizado da Bahia de então sempre lhe negou – e até hoje nega – publicar os seus trabalhos literários, musicais e poéticos. A única ressalva que dou neste sentido é em favor da simpática escritora baiana Myrian Fraga que muito lutou em prol deste digno objetivo, reforçada pelos insistentes pedidos do irmão gêmeo do Paulo Garcez de Sena, o incansável Pedro Augusto Garcez de Sena, o querido “Papai Noel” de todos os Natais do Shopping Piedade, na Bahia! Quanto ao Paulo Garcez de Sena, enquanto vivo, mesmo trabalhando na então Fundação Cultural do Estado da Bahia, nem mesmo assim não conseguiu ver os seus trabalhos em letra de forma.
Amargurado com a Bahia e com os baianos, só conseguiu ser indiretamente publicado na sua terra através de uma Antologia Poética, ‘OS JOVENS PEDEM PASSAGEM’, lançada num dia de sábado às 09.00 horas da manhã, na redação do ex-JORNAL DA BAHIA, em 06 de abril de 1974, que foi prefaciada pelo nosso amigo comum, Jorge Amado. Por ser uma publicação patrocinada pelo ex-DESC, antigo órgão cultural ligado ao Governo do Estado da Bahia daquela época, ainda respirando os ranços da Ditadura Militar, tivemos quase 70% dos nossos textos censurados, mesmo assim, os 30% por cento que foram publicados fizeram-nos história! Fizemo-nos conhecidos naquela época medieval para a literatura, as artes plásticas, a música e principalmente para a poesia!
Ainda nesta mesma época o Antônio Loureiro de Souza, jornalista, professor e intelectual baiano, nascido em 13 de junho de 1913 e falecido no final de abril de 1989, pertencente à Academia de Letras da Bahia onde ocupava a cadeira nº 07, que naquela época sucedeu ao professor Jayme Junqueira Aires, no ano de 1974 publicou um artigo de destaque no jornal A TARDE, enaltecendo a poesia dos novos poetas baianos, que guardo até hoje no meio dos meus alfarrábios antigos, de onde transcrevo um pequeno trecho, onde o Antônio Loureiro de Souza assim se expressa:
“De um deles – Paulo Garcez de Sena – já falei mais longamente, analisando-lhe a poesia espontânea, clara, vibrante, onde se mesclam, às vezes, desejo e angústia, bondade e paixão irrevelada... E quem sabe? Como nos mistérios maçônicos, os hoje aprendizes poderão ser, no futuro, os mestres que orientarão os jovens dedos que surjam, nesse processo inelutável da vida no seu eterno desdobramento.”
Recordo também do “Grupo MONOPO – Movimento dos Novos Poetas”, criado no ano de 1973 em Salvador – Bahia, que promoveu num dia de domingo, exatamente em 07 de abril de 1974, a exposição, divulgação e a venda dos exemplares da nossa antologia OS JOVENS PEDEM PASSAGEM na “Feira da Poesia”, acontecida na Praça da Piedade, na barraca do “Grêmio Brasileiro dos Trovadores”, ao preço módico de Cr$ 10,00 (dez cruzeiros). O MONOPO tinha publicado até aquela ocasião, os livros: LAVAGEM CEREBRAL, do Valter Demétrio, SANGUE AZUL do Helson Ramos e ESTRELAS DO MEU CAMINHO do Dirceu Régis. Eles editavam também a REVISTA MONOPO, vendida a Cr$ 2,00 (dois cruzeiros). Este grupo tinha o objetivo de dar apoio aos poetas emergentes, divulgando os seus trabalhos literários e acima de tudo dando forças a quaisquer movimentos que surgissem na área da poesia, objetivando acabar com as “igrejinhas culturais” fodidas onde abundavam e deambulavam poetas medíocres e obscuros que eram acobertados pelo então governo ditatorial do estado da Bahia.
Sobre o Paulo Garcez de Sena, o mesmo foi publicado no Ceará, no ano de 1977, através do livro intitulado “QUEDA DE BRAÇO – UMA ANTOLOGIA DO CONTO MARGINAL”, organizada pelo Nilto Maciel e Glauco Mattoso, que foi um grande sucesso nacional naquele época, sendo o Paulo Garcez de Sena o único baiano a participar daquela Antologia. Ao Nilto Maciel é dedicado este trabalho, extensivo ao Glauco Mattoso, Manoel Coelho Raposo e José Alcides Pinto porque foi este quarteto de poetas do Ceará, juntamente com os demais componentes de O SACO, na década de 1980, que conseguiram trazer um pouco de luz e felicidade ao espírito cansado do velho e querido guerreiro, inesquecível amigo e poeta, Paulo Garcez de Sena.
Retornando aos idos da década de 1960, prelúdio futurístico do que viria a ser a década iluminada de 1970, imerso naquele caleidoscópio cultural de então, respirando as loas do Tropicalismo ora nascente na loucura maravilhosamente lúcida do Tonzé, Capinan, Rogério Duarte, Torquato Neto, Gil e Caetano, seguíamos adiante com a nossa teimosia poética, rompendo cânones, desrespeitando a ordem pré-estabelecida, buscando atingir novas metas para as nossas inspirações românticas e incendiárias.
O cineasta baiano, natural de Vitória da Conquista, Glauber Pedro de Andrade Rocha, (14.03.1939 – 22.08.1981), mais conhecido por Glauber Rocha, vociferava no fazer cinema, querendo ser mais macho que o meu tio Alexandre Robatto Filho, o verdadeiro criador do Cinema na Bahia! Quando do início da década de 1960 era lançado o Barravento, do Glauber, eu sorria dele ao assistir a película do meu tio Robatto Entre o Mar e o Tendal, lançado nos anos 1950 que era tal e qual!
Segundo o jornalista, escritor e poeta baiano João Carlos Teixeira Gomes, no seu maravilhoso livro Glauber Rocha esse vulcão, publicado pela Editora Nova Fronteira em 1997, nas páginas 49, o mesmo pontifica: “O cinema baiano tinha um pioneiro na figura de Alexandre Robatto Filho, um homem empreendedor, produtor de documentários, e Glauber chegou a pedir-lhe emprestado os equipamentos para iniciar as filmagens de Barravento, mas acabaram rompendo relações e o empréstimo não se viabilizou. O filme, sem dúvida, seguia um percurso acidentado, nascendo sob o signo de inúmeras discórdias”.
O Glauber Rocha lançou o seu filme Barravento no dia 28 de maio de 1962, numa avant-première acontecida no Cine Capri, uma das melhores salas de cinema localizada no centro da cidade do Salvador. Logo em seguida também o lançou no Cine Jandaia, situado em pleno coração comercial da Baixa dos Sapateiros, que naquela época tinha a capacidade para abrigar até 2.200 pessoas. Todavia, o lançamento oficial de Barravento foi de fato no Cine Capri, considerado cinema de alto luxo, sendo o jovem cineasta aplaudido entusiasticamente de pé ao acabar a seção. Controvertido e irreverente segundo a crítica, antipático para muitos, subversivo e anarquista segundo a Ditadura Militar de então, para mim que o conheci também de perto, o achava muito boçal, e, sobretudo, muito mal agradecido e mal-educado.
Alguém do meio cinéfilo na Bahia já imaginou se o filme Barravento fosse todo rodado e finalizado pelo Luiz Paulino dos Santos? Mas aconteceu todo aquele arrazoado na época, enfocando a ciumeira e a fuxicaria dos participantes do filme junto ao Glauber Rocha, pelo fato do Luiz Paulino estar namorando a Sônia Pereira. Com tanta mulher bonita e gostosa na Bahia, alguém diria que os corações dos dois se direcionaram numa só paixão. O Luiz Paulino ganhou a mulher e perdeu o filme. O Glauber Rocha ganhou o filme e perdeu o amigo.
Segundo o biógrafo e poeta João Carlos Teixeira Gomes, o querido JOCA do nosso velho Jornal da Bahia, o Glauber Rocha “...nunca assimilou os problemas que teve com Luis Paulino dos Santos por causa das filmagens de Barravento e sempre fez questão de frisar que o filme era mais do amigo do que propriamente seu.” (Vide NOTAS , 21, do livro Glauber Rocha esse vulcão, páginas 84).
Acredito que o cinema na Bahia perdeu muito com a demissão do Luiz Paulino dos Santos à frente do Barravento, ele que era o seu diretor bem como autor do roteiro original da obra. No meu entender, creio que o Luiz Paulino dos Santos se acomodou naquela ocasião, faltou-lhe fibra e coragem para a luta. Ele simplesmente desapareceu de cena, sem reagir à altura aos ataques histéricos e os conhecidos faniquitos do Glauber Rocha. Não devemos nunca esmorecer. O Luiz Paulino dos Santos teve tempo bastante para reagir e se tornar o verdadeiro baluarte do Cinema na Bahia e no Brasil. A simples aceitação da demissão do cast do Barravento, de maneira silenciosa e sem reação, ofuscou o brilho do efetivo sucesso que o aguardava no futuro próximo - que ele não conseguiu mais alcançar.
Ainda mais naquele período de gestação do que viria a ser conhecido como Cinema Novo, quando o Glauber Rocha ainda engatinhava e aprendia a fazer aquilo que ele próprio chamava de “cynema”, enquanto o meu tio Alexandre Robatto Filho, com toda a sua paciência, cultura e sabedoria, já estava próximo das suas aposentadorias de cineasta, professor universitário, cirurgião dentista, artista plástico e romancista nas ruas românticas, preguiçosas e enladeiradas da Bahia, passando os seus finais de semanas em papos descontraídos e amigáveis com os casais Zélia e Jorge Amado, Lia e Sílvio Robatto, Tadeu Bahia e Bethina Robatto com as suas pinturas maravilhosas, sempre na companhia da minha tia Stela Robatto, às vezes do Carybé e do antes a tudo anjo barroco Carlinhos Bastos.
Quem não tinha hora para chegar era o Mário Cravo Jr., aparecia a qualquer hora, não importando o dia da semana, com o seu bigode ancestral e bonito, na casa de praia do meu tio Alexandre Robatto Filho, localizada no bairro ensolarado da Pituba, em Salvador, onde tinha um “Galo Vermelho” de ferro na entrada, criado pelo próprio Mário Cravo Jr. Enquanto isso o Glauber Rocha seguia a sua vida agitada, viajando por todos os continentes na busca das suas glórias, infelizmente com aquela natureza chata e irritadiça, à distância o meu tio Alexandre Robatto Filho o abençoava assim mesmo, com o seu sorriso manso e pacífico de Sabedoria!
Assim era a Bahia intelectualizada de então, que travava um embate cultural renhido entre os novos poetas, compositores e escritores que se lançavam num pretenso e rumoroso estrelato, combatendo e ao mesmo tempo absorvendo os conceitos arraigados de uma cultura sobejamente rica e diversificada, composta por nomes notáveis de grande saber na área do romance, da poesia, das artes plásticas, do cinema, da pesquisa histórica, da escultura, da arqueologia, da fotografia, da música e da dança em terras baianas, onde encontrávamos os nomes notáveis do inominável tio Alexandre Robatto Filho, adjetivado pelo próprio escritor Jorge Amado como “O Homem de Sete Instrumentos!”, o inesquecível conselheiro, amigo e poeta Dr. Hélio Simões, Consuelo Pondé de Sena, Luís Viana Filho, Luiz Henrique Dias Tavares, Mário Cravo Jr., Genaro de Carvalho e os seus tapetes maravilhosos, o indefectível Carybé, Carlinhos Bastos; o meu professor de História da Arte I e II na Escola de Belas Artes da UFBA o Carlos Eduardo da Rocha; o primo Sílvio Robatto, Antônio Pitanga, Mirabeau Sampaio, Hildegardes Viana, Jorge Amado, a minha linda e maravilhosa Lia Robatto, o sempre citado mestre João Carlos Teixeira Gomes e mais outros notáveis que citarei mais adiante.
Faço o especial e merecido destaque à querida prima Sônia Robatto com a sua “SOCIEDADE TEATRO DOS NOVOS”, composta por Othon Bastos, Carlos Petrovich, Echio Reis, Thereza Sá, Carmen Bittencourt que liderados pelo professor João Augusto criaram o TEATRO VILA VELHA no ano de 1964, que foi inaugurado com o espetáculo musical “NÓS POR EXEMPLO” composto pelos iniciantes e até então desconhecidos: Antônio José Santana Martins, o Tom Zé, aquele louco maravilhoso que até hoje manda a gente “tomar no fiofó!”; Caetano Emanuel Vianna Telles Velloso, (o Caetano ainda escrevia o Veloso com dois “ll”s!); Maria da Graça Costa Penna Burgos; Maria Bethânia Vianna Telles Velloso e Gilberto Passos Gil Moreira.
Lembro que em certa tarde saudosa de sábado, quando estava com a minha amada e querida Lala Velloso na sua residência barroca no bairro do Tororó, que no Século XXI ainda vive mergulhado na nostalgia romântica dos anos 1950, localizado em pleno coração da cidade do Salvador, a sua mãe Mabel Velloso me falou que “... o único que tinha dado certo na família tinha sido o Caetano, que escrevia Veloso com um “l” só”!
Sobre o Caetano Veloso, me recordo das duas vezes em que fui lhe pedir autógrafo: na primeira vez foi no término de um show que ele fez na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, em Salvador/BA, no início da década de 1970 e o Moreno Veloso era ainda tão pequenininho que tive que carregá-lo nos braços por causa do tumulto que se estabeleceu no término do show, quando, nos bastidores, fui pedir um autógrafo ao Caetano e ele fechou a cara para mim e muito zangado, falou: “_Não dou autógrafo para Homens!”... e não me deu mesmo! Saí da Concha Acústica frustrado, triste, e hoje, apesar de passados mais de trinta anos daquele show inesquecível, ainda guardo comigo o ingresso amarelo e amassado, junto a panfletos com o retrato do Caetano que foram oferecidos à plateia durante o espetáculo.
Na segunda vez que fui pedir um autógrafo para o Caetano, aconteceu durante o lançamento da memorável Antologia Poética GRITOS D’ESTAMPADOS, da autoria das poetisas Mabel Velloso e Claudionora Rocha, no Convento da Palma, em Salvador/BA, exatamente no dia 14 de fevereiro do ano de 1984, antologia esta ilustrada pelo próprio Caetano Veloso. Estava na minha companhia o escritor e poeta baiano, jornalista Gilfrancisco dos Santos e a poucos metros o poeta e compositor santamarense Jorge Portugal, que nada percebeu, quando naquela ocasião eu havia comprado outro exemplar da citada antologia para oferecer ao querido amigo e poeta Paulo Garcez de Sena que estava ainda de ressaca da bebedeira da noite anterior no Mercado das Sete Portas, por isso não fora conosco ao lançamento, quando, aproximando-me do Caetano Veloso falei: “Caetano, preciso de um autógrafo seu!”... o Caetano foi mais frio e direto comigo, sem ao menos olhar para o meu rosto respondeu rispidamente, entre - dentes: “Não dou autógrafo a H O M E N S!”
Todavia, macaco velho e já conhecendo de antemão a natureza do Caetano Veloso, olhei para ele sorrindo e disse: “Não é para mim não, meu filho... é para o Paulo Garcez, seu amigo!”... ao que ele, desta vez, olhando bem dentro dos meus olhos verdes e respirando aliviado me respondeu bem calmo: “Ah... para Paulo Garcez eu dou!!”
E autografou a antologia poética GRITOS D’ESTAMPADOS, para o seu velho e querido amigo, Paulo Garcez de Sena!
De lá para cá, creio que para o resto da minha vida, nunca mais pedirei um autógrafo ao Caetano, aliás, como ele mesmo já por duas vezes me falou: “Não dou autógrafo a H O M E N S!”
Ponto Final!
Quero também recordar o nobre e sapientíssimo mestre Valentim Calderon de La Vara, que em meados da década de 1970 tomou um covarde e violento empurrão do cineasta Glauber Rocha, quando o mesmo, totalmente alucinado e fora de si, foi retirado das dependências do Museu de Arte Sacra da Bahia, acompanhado por policiais.
Segundo relatório fidedigno que me foi passado pelo meu velho amigo, o arqueólogo, historiador, escritor e poeta Ivan Dórea Soares, a coisa assim se deu:
“Glauber queria filmar uma cena de "A Idade da Terra" no interior da Igreja de Santa Tereza, inclusive, com Jece Valadão; apesar de previamente autorizada por Calderón, houve alguma discordância entre os dois; foi quando Glauber partiu para cima de Calderón, aos berros (Glauber parecia um louco recém-saído do hospício), ofendendo moralmente Calderón. Este exigiu respeito e Glauber lhe empurrou violentamente; aí, os seguranças do Museu correram para defender Calderón e a coisa ficou feia, muito feia mesmo. Calderón proibiu a cena e Glauber continuou a gritar alucinadamente. Jece Valadão (educadíssimo, um gentleman), foi conversar com Calderón e conseguiu acalmar a situação. Mas Glauber estava desvairado. Aí, Calderón acatou o conselho de Jece e foi tentar falar com Glauber, todavia, este só queria brigar, sendo contido pelos seguranças do Museu e pelos participantes do filme. Depois de muita confusão, de muitos palavrões do mais baixo calão de Glauber, Calderón foi à Delegacia e trouxe a Polícia. Glauber não foi preso não, mas a cena não foi filmada (pelo menos, naquele dia, não foi). A Polícia, a pedido de Calderón, impediu a filmagem e Glauber se retirou, lembro bem que saiu acompanhado pelos policiais.
No dia seguinte, os jornais publicaram tudo diferente do que aconteceu. Cada um mentia mais. Todos idolatravam Glauber. Idolatravam um desvairado, um cara estúpido. Recordo perfeitamente que Calderón ficou arrasado; afinal, ele era um homem de altíssimo e nobre caráter. E eu o conheci muito bem. Durante quase 15 anos, bebi na sabedoria e na dignidade dele. Se aprendi Arqueologia, devo tudo a ele e a Mário Simões (do Pará, onde fiz pós-graduação).
A história é esta. História com H maiúsculo. E eu vi tudo.”
(Correspondência Íntima entre IVAN DÓREA SOARES e TADEU BAHIA, em 31
Outubro de 2008 – SALVADOR – BAHIA).
Tivemos ainda o Gumercindo Rocha Dórea, (o querido Tio Guga dos irmãos Ivan e Walter Dórea Soares), José Carlos Capinan (cunhado do poeta e historiador Gilfrancisco dos Santos), Myrian Fraga, Thales de Azevedo, o Germano Machado que foi um dos principais orientadores e patrono cultural do futuro cineasta Glauber Rocha, através do CENTRO DE ESTUDOS PENSAMENTO E AÇÃO – CEPA, do qual também fiz parte, do final da década de 1970 até precisamente o ano de 1989.
Recordo do escritor Guido Guerra, cognominado na década de 1960 com o epíteto de “PAPAGAIO DEVASSO”; o compositor e amigo Fernando Lona que no início da década de 1970 era o engenheiro responsável pelas obras da atual Avenida Garibaldi, em Salvador/BA, ficando inclusive muito amigo do Meu Pai, quando aparecia na nossa casa com um violão bem bonito todo autografado; Maria da Conceição Paranhos, o reconhecido biógrafo gregorianista e jogralesco Fernando da Rocha Peres, Bule-Bule; o embaixador da CANTINA DA LUA, o indefectível e sorridente mestre Clarindo Silva; Gilfrancisco dos Santos, o poeta e escritor baiano Derval Gramacho, filho do também poeta sergipano Jair Gramacho; o saudoso e doce Batatinha que hoje é perpetuamente lembrado pelo compositor Jota Velloso, o alegre Riachão; o Bemvindo Sequeira que no período de 1975/1976 perambulava na Escola de Belas Artes da UFBA, juntamente com a Zizi Possi, ambos sempre de pés descalços; o também jogralesco Calazans Neto, a querida Nilda Spencer, Maria Sampaio, o cavalheiro e impecável Cláudio Veiga, o meu querido e neurótico maestro Carlos Lacerda, esposo da colega e amiga Irany Lacerda, o qual algumas vezes ensaiou o amigo Carlos Pitta, na antiga TV Itapoan - Canal 5, quando recém chegado de Feira de Santana, após ser aprovado no vestibular de Música e Artes Cênicas pela UFBA, em 1975, deu impulso na sua carreira musical em Salvador – Bahia, ao participar de Festivais da Canção daquele canal televisivo, logrando o 1º. Lugar com a música “O TROPEIRO”, da autoria do nosso amigo comum, o poeta ameliense Fernando Antônio Pinto da Silva.
Não me canso de mencionar o arqueólogo, poeta e historiador baiano Ivan Dórea Câncio Soares, cujas raízes genealógicas estão plantadas nas terras de São Jorge dos Ilhéus, no sul da Bahia, onde em Ferradas nasceu o escritor Jorge Amado, região cantada e decantada por este escritor grapiúna através do livro do mesmo nome, lançado, acredito pela Editora MARTINS em 1944; o próprio irmão do Ivan Dórea Soares, o reconhecido educador e mestre Walter Dórea Câncio Soares; o poeta e escritor Antônio Ramos Feirense; o Outran Borges que foi meu ex-professor de Biologia no antigo Colégio Estadual de Feira de Santana e que naquela época cursava Medicina na UFBA; o Dival da Silva Pitombo, este último velho amigo da minha mãe Ana Bahia Menezes desde os tempos adolescentes e quem prefaciou o meu segundo livro de poesias; cito ainda o escritor, cronista e cidadão itaparicano João Ubaldo Ribeiro, cujas crônicas leio no jornal A TARDE, em dias de domingo.
Nunca poderia me esquecer de lembrar do meu querido amigo Manoel Christo Planzo e aquelas haves inesquecíveis acontecidas no início da década de 1970, realizadas no seu apartamento nas noites de sábado, sob luzes estroboscópicas, som pauleira, bebidas, muitas mulheres, fog e poesias! Recordo que foi numa dessas haves muito loucas que fui apresentado ao então iniciante poeta e escritor baiano Luiz Ademir Souza, natural de Conceição do Almeida, interior da Bahia, que naquela época foi considerado o mais jovem best-seller pelo próprio Jorge Amado, por ter lançado ainda tão jovem o antológico romance PROSTITUTA VIRGEM, cujo exemplar guardo até hoje autografado na minha Biblioteca.
Naquelas haves do Manoel Christo Planzo também fui apresentado ao então fogoso e delirante estudante de Direito da UFBA, Joel Derivaldo de Almeida, no meio daquela monumental farra, imerso numa roda de cervejas, bem como ao inominável e competente artista-plástico baiano Guache Marques, então aluno da Escola de Belas Artes da UFBA, os quais junto com o Luiz Ademir Souza, para mim são três pessoas ímpares, dignas e maravilhosas que sempre guardarei no fundo do meu coração! Tivemos também o Edvaldo Boaventura, Godofredo Filho, o inesquecível e sempre lembrado amigo e intelectual Nilton Macedo Campos, Clóvis Amorim, entre outros tantos que a memória agora não recorda!
Na área da animação musical, festivais de rock na Bahia, quem não se recorda da figura simpática, comunicativa e sempre alegre do velho amigo e roqueiro Waldir Serrão, cognominado Big Ben, que animava e iluminava as tardes do antigo Cine Roma, em Salvador, na companhia do antigo grupo de rock Raulzito e Seus Panteras, naquela época liderado pelo ainda desconhecido Raul Seixas? Lembro que no início da década de 1990 fiz parte de um programa de rádio, gravado num dos canais de televisão da Bahia, em homenagem à memória do Raul Seixas, dirigido pelo Waldir Serrão, na companhia de dois dos componentes da banda do lendário roqueiro baiano, quando ainda guardo comigo as inúmeras fotografias tiradas por mim, na ocasião da gravação do citado programa.
O Paulo Garcez de Sena andava comigo no meio de muitos destes intelectuais acima citados, em conversas e colóquios animados, mesclados com douta sabedoria literária, cinematográfica, poética e musical, foi ainda o fundador do grupo “AREMBEPE”, tocando em inúmeros barzinhos e inferninhos nas noites e madrugadas soteropolitanas, para depois seguir com o mesmo em tournées nos estados do Rio de Janeiro, Ceará e encerrando sempre a sua apresentação perante os “notáveis fardados”, em Brasília.
O Paulo Garcez de Sena tinha amizade com o artista plástico argentino, depois naturalizado baiano, o Carybé, que uma vez ou outra aparecia nas nossas noitadas de sextas-feiras e sábados no Mercado das Sete Portas, em Salvador/Bahia, onde estavam eu e o Paulo Garcez, ambos entretidos com as putas e garrafas de cervejas e falávamos de desenhos, pinturas, quadros etc. que eram misturados a goles de conhaque barato ou da mais pura cachaça naquelas noites monumentais e febris, nunca esquecidas, alisando as coxas e pernas das putas de uma maneira romântica, sensual e querida.
Sob estado etílico público e notório, o que comumente conhecemos por embriagado, o poeta Paulo Garcez de Sena aparecia com um cigarro barato nos lábios, “cerrado” dos amigos ou comprado fiado nas barracas nauseabundas e poéticas do Mercado das Sete Portas, quando empunhava com maestria a sua caneta Bic e compunha versos desconcertantes, loucos e totalmente absurdos sob as luzes da lógica e os punha vivos e palpitantes nas folhas de papéis de embrulhos encontrados atoa por cima das mesas umedecidas de cachaça barata, sonhos, suor, orgasmo, esperma e poesias. Apresentamos a seguir uma destas peças desconexas e sem título a guisa de exemplo, mostrando o estado de ambivalência e desconexão patológica existentes no cérebro febril do poeta Paulo Garcez de Sena, que misturando comprimidos de “Valiun 10” aos goles suicidas de conhaque vagabundo, escrevia eloquentes peças literárias como esta:
“Se a dor chegar
Abra a porta devagar
Dê um tiro no revolver
E beba conhaque até morrer
Quando o dia amanhecia, eu me dirigia para a pequena cidade de Amélia Rodrigues e lá encontrava o escritor Clóvis Amorim, que fez parte com o próprio Jorge Amado e outros poetas da sua época da ACADEMIA DOS REBELDES. Hoje ainda o recordo com a sua cabeleira poeticamente esbranquiçada, caracterizando a sua vasta sabedoria literária. O Clóvis Amorim escrevia a sua elegia poética e romanesca às antigas usinas de cana de Santo Amaro da Purificação, algumas das quais atualmente pertencem ao recém-criado município de Amélia Rodrigues, (antiga Lapa, ex-Villa de Traripe, antes conhecida como Estrada das Boiadas), sendo o autor dos antológicos livros O ALAMBIQUE e CHÃO DE MASSAPÊ, nos quais narra sobre os velhos costumes e tradições da região santamarense e o seu passado rural colonial.
A criação do então município de Amélia Rodrigues, no Recôncavo da Bahia, se deu em razão da luta incansável do idealista e advogado Dr. Gervásio de Mattos Bacelar Dias, fidelíssimo conselheiro e amigo que conseguiu levá-la a bom termo. Na época da Ditadura Militar o acusavam de “comunista”. Para uma época de cultura escassa na antiga Lapa, hoje Amélia Rodrigues, por certo alguns analfabetos políticos queriam dizer que o Dr. Gervásio Bacelar era sim, um HUMANISTA!
Quanto ao Clóvis Amorim, sempre o encontrava religiosamente sentado às 17.30 horas, na porta da casa do Hugo Amorim, que a exemplo do Henrique Pavie e Ranulfo Maia, eram considerados os Vereadores Perpétuos do município de Amélia Rodrigues, a contar casos picantes inventados na hora, ou mesmo as suas mentiras engraçadas que eram tiradas dos seus romances, e assim, misturando personagens fictícias dos seus livros às personagens da vida real, o Clóvis Amorim criava aquele universo mágico espetacular que fez a escola romântica de literatura na Bahia, da qual também participava o Jorge Amado, de quem também era amigo e personagem vivo dos seus livros. Na companhia saudosa do Toninho do Pinum e da Dona Nina Amorim, também do Diógenes, eu curtia feliz aqueles momentos vespertinos de rara cultura e saber.
Enquanto todo este caldo intelectual fervilhava nas ruas, becos, vielas, janelas e ladeiras centenárias de Salvador e nas pequenas cidades do interior da Bahia, a imaginação do Paulo Garcez de Sena transbordava-se em rimas, em amores tardios, em traições poéticas e romanescas, em noites perdidas a fio escrevendo versos à namorada mais nova: Ana Verena, depois à Angélica, em seguida à Ana Virgínia ou mesmo à Iracema Villalba! Perdi inúmeras noites na companhia da poetisa Mônica Farias na beira da cama do poeta Paulo Garcez de Sena, na Rua Inácio Tosta 31, Bairro de Nazaré – Salvador – Bahia implorando, tentando demover pela milésima vez ao Paulo Garcez de Sena para que ele não praticasse o suicídio.
Falávamos com ele que apesar de ser do conhecimento público e notório que um poeta sempre morre de amores inúmeras vezes, não existiria um único e verdadeiro amor que lhe valesse a pena; que todas as mulheres passam e somente a POESIA fica! que dores de corno intelectualizado que se toca, se curam realmente com a cachaça dos bares fodidos das Sete Portas; que toda a mulher passa, mas somente a lembrança de uma boa trepada fica; que toda a vez que uma mulher gostosa se vai, o calor da sua bucêta sempre fica etc. Depois de ouvir todo o nosso arrazoado etílico-poético, o Paulo Garcez caía numa gostosa e sonora gargalhava e após tomarmos um gole de café frio, saíamos juntos sob a garoa fina das quatro horas da madrugada para os bares nostálgicos e de aspecto medieval do Mercado das Sete Portas, a fim de comemorarmos juntos mais uma “ressurreição garceziana”!
Numa dessas inúmeras “ressurreições”, sentado num tamborete vagabundo de bar no Mercado das Sete Portas, o Paulo Garcez de Sena mete uma das mãos pálidas e trêmulas no bolso da calça e de lá retira um papel amarelecido e machucado onde estava escrita uma poesia. Com os dedos flácidos e amarelecidos da nicotina, o poeta fecha um pouco os olhos por causa da fumaça do cigarro e diz que aquele poema foi escrito em homenagem à sua própria morte, em seguida, com a sua voz gutural, declama como se fosse para si mesmo, in memorian:
As minhas mãos
Irão para o caixão
Apodrecerão na terra
As minhas mãos
Com meus dedos épicos
Construíram civilizações
As minhas mãos
Esculpiram um colosso
Maior que o Rodes
As minhas mãos
Irão para o caixão
Com meus dedos épicos
As minhas mãos
Estas que escreveram poemas
Irão para o caixão
As minhas mãos
Em concha no peito
Um dia
As minhas mãos
Apodrecerão na terra.
Inúmeras foram às vezes em que o poeta e escritor Paulo Garcez de Sena reuniu os seus amigos mais chegados para se despedir, com os olhos molhados de lágrimas ardentes, anunciando mais uma vez o seu poético, demente e acalentado suicídio!
A busca patológica da publicação dos seus poemas, contos, músicas e ensaios poéticos aqui na Bahia não deu em nada. Convivi com o Paulo Garcez de Sena até os últimos anos de vida aqui na terra. Um fato que muito abateu a sua alma foi a venda, para uma imobiliária, da sua residência ancestral, a sua casa não onírica, a sua casa real, aquela mesma situada na Rua Inácio Tosta, 31 – Bairro do Nazaré – Salvador – Bahia, que depois de demolida deu lugar a um espaço vazio que hoje serve de garagem aos advogados e clientela que mourejam uníssonos na busca de uma pretensa justiça, enquanto que naquela época, sob as suas telhas seculares e marcadas pelo limo dos tempos, embalava-se o nosso poeta em seus sonhos e devaneios suicidas, os mais lindos!
No ano de 1983 ou 1984, faltando ainda mais de uma década para a sua morte, ocorrida em 1998, quase no final do século XX, o poeta Paulo Garcez de Sena me procurou mais uma vez, com os seus olhos brilhantes e extasiados de prazer, dizendo que ia para o Ceará para publicar o seu livro; que tinha conhecido Manoel Coelho Raposo, José Alcides Pinto, um tal de Nilto Maciel e outros “caras malucos” da revista literária O SACO; que iria publicar o seu livro de qualquer forma, pois o José Alcides Pinto tinha garantido escrever o prefácio, só faltava escolher o titulo, mas que depois ele iria ver isto. Que iria promover uma porção de tertúlias literárias em Fortaleza com o pessoal novo de lá e com os “meninos de O SACO” para divulgar a sua poesia; que queria uma porção de poemas dos amigos da Bahia a fim de publicá-los na revista O SACO. Que já tinha combinado com eles o lançamento de O SACO no Teatro Castro Alves, em Salvador-BAHIA e que tinha que tomar uma porção de caixas de “Valiun 10” para aguentar a onda. Imediatamente coloquei em suas mãos uma porção de poemas que fiz para a poetisa Mônica Farias, por quem eu estava naquela época loucamente apaixonado!
Não recordo onde me encontrava, se na cidade de Amélia Rodrigues, localidade romântica e bela do Recôncavo da Bahia, próxima a Santo Amaro da Purificação, ou mesmo em Salvador, quando tomei conhecimento através de ridícula e incipiente nota publicada em um jornal baiano, do lançamento do livro “ESCRITURA DA PALAVRA & DO SOM”, do poeta Paulo Garcez de Sena. A insipiência da nota valeu para a magnificência da obra, pois rejeitado/odiado e considerado maldito e maluco pela classe literária burguesa de Salvador – Bahia, o poeta Paulo Garcez explodia a sua poesia em terras estranhas, nas entranhas da Região Nordeste, no querido estado do Ceará, que o acolheu respeitosamente de braços abertos, confiando nas rimas translúcidas e eternas da sua poesia. Agora sim, o poeta Paulo Garcez de Sena entra em cena com a virilidade louca e selvagem da sua parafernália poética, incluindo a sua prosa de cunho socialista e letras musicais românticas, cheias de um transbordamento pueril, lembrando o toar dos antigos bardos da longínqua Era Medieval, com os seus alaúdes soando acordes até então indescritíveis.
Já não é um poeta desconhecido, trata-se de poeta laureado com publicação poética de nível e agora reconhecido pelo público e pela crítica. Elevam-se as loas para o poeta, as palavras bonitas, escolhidas a dedo e colocadas como portfólio nas páginas dos principais jornais da Bahia, que no passado o escoimavam. O Paulo Garcez de Sena salta do avião, no Aeroporto 02 de Julho, na Bahia, vindo do Ceará, como se fosse o próprio Paul Mc Cartney saltando da sua limusine branca nas portas do “Cavern Club”, em Londres, e logo vai se recolhendo ao seu refúgio, na Rua Inácio Tosta, 31 – bairro do Nazaré/Salvador-Bahia, quando vêm os repórteres de jornais e televisões entrevistá-lo, conhecer as suas doutas opiniões e cultas análises sobre o fazer poético e coisa e tal.
O poeta Paulo Garcez de Sena os saúda da janela com um copo de pinga nas mãos, dá-lhes um bom par de bananas e uma gostosa gargalhada, mandando-os todos à puta que o pariu, que fossem todos à merda! E o que seria uma entrevista com o “novo ícone da poesia baiana” se transformou numa monumental farra entremeada da mais pura cachaça, acompanhada do conhaque mais ordinário comprado fiado no Mercado das Sete Portas e ali arrodeado dos seus amigos mais chegados: Walmir Rocha Palma, o Bobe, Tadeu Bahia e Mônica Farias, Verônica e os seus olhos verdes iguais aos meus, Jadmaro Gomes de Santana, Mário de Carvalho Jr., do seu irmão gêmeo Pedro Garcez de Sena, quando fizemos ao mesmo a nossa homenagem etílico-poética - musical.
Porém, naquele mesmo momento, ocorreu uma pequena homenagem familiar, uma vez que estavam presentes além do seu irmão gêmeo Pedro Augusto Garcez de Sena, também as irmãs Jujú e Tereza Garcez e as duas sobrinhas que o Paulo Garcez mais adorava e idolatrava neste mundo: a doce e meiga Maíra Pondé de Sena e a tímida e sempre linda Maria Luíza Pondé de Sena, ambas as filhas da ilustre e reconhecida intelectual baiana, insigne historiadora e memorialista Consuelo Pondé de Sena com o seu marido, o reconhecido neurologista e psiquiatra baiano Dr. Plínio Garcez de Sena, que havia sido colega de turma na antiga Faculdade de Medicina da Bahia do Terreiro de Jesus, do futuro prefeito, governador e senador baiano Antônio Carlos Peixoto de Magalhães, o conhecido, amável, respeitável, abençoado e ante a tudo, segundo outros: perseguidor, crápula e temível ACM, dependendo tão somente do ângulo com que a própria HISTÓRIA o enquadra no cenário político, sociológico e memorialístico da Bahia.
Para os amigos e correligionários: o simpático, atencioso e afável Toninho Ternura; para os inimigos e aqueles que o escoimavam: o antipático, intratável e intragável Toninho Malvadeza!
O próprio Antônio Carlos Magalhães já se auto - definia ao falar:
“_PARA OS AMIGOS, TUDO... PARA OS INIMIGOS, A LEI!”
Segundo piada então corrente nas hostes do antigo MDB da cidade de Amélia Rodrigues, na efervescência dos anos 1970, quando pelos quatro cantos do Brasil ocorriam perseguições e torturas impostas aos brasileiros pelo Regime Militar, eu curtia entre gargalhadas monumentais na companhia do querido então estudante de medicina, o Pedro Américo de Brito Filho, bem como da sua mãe a Da. Celina Américo de Brito e outros amigos, o boato de que o Antônio Carlos Magalhães ficava chateado da vida ao saber que alguns dos seus desafetos políticos andavam espalhando por ai que ele seria parente ou primo distante do ex-governador e General Juracy Montenegro Magalhães, que havia governado o estado da Bahia no período de 07 de abril de 1959 até 07 de abril de 1963.
Todavia, se não tivesse existido o Antônio Carlos Magalhães, provavelmente a Bahia ainda estaria antes da Idade da Pedra da sua própria e inexorável História!
Recordo-me que estando presente ao velório do Dr. Clériston Andrade, então candidato ao governo da Bahia, nas eleições que estavam prestes a acontecer, este candidato juntamente com outros políticos e empresários vieram todos a falecer na década de 1980, vítimas de um acidente de helicóptero, ocasião em que o Luiz Eduardo Magalhães desistiu de entrar naquela mesma aeronave, poupando em apenas alguns anos a sua preciosa vida. Naquela ocasião do velório, mais ou menos lá pelas duas e meia da madrugada, um grupo de jornalistas perguntou ao Antônio Carlos Magalhães se ele já havia escolhido um novo nome para substituir o do Dr. Clériston Andrade, quando o ACM lhes respondeu: “... sim vai ser o senhor João Durval Carneiro, um dentista de Feira de Santana, mas poderia ser, se eu quiser, até um poste de iluminação pública do Pelourinho”!
Era assim o Antônio Carlos Magalhães que eu conheci: entre o sarcástico e o hilário, o amigo prestativo e suave capaz de gestos os mais magnânimos, humanos e inacreditáveis; o cristão abnegado que percorria a pé todos os anos os oito kilômetros entre a Igreja de Conceição da Praia até a Igreja do Bonfim, literalmente nos braços do povo baiano; aquele mesmo guerreiro voraz, política e sociologicamente debochado - cínico - ao defender com garra sobre-humana e quase patológica os destinos do estado da Bahia; aquele mesmo que com gestos de autoritarismo e prepotência soltou os cachorros da Polícia Militar baiana, criados com Biotônico Fontoura e Toddy, contra o saudoso Ulisses Guimarães, quando bem próximo a este Ícone da Democracia estava eu, o poeta Tadeu Bahia que ora vos narra este pedacinho magnífico da nossa história.
Antônio Carlos Magalhães - o ACM, aquele mesmo gigante que se quedava inerte e bobo ante aos sorrisos mansos, pacíficos e abençoados da Da. Canozinha Velloso ou da Irmã Dulce, quando ambas com aquelas vozezinhas sumidas, gostosas e doces pediam ao ACM um modesto adjutório para os pobrezinhos de Santo Amaro, ou uma pequena ajuda para recuperar o telhado do Hospital Santo Antônio! Antônio Carlos Magalhães era ao mesmo tempo o crápula, o intolerante, o político autoritário, tirânico e por outro lado o líder carismático, querido e abençoado Pai, protetor perpétuo e sempre querido de quase todos os baianos, sempre homenageado pelo bloco de afoxé FILHOS DE GANDI, nos carnavais barrocos e seculares da Bahia!
Recordo-me ainda das perseguições movidas pelo Antônio Carlos Magalhães ao ex - Jornal da Bahia e da luta hercúlea de todos nós, tanto funcionários como modestos colaboradores, bem como estudantes iguais a mim que se perfilaram na defesa daquele momento histórico não só para o jornalismo baiano, mas do próprio jornalismo a nível internacional. O querido mestre João Carlos Teixeira Gomes e o jornalista João Falcão já eternizaram nos seus livros esta parte importante da história da Imprensa Brasileira. Naquela época, ficou famoso um ex-prefeito imbecil da cidade de Amélia Rodrigues que sendo um servil capacho do ACM, proibiu que exemplares do ex - Jornal da Bahia fossem vendidos na cidade, em especial as edições de sábado, quando sentávamos o cacete à vontade no saudoso Antônio Carlos Magalhães, tanto em prosa como em verso!
O interessante é notar que esse ex-prefeito era analfabeto...
Conta-se ainda que por ocasião de um SEMINÁRIO a ser promovido pelo então MDB, que seria realizado no aprazível bairro da Pituba, que na década de 1970 ainda tinha as suas ruas sem calçamento, onde afundávamos os nossos pés gostosamente nas areias da praia, ao chegar às vésperas do citado encontro político, o então prefeito Antônio Carlos Magalhães determinou aos seus correligionários para que saíssem na calada da noite para o bairro da Pituba e efetuassem as trocas das placas das ruas, a fim de confundir os políticos que vinham em grande quantidade de outros estados e de cidades do interior, para participarem do mencionado SEMINÁRIO.
Assim foi feito... Quando na noite seguinte, chegando quase na hora de iniciar o evento, foram encontrados grupos e grupos políticos do ex-MDB atônitos, angustiados e desesperados, tentando encontrar o endereço correto do malfadado encontro político, o qual, no meio do total desencontro e da confusão geral, não aconteceu.
Na hora ápice do tumulto que se estabeleceu no bairro da Pituba, conta-se que um dos moradores vinha saindo com um fusquinha vinho da garagem da sua casa; como era um senhor de idade certamente deveria conhecer as ruas do bairro, quando grupos de paulistas, curitibanos e catarinenses se aproximaram deste senhor e o perguntaram se ele conhecia onde era a rua que ficava situada a sede do MDB, onde iria haver um SEMINÁRIO... Então, aquele respeitável senhor, com um sorriso manso nos lábios lhes respondeu: “_Não sei meus filhos... eu estou indo ao Terreiro do Ylê Apon Afonjá!”
Aquele senhor de sorriso manso nos lábios era o OBÁ DE XANGÔ, o meu tio Alexandre Robatto Filho!
Mas voltemos à Consuelo Pondé de Sena... coloquemo-la em cena!
É muito gostoso sempre encontrar a Consuelo Pondé de Sena, cunhada do poeta Paulo Garcez de Sena, distribuindo eloquência, muita beleza e a sua reconhecida sabedoria na presidência do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, gratificante poder ler os seus livros instrutivos e artigos maravilhosos nas páginas culturais dos jornais da cidade, ou representando tanto o estado da Bahia ou o nosso país em múltiplos eventos e simpósios internacionais, ou também participando de entrevistas solenes e magníficas de televisão, como a produzida recentemente pelo nosso amigo comum, Jorge Portugal. Ainda este ano a mesma viajou com a sua linda e encantadora filha Maria Luíza, na companhia da minha esposa Sueli e do cunhado Ivair, para a pequena cidade de Ubaíra, situada no interior da Bahia, para passarem um gostoso final de semana naquele lugarejo romântico e encantado, encravado no Vale do Jiquiriçá, terra abençoada por São Vicente e que já foi governada sabiamente pelo amigo Ivan Eça Menezes.
Mas agora retornemos ao poeta Paulo Garcez de Sena...
Transcrevo no momento os versos do poeta e amigo Paulo Garcez de Sena, sob título “ODE A MIM MESMO” para que conheçamos de perto o lado profundamente narcisista e louco existente no âmago do Ser daquele homem e poeta monumental, mais que irreverente, quando a versatilidade arrebatadora da sua poesia transborda dos cálices labiais a exemplo da baba machadiana e divina dos epilépticos: assustadora, ruidosa, prateada e deslumbrante, no seu trepidar e cavalgar patológico incontrolável e ensurdecedor, tal o voo das estrelas que deslizam no espaço sem bússola ou rumo, nos céus azuis da nossa própria e insuspeitada loucura:
“Se eu não sou,
Eu sou uma tremenda possibilidade
E por ser esta possibilidade
Eu sou a cada instante,
Inteiramente dono de tudo que quero
Assim que nada ou ninguém,
Seja dono de mim.
E eu,
Esta imensa possibilidade
Odeio os verdugos da minha alma
E sou assassino de todos os meus inimigos.
E eu amo aos que assim me vêem:
Eu, esta imensa,
Tremenda possibilidade.
Nada mais sou que isto:
Esta imensa,
Tremenda possibilidade.”
Como eu comentava, acontece o lançamento do livro “ESCRITURA DA PALAVRA & DO SOM” no estado do Ceará. A cultura baiana se retrai e responde a este lançamento com um muxoxo de desdém. Ao poeta Paulo Garcez de Sena restam comemorações da sua glória em terras estranhas, uma vez que a sua Bahia, tão querida, à sua arte poético-literária nunca se deu por reconhecida. O poeta José Alcides Pinto clama a todos para reconhecerem o Paulo Garcez de Sena à altura de um Antonin Artaud ou a um Kafka. O prefácio constante do livro em questão busca tornar sacra a própria loucura do nosso poeta baiano, quando citando Jacques Lacan, o direciona sob o aspecto psicanalítico, tentando absolvê-lo da sua loucura poético-planetária, ao inferir que “... sua obra influi no discurso literário, com grande repercussão no mundo inconsciente. E a obra de arte não foge a esse postulado. As emoções são responsáveis, no que interessa à psicanálise, no mundo das relações estruturais da escritura e do comportamento do indivíduo o seu relacionamento social. E é, sobretudo no texto poético-inventivo que se dá a rotura da razão, por se constituir, a mais das vezes, um estado ou um caso de “loucura”, como em Antonin Artaud, por exemplo”.
Assim segue o poeta José Alcides Pinto a proceder ao dessecamento poético do poeta Paulo Garcez de Sena, colocando-o mais uma vez em cena ao citar que “O confronto com o mundo físico-erótico, amoroso-lírico, se funde ao medo existencial e à angústia, que por outro lado se inscreve na simbologia mito-paranóica”. Para aqueles nômades literários que nada entendem de estética, tampouco de linguística, quiçá poesia, na certa estariam todos a falar que o Paulo Garcez de Sena estaria mesmo fodido com todo este palavreado estético-analista etc. Todavia o José Alcides Pinto declama que o Paulo Garcez de Sena é um “... místico e diabólico ao mesmo tempo, amoroso e profano, excessivamente afetivo e rebelde, por outro lado... andarilho e aventureiro, de mochila a tiracolo, espécie de Don Quixote, sem rumo certo, destino, a sonhar com dríades e sílfides criadas de sua imaginação prodigiosa... preocupado em aprender, como Balzac, nas Ilusões Perdidas, o grande nada do amor, das coisas da vida.”
O José Alcides Pinto se torna conhecido por todos aqueles que deambulam nos tortuosos descaminhos da lide literária, como o “descobridor” e autêntico médico-parteiro que fez vir à luz do mundo o poeta Paulo Garcez de Sena, parto este que a cultura da Bahia jamais logrou conceber. Não porque não o quisesse, mas por causa de razões óbvias de ciúme, dada a magnificência absoluta e irreal da sua poesia! Como diz a Aidil Linhares na metalinguagem de um texto dirigido ao Dr. Jairo Gerbase, então psicanalista do poeta Paulo Garcez de Sena: “a sombra assombra!” Buscando desassombrar o fazer poético, literário e musical do Paulo Garcez de Sena, o José Alcides Pinto numa espécie de “ladainha mística” ainda o cultua como sendo: “...o grande peregrino, o pegureiro, o grande louco, o asceta e o profeta mais grave... proscrito em sua própria Pátria que lhe desconhece e que ele tanto ama.”
José Alcides Pinto revela o óbvio do poeta baiano Paulo Garcez de Sena como uma negativa ou fotolito cristalino e puro, concebido pelo meu querido primo e fotógrafo Sílvio Robatto, ao revelá-lo como sendo: “... a grande dor humana de nosso século, o conflito, o caos, a razão pelo avesso e a meta dos suicidas, aquele mundo estranho e abissal no qual mergulhou recentemente o escritor Pedro Nava, mundo e universo que fogem ao controle do homem mais sensato, e que foi também o caminho percorrido por Kafka, Unamuno, Byron, Poe, Baudelaire, Lauréamont, Augusto dos Anjos, Dostoievski e Antonin Artuaud... Paulo Garcez de Sena e sua obra se confundem. Não há como separá-los. Formam... um estado de espírito ameaçado pela loucura iminente. Mas uma loucura que se revela em estado de graça.”
Percorrendo as páginas iniciais do livro “ESCRITURA DA PALAVRA & DO SOM”, mais precisamente no prefácio da autoria do poeta José Alcides Pinto, buscamos comparações e consequentes analogias entre as suas palavras e as ditas pelo professor e arqueólogo baiano Ivan Dórea Soares, também poeta e escritor, amigo íntimo do poeta Paulo Garcez de Sena, quando, classificando a poesia garceziana, no final dos anos 60, no bom sentido, como de uma “loucura romântica total”, encontramos nas palavras do José Alcides Pinto idêntica revelação, quase vinte anos depois, quando o mesmo diz que, em relação à arte do poeta Paulo Garcez de Sena, “... sua arte é verdadeira total, porque é vivida nos conflitos do mundo, aos quais ele se entrega como um verdadeiro suicida, com o ímpeto e a ansiedade de um Van Gogh, por exemplo, Rimbaud, e poucos outros que preferiram o abismo da arte à beleza do mundo.”
Eu não estava na Bahia quando o poeta Paulo Garcez de Sena faleceu. Contou-me sobre a sua morte o também poeta e arquiteto ALMA’ndrade numa tarde dessas, quando nos encontramos meses depois no centro da cidade. Só sei que ele não se suicidou... ufa! A Mônica Farias e eu ganhamos quando nada no final. Ele não se matou, embora durante toda a sua vida tenha vivido sucumbido pela própria Poesia! Suicida em potencial, obteve das graças da vida a dignidade de uma morte tranquila. Nunca mais estive com a Mônica Farias, nem com a Maíra Pondé de Sena. Ficaram guardadas no mundo mágico da Poesia Garceziana, por certo.
A vida continuou o seu ritmo, a poesia enlouquecida e saudosa do poeta Paulo Garcez de Sena também. Soube na semana passada, através de uma nota no CRONÓPIOS www.cronopios.com.br que também o José Alcides Pinto havia falecido. Agora são dois poetas a argumentarem sobre o fazer poético, lá nos céus.
Na última vez que estive no Mercado de Sete Portas, em Salvador-Bahia, após comer um lauto e apetitoso sarapatel, num dia de sábado, em 26 de agosto de 2000, quase morro depois. Antes de ser internado outra vez, em estado grave, no Hospital Espanhol, já sob o efeito do soro e com a pressão arterial em 4, descendo mais ainda, mesmo assim superficialmente pude contar o caso para a Sueli, minha atual esposa, porque imediatamente fui acometido de uma inesperada septicemia, adquiri ainda a bactéria pseudômona, seguida de um quadro grave de Hepatites A, B e C que me puseram mais uma vez em estado de coma naquele Hospital, quando outra vez fui desenganado pelos médicos, tive outro caixão comprado etc. e tal.
Salvaram-me os conhecimentos mediúnicos e médicos do Dr. Fernando Figueiras, bem como o alto conhecimento médico-científico do abnegado Dr. Cesário Jurandir Magalhães, quando pela terceira ou quarta oportunidade, mais uma vez RESSUCITEI, sendo o caixão em causa mais uma vez devolvido incólume e virgem à respectiva Casa Funerária, aguardando a próxima ocasião. Lembro o que disseram a respeito da minha morte o amigo Ives Pacheco e o meu irmão João Bahia, hoje honrado político da cidade de Amélia Rodrigues: _que eu posso morrer tranquilo a qualquer hora, pois de certa maneira o meu caixão já está comprado... E PAGO!
Conta a lenda que na cidade de Amélia Rodrigues/BA, os meus antigos companheiros de brega e de copo: Ives Pacheco, Vuvú Pacheco, Pedro do Pinum e o “Nego” Jairo, sempre comentam que esta estória da Ressurreição, pretensamente inventada e depois indevidamente apropriada pela religião judaico – cristã, trata-se na verdade de uma coisa muito antiga, criada de fato e de direito, desde o início do próprio mundo por mim, o poeta Tadeu Bahia.
Eles contam e até juram de pés juntos, que segundo Tadeu Bahia, Deus ao criar o mundo queria que os homens fossem eternos, mas, temendo que aquele bando de malucos algum dia dessem um “Golpe de Estado no Céu” e tomassem o Seu lugar, como iriam fazer em 1964 no Brasil, decidiu então que todos os homens seriam mortais, num ato de autoritarismo fascista e altamente filho da puta, nos levando a ter saudades do romântico Ato Institucional Nº 5, assinado pelo ex – Presidente Arthur da Costa e Silva, em plena época adolescente da Ditadura Militar, exatamente em 13 de dezembro de 1968, quando eu ainda tinha os meus poéticos e tumultuados 17 anos de idade!
Todavia, o poeta Tadeu Bahia que andava desde o princípio do mundo a deambular filosoficamente pelos céus, acompanhando o nascimento das estrelas e dos planetas, com os pensamentos completamente alheios ao que acontecia aqui na terra, como sempre acontece, um dia ao arrumar os arquivos do Criador, encontrou por acaso o projeto desta “Medida Provisória Celeste” e como hábil legislador, aprendiz do velho e saudoso Major Cosme de Farias, conhecido rábula baiano que ganhou da posteridade o epíteto de Advogado dos Pobres, oportunamente concebeu uma “Emenda Celestial”, espécie de salvo-conduto celeste e o denominou de: RESSUREIÇÃO!
Esta Emenda acima, foi imediatamente aprovada pelo Congresso Celestial, face o impedimento da presença de Deus que estava de licença – médica pelo INSS do Céu por estar acometido de uma gripe muito forte, conforme o contido num suposto Atestado Médico oferecido por uma daquelas clínicas duvidosas existentes na Cidade Baixa, em Salvador, embora Ele fosse avistado bem perto da casa de praia do ex-senador Antônio Carlos Magalhães na Ilha de Itaparica, a comer tira-gostos de lambreta e caldo de sururu, folheando um livro gostoso do escritor João Ubaldo Ribeiro, intitulado: VIVA O POVO BRASILEIRO. Os amigos Ives Santana Pacheco e o Nego Jairo, ainda juram que viram de longe dois Anjos de asas enormes, seguranças do próprio Deus, a tomarem cerveja discretamente numa barraca de praia próxima. Os meus dois amigos acrescentaram, ainda, que não estavam bebendo...!
Anos depois, abusando da autoridade por ser Filho do Criador, o próprio Jesus Cristo se utilizou desta “Emenda Celestial da Ressurreição” para voltar a terra, após três dias de morto e já enterrado, a fim de se jogar novamente nos braços morenos e sensuais da sua encantadora e ardente Madalena, que ainda se encontrava no esplendor lascivo e dativo dos seus dezessete anos de idade, em pleno viço... e vício!
Pelo menos é essa a estória que corre sobre a criação da Ressurreição por mim, poeta Tadeu Bahia, nas ruas românticas, frias e poéticas da cidade de Amélia Rodrigues, quando a noite desce o seu véu de mistérios sobre aqueles telhados antigos e encantados! Por isso está explicado a minha morte acontecer tantas e tantas vezes e quando mal se espera, eu ressuscito! depois de descansar quase um ou dois meses nos inúmeros estados de coma existentes ao longo da minha estrada... Pelo menos eu passo mais tempo morto, o Jesus Cristo não, Ele é mais avexado...aquele merda mal aguenta três dias!
Geralmente, quando entro no Hospital Espanhol, em estado de coma, mal o Dr. Cesário Magalhães e o Dr. Fernando Figueiras me entubam, deixando o meu corpo cheio de tubos, anelas, suportes, ligado a fiações de soros e outras mil conexões na CTI daquele hospital, logo me reencontro nas portas do Céu com o meu tio Alexandre Robatto Filho que com o sorriso largo corre para me abraçar e mais uma vez exclamar sempre feliz e sorridente: “Que bom!... Você aqui de novo!”.
Passamos aproximadamente perto de dois meses no Céu conversando felizes sobre literatura, cinema, radioamador e mulheres dadeiras, esquecidos das coisas insignificantes e materiais do mundo. Quando aquele prazo de dois meses se aproxima do final e digo ao meu tio Alexandre Robatto Filho que em breve eu vou sair do estado de coma, ele retruca distraidamente para mim: “Aproveite bem estas Liberdades Condicionais Celestes que sempre Deus lhe dá!”
Atualmente me satisfaço na solidão da minha fazenda a relembrar aqueles amigos que se foram recordando os seus versos, as suas construções poéticas magistrais e a eternidade translúcida e bela das suas poesias.
Quanto ao poeta e ficcionista José Alcides Pinto, o mesmo nasceu em 10 de setembro de 1923, na localidade de São Francisco do Estreito, distrito de Santana do Acaraú, Ceará, vindo a falecer no último dia 02 de junho de 2008 em Fortaleza/Ceará, atropelado por uma motocicleta, quando se dirigia a uma Agência dos Correios e Telégrafos a fim de postar dois livros inéditos da sua autoria: “O Algodão dos Teus Seios Morenos” e “Diário de Berenice”. Nunca se soube se ao atravessar a rua desatentamente, ou não, o poeta José Alcides Pinto estaria a pensar nos seios morenos, intumescidos e gostosos na forma de algodão, sabe-se lá de quem, ou no que fuxicava o tal diário da Berenice.
O José Alcides Pinto era formado em Jornalismo pela Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro, bem como formado em Biblioteconomia através da Biblioteca Nacional. Concluiu ainda o curso de Especialização em Pesquisas Bibliográficas no Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação – IBBD e o curso de História da América através da Universidade do Brasil. O José Alcides Pinto conta também no seu currículo o ter sido redator do Ministério de Educação e Cultura e Professor da Universidade Federal do Ceará.
Apesar de todos estes títulos o nosso poeta José Alcides Pinto, sob o meu ponto de vista, se assemelha ao personagem Quincas Berro-D’água, criação do velho amigo e escritor baiano Jorge Amado, que cansado de levar uma vida exemplar e escorreita, bom chefe de família, irmão exemplar, cidadão guapo e cumpridor dos seus deveres e obrigações, católico praticante, funcionário público honesto e incorruptível, a certa altura da vida larga a porra toda e vai dedicar-se ao devaneio sagrado das mulheres bonitas e da Poesia!
Daí então concluímos que o Quincas Berro-D’água, o Paulo Garcez de Sena e o próprio José Alcides Pinto se fundem numa mesma pessoa, caracterizados pelo desapego do mundo capitalista, ao se excluírem dos chamamentos neuróticos e roucos da matéria, a fim de se dedicarem aos fluidos oníricos e enevoados da Poesia, louvando os versos e fazendo sexo com quaisquer mulheres que se lhes levantasse descaradamente as saias; sempre tentando a morte e provando uma boa cachaça, misturada ao conhaque, com toda a agressividade louca e felina!
Tanto o Paulo Garcez de Sena como o José Alcides Pinto tinham predileção para o culto místico universal. Pena não serem iniciados na Maçonaria:. Teriam conhecido muita coisa importante. A Maçonaria é uma Ordem Iniciática, cheia de segredos, dogmas, graus e mistérios assim como é a própria vida. Estes dois escritores e poetas teriam com mérito e em pouco tempo, galgado todos os degraus da Escada de Jacó, quando com certeza teriam feito licitação no Grande Oriente do Brasil – GOB, para implantação de elevadores nos Templos Maçônicos, porque, tão perfeccionistas como eram, teriam transformado os 33 Graus da Maçonaria Escocesa Antiga e Aceita:. em 333 Graus, em 3.333 Graus e assim por diante:.
Apesar do Paulo Garcez de Sena ter chegado quase aos 56 anos de vida e o José Alcides Pinto aos 84 anos e alguns meses de idade, um dos temas preferidos destes dois poetas era o sexo, com todas as suas loucas fantasias e ilimitações posturais as mais diversas, dignificadas nos seus versos os mais solenes, tendo sido os criadores do Kama-Sutra na Poesia Cearense, Baiana e Brasileira, assim como cultivaram durante todas as suas vidas o desvão dito obscuro, não obstante paradoxalmente iluminado e conhecido da Morte.
A morte não tem mistérios. Ela é a morte e ponto final. Não necessitamos saber o que tem do outro lado da vida, pouco importa saber ou não saber, só os padres veados e as admiráveis e queridas freiras lésbicas têm tesão para discutir sobre isto. Nós os Poetas, não. Fiquei emocionado com a recente entrevista concedida pela escritora e fotógrafa baiana Maria Sampaio na revista semanal MUITO, do jornal A TARDE, edição de 29.06.2008, que até comentei por telefone com a minha Lia Robatto, quando a Maria, respondendo à repórter sobre o medo da morte, poeticamente assim se expressou:
“Eu sei exatamente o que é. Sabe o que é o medo de morrer? É a saudade que eu vou sentir dos outros, que eu nunca mais vou ver. Mas não vou sentir mais, porque vou morrer. Para mim a morte é isso: a saudade!”
Estas palavras me emocionam muito, principalmente porque, nos dias que se antecederam à morte do Meu Pai, Joaquim Cunha Menezes, ocorrida em 12 de maio de 2005, quando, também ele com a certeza da morte iminente, olhando bem lá dentro dos meus olhos verdes, sempre me dizia: “Sei que vou morrer, mas não quero que você chore. Quando se lembrar de mim reze... também vou sentir muitas saudades de você!”
Encerrando a cosmo visão filosófica e metafísica sobre a morte, apresento neste momento uma criação poética do poeta José Alcides Pinto sobre o referido tema, onde o mesmo assim se expressa:
“Que mais precisa o morto
A não ser do sossego
A paz que vem dos mortos
Está no aconchego
Da própria escuridão
Que lhe serve de abrigo
À suma eternidade
Trancado em seu jazigo
(...)
Mas quem pode afirmar
Com absoluta certeza
Se o morto não está vivo
Embora morto esteja?
Nada mais a fazer do que somar ao mesmo tema a inspiração poético-onírica dos versos do poeta Paulo Garcez de Sena, intitulado “ÚLTIMO POEMA” o qual dedico, por intercessão espiritual do mesmo, à memória do poeta José Alcides Pinto, o qual abaixo transcrevo, como numa prova de reconhecimento saudoso às suas próprias e exuberantes poesias, agora reunidas no reino místico da Eternidade, onde por certo o próprio Deus irá publicá-las numa Antologia Poética a ser lançada algum dia, lá nos Céus...
”Não te fiz rosa
o que fiz
foi orvalhar tuas pétalas.
Não fiz espinho:
O que fiz
Foi sangrar nas suas mãos.”