GREGÓRIO DE MATOS E VOLTAIRE, O BARROCO E O ILUMINISMO NA BAHIA
TADEU BAHIA – Autor
O poeta baiano Gregório Matos e Guerra mal esperou que o Voltaire - François-Marie Arouet – completasse um ano de idade para vir a falecer em 1695, no Recife. Duas personalidades marcantes no campo do conhecimento humano, um baiano e o outro francês, que embora nascessem em continentes díspares, um na América no Novo Mundo recém-descoberto, habitado por índios e colonizado por portugueses indolentes e jesuítas oportunistas, com as suas superstições, crendices, o seu catolicismo doentio, ortodoxo e medieval, onde vivíamos ainda submissos à ira ferrenha e cruel da História da Santa Inquisição, com as suas fogueiras e dogmas intoleráveis, seus ritos seculares e mistérios que ainda aconteciam na Bahia do tempo do Gregório de Matos e Guerra. Mas do outro lado do oceano tivemos o nascimento do Voltaire nas terras da Europa, precisamente na França/Paris no dia 21 de novembro de 1694. Era filho de Francois Arouet que exercia o ofício de tabelião, recebedor de multas na Câmara de Contas, a sua mãe chamava-se Marguerite Daumard, descendente de uma família de Poitou que possuía alguns recursos financeiros, assim como a família do Gregório de Matos e Guerra que era proprietária de terras no Recôncavo da Bahia, sendo o pai dele, o Gregório de Matos, um colonizador, portanto detentor de cabedais, fazendas e escravos, conseguindo consequentemente ver o seu filho formado e com o anel de doutor; todavia o velho François Arouet, pai do Voltaire, fez de tudo para ver o mesmo formado em advogado, pois vivendo num celeiro cultural que era a Europa, em particular a Paris do seu tempo, que ofereceria ao seu filho todas as oportunidades, mas o esperançoso pai não conseguiu ter a felicidade de ver o seu filho Voltaire usando um anel de formatura.
Muita coisa já foi escrita sobre o Voltaire ao longo desses trezentos anos. A literatura mundial não se cansa de estudá-lo e louvá-lo como um dos grandes espíritos da sua época. Os seus livros e escritos são traduzidos, estudados e difundidos por todo o mundo, sendo referência constante e presença marcante no campo da literatura e da filosofia universal, embora o próprio Voltaire detestasse ser chamado de filósofo, porém teve o seu nome marcado como tal por toda a posteridade. O mesmo não aconteceu com o Gregório de Matos e Guerra, o qual, tão inteligente e universal quanto o Voltaire, praticamente renasceu para a cultura brasileira, como cita o mestre Fernando da Rocha Perez, no ano de 1850, portanto cento e cinquenta e seis anos depois da sua morte! Um século e meio sepultado sob as terras ásperas, inóspitas e quentes do Recife/PE, esquecido e abandonado pelos homens cultos da sua terra, a Bahia, essa madrasta de tantas personalidades célebres que não nasceram no seu solo, mas para aqui vieram e a adotaram como se fosse a sua Mãe, a sua segunda pátria: Carybé, Hansen Bahia, Pierre Verger, Jair Gramacho, Jenner Augusto etc., enquanto os baianos autênticos e de fibra da Bahia foram escorraçados e expulsos do país alcunhados de subversivos, tal como o próprio Gregório de Matos e Guerra, o hoje laureado escritor e amigo Jorge Amado (1912-2001) que depois de morto teve o seu nome esquecido pelas autoridades do seu próprio estado, a Bahia, quando a fundação que ainda hoje leva o seu nome, localizada no Largo do Pelourinho já arqueja decadente, em franco estado de decomposição pela falta absoluta de recursos para se manter, chegando ao ponto de vergonhosamente, para nós baianos, a Família Amado ter de realizar um leilão dos objetos do Jorge Amado no Rio de Janeiro, como numa maneira absurda e de obter recursos, uma vez que os governantes e demais autoridades políticas da Bahia pouco caso fazem da Fundação Casa de Jorge Amado soerguer-se... ou não!
Na final do decênio de 1960, prelúdio da década iluminada de 1970, também saíram do Brasil o Gil, Gilberto, Caetano Veloso e outros expoentes máximos da cultura baiana contemporânea, bem como o Glauber Rocha, entre outros, cujos nomes são melancolicamente guardados nos limbos do esquecimento e do anonimato ou ainda no fundo de desconhecidas sepulturas, vítimas submissas dos caprichos do GOLPE MILITAR DE 1964, quando foi reimplantada mais uma vez a Ditadura no nosso país. Sob o meu ponto de vista a ditadura se impôs na nossa terra desde o seu pretenso descobrimento, em 1500, mantendo-se adormecida, ou despertada, de acordo com as conveniências e alternâncias da nossa própria e tumultuada História, travestindo-se nas vestimentas ilusórias do oportunismo servil que manipula os desejos dos espíritos mais fracos e enfraquece a fibra dos mais fortes. Existe um Livro Iniciático que diz: “Nós somos apenas os átomos desse grande corpo que se chama Humanidade. As calamidades do presente, não vencidas, são o ônus terrível do futuro”. Tanto o filósofo Voltaire como o poeta Gregório de Matos sentiram na sua época as alternâncias oportunistas da História. Foram expulsos do país, encarcerados, desterrados, perseguidos e odiados pela classe dominante, tiveram livros proibidos e queimados em praça pública, foram coagidos de todas as formas, até a própria Igreja Católica os perseguiu com a simbólica arma da Cruz, onde lá estava pregada a imagem de um Cristo distante e recruxificado nas ignotas aldeias indígenas pelo Brasil afora por esses padres pretensamente beatos que em si nada tinham de santos. No ano de 1964 a Ditadura veio em forma de fuzil, lembrando-nos a Cuba do Fidel Castro (leia perfil do ditador Fidel Castro) e os seus paredons poéticos e tenebrosos, onde o sangue dos inocentes regava o solo ensolarado de Havana, enquanto o ditador cubano saboreava o seu inseparável charuto, como no seu tempo o Stalin interrompia uma sessão cinematográfica pela metade, indo até o pátio para assistir ao fuzilamento de vários dos seus supostos inimigos, para depois retornar à sala de projeção e assistir tranquilamente ao resto do filme...
Após a implantação, pela força, do Regime Militar de 1964, todo o universitário, intelectual, jornalistas como o Vladimir Herzog e o amigo, escritor, poeta e biógrafo baiano João Carlos Teixeira Gomes ou mesmo o mais simples e modesto literato eram grotescamente rotulados pejorativamente de comunistas, bem como usavam toda a força dos seus cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo contra os valorosos integrantes do movimento estudantil que há muito já incomodavam - com os seus ideais e as suas ideias - os pretensos donos do poder. VIOLÊNCIA! Era a resposta covarde, imbecil e absurda das Forças Armadas, representando o governo militar brasileiro, ao perseguirem e espancarem todos aqueles que não aderiram aos seus costumes, usando da repressão política intolerável e obscura. O historiador, poeta, escritor e arqueólogo baiano Ivan Dórea Soares, até hoje advoga com muita propriedade e gosto que os militares só conhecem a lei da caserna, dignificada no chicote, na força bruta! Foram os reis dos espancamentos e das torturas as mais humilhantes, que o digam aqueles que sobreviveram às suas garras. Hoje o Brasil expõe ao seu próprio povo uma melancólica imagem de um pretenso poder, cevado e ceifado por mil e uma roubalheiras e falcatruas praticadas por suas autoridades maiores, as quais, escudadas no tapume infame e apodrecido da impunidade que o poder transitório as empresta, desrespeitam o que é do uso público, dilapidam o Estado, roubam os cofres do Governo e praticam todo um rol de infâmias. Desde a nossa primeira Constituição, em 1823, até a sua última edição em 1988, nunca nenhuma delas foi sequer respeitada, os representantes maiores da nação costuram-na com emendas, tais chagas de câncer, que aos poucos vão realizando a sua silenciosa metástase, correndo e enfraquecendo as forças do governo, que sucumbe dramaticamente a olhos vistos...
No Brasil de 1964 os tanques de guerra saíram às ruas do país não só para calarem, mas para liquidarem o seu povo, quando em 1789 já tinha acontecido na França a Revolução Francesa, e o aguerrido/histórico povo francês invade as prisões, soltando os intelectuais, idealistas, poetas, universitários, artistas, literatos e todos reconquistaram as suas esperanças sob o lema justo e perfeito da LIBERDADE:. IGUALDADE:. E FRATERNIDADE:. (Maçonaria), escancarando as portas das prisões e a seguir quebrando os grilhões que até então imobilizavam o espírito humano daquela época, sendo promulgada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Déclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen). Onze anos atrás o Voltaire já tinha sido iniciado maçom precisamente em sete de fevereiro de 1778, quando aconteceu uma das cerimônias mais bonitas e concorridas para a história da Maçonaria daquele tempo, tendo o filósofo francês conhecido a verdadeira luz na Loja Les Neuf Soeurs, Paris, já octogenário, tendo a honra de ingressar no Templo apoiado no braço de Ir:. Benjamin Franklin, embaixador dos EUA na França naquela ocasião. A sessão de Iniciação do Voltaire foi dirigida pelo Venerável Mestre Ir:. Lalande na presença de 250 irmãos. O venerável ancião, orgulho da Europa, filósofo maior de todos os continentes, foi revestido com o avental maçônico que pertenceu ao Ir:. Helvetius e que fora cedido justamente para aquela ocasião, pela viúva deste último. Após a sua iniciação, o Voltaire falece três meses depois. Este autor, embora não esteja em Loja Maçónica e entre colunas, tem a satisfação de futuramente fazer constar em prancha que em três meses o Voltaire simbolicamente foi: Aprendiz, Companheiro e Mestre.
No Brasil, tanto profana ou maçonicamente, só depois de cento e setenta e cinco anos se fez exatamente o contrário! Somente cem anos depois da Revolução Francesa é que o Ir:. Marechal Deodoro da Fonseca proclamou a República do Brasil, quando a tomada da Bastilha já completava um século de acontecida! Cem anos de inércia no nosso país o qual jazia imerso numa Monarquia que como forma de governo diziam estar decadente e retrógrada, onde anos mais tarde ainda ouviríamos dos sertões brasileiros o clamor patológico do Antônio Conselheiro e os seus fanáticos seguidores, precursores solitários da Coluna Miguel Costa-Prestes, mais conhecida por Coluna Prestes que foi um movimento político-militar brasileiro acontecido entre os anos 1925 e 1927 e ligado ao tenentismo, pregando, entre outros, a insatisfação com a República Velha, exigindo o voto secreto e defendendo o ensino público. Na Europa o povo seguia os caminhos da evolução, no Brasil se seguia os descaminhos da involução. O Ernesto "Che" Guevara de La Serna, conhecido como Che Guevara foi morto na Bolívia e dentro da sua mochila foi encontrado um livro de poesias intitulado Canto General, da autoria do poeta chileno Pablo Neruda, velho amigo do escritor baiano Jorge Amado nas suas andanças literárias pelas esquinas do mundo! Quando eu ainda era novo, em 1972, nos meus vinte e um anos de idade fui presenteado pelo meu primo, o jornalista José Carlos Menezes que trabalhava no jornal Tribuna da Bahia, em Salvador, com um exemplar do livro Canto General, do Pablo Neruda, que até hoje junto com outros livros que tenho desse poeta chileno, como: Veinte poemas de amor y una canción desesperada, Residencia en la tierra e Cem Sonetos de Amor, também do poeta português Fernando Pessoa - Obra Poética e Prosa, adicionadas à Poesia Completa & Prosa do Vinícius de Moraes e Navegação de Cabotagem, do Jorge Amado, são os meus livros de cabeceira. O Brasil até hoje peca por ser um celeiro de cultura inútil e prima em continuar a ser o país dos analfabetos, como bem reforça o poeta baiano Tom Zé, o autêntico criador do Tropicalismo.
Na França, o Voltaire foi conhecido como sendo o defensor da liberdade individual, tinha horror a quaisquer restrições ou cerceamentos à liberdade de expressão ou de opinião e considerava que entre as piores formas de repressão à liberdade, estava a de ordem religiosa. O Voltaire lançava toda a sua ira e forças intelectuais contra aquela Igreja que torturava e queimava vivos os homens inteligentes e gênios da sua época, os quais contribuíram para a gloria de civilizações inteiras através da sua ciência, do trabalho árduo/diuturno da pesquisa e que em uníssono duvidavam e não aceitavam os pretensos e absurdos dogmas religiosos. A Igreja já foi a maior força tirânica e coercitiva do seu tempo. Antigamente o Papa não saía de Roma e todos os cristãos para lá se dirigiam a fim reverenciá-lo. Depois de uma série de abusos e de ter praticado vários atentados culturais e morais contra a Humanidade, entre elas a pena de morte sob tortura, queima de homens e mulheres em fogueiras nas praças públicas sem nenhuma justificativa plausível, a Igreja se distancia do seu rebanho, ou melhor, o povo foge da Igreja como o próprio Diabo foge da cruz! O que assistimos hoje é uma Igreja já em plena fase de decadência, mais voltada às artimanhas políticas e afastada de Deus. Uma Igreja que há anos atrás condenou veementemente o brasileiro Leonardo Boff quando este criou no nosso país a Teologia da Libertação, na década de 1970, espalhando-a na América Latina, dirigindo as suas determinações e orientações às Comunidades Eclesiais de Base - CEB, os seus ensinamentos foram rejeitados pelo Vaticano. Com a chegada da década perdida de 1980, com a sociedade supostamente redemocratizada, com a queda do muro de Berlim e o colapso das esquerdas, a Teologia da Libertação perde sua linha sua combatividade política e social, tendo a própria Igreja excomungado o padre Leonardo Boff, assim como há séculos excomungou o Voltaire.
O que assistimos hoje é um Papa com poderes de Primeiro Ministro ou Chefe de Estado, ditando normas seculares obtusas para cardeais caducos, bispos aveadados e padres pedófilos que proliferam tais ervas - daninhas pelos interiores das sacristias mal iluminadas das inúmeras Igrejas espalhadas pelo mundo. Infelizmente é desta maneira que está representada a imagem do Jesus Cristo pelos quadrantes da terra, através de uma Igreja esfacelada e obscura como nos idos tenebrosos da Idade Média. Assim como o poeta baiano Gregório de Matos e Guerra, também o Voltaire foi muito perseguido por causa das suas sátiras e críticas virulentas não só contra a Igreja Católica, como também à classe política, reis e autoridades de ocasião. Possuidores de uma verve e mordacidade felinas, com um dito espirituoso sempre presente na ponta dos lábios, manifestando as suas arrogâncias e desrespeitos aos representantes intolerantes do poder, tanto o Gregório de Matos e Guerra como o Voltaire eram sempre encarcerados ou degredados, tendo o Voltaire sido preso na Bastilha por causa de uma das suas sátiras, onde passou três anos na cadeia, aproveitando a sua estadia no cárcere para escrever as Cartas Inglesas, de cunho filosófico, que expunham no seu conteúdo as ideias do Sir Isaac Newton (1642-1727) e do John Locke (1632-1704), que o próprio Voltaire considerava os gênios do seu tempo.
O Iluminismo, ponto alto da revolução intelectual no campo da filosofia, se iniciou na Inglaterra lá pelos idos de 1680, abrindo os seus tentáculos por toda a Europa e trazendo mais tarde as suas influências até a América. Todavia, a força máxima desse movimento ocorreu na França, no tempo do Voltaire, quando podemos com segurança citar que poucos movimentos ocorridos na história cultural da Europa tiveram efeitos tão incisivos no sentido de moldar os pensamentos dos homens, bem como redirecionar o curso das suas ações. A sua inspiração adveio, principalmente, do racionalismo do René Descartes (1596-1650), do Bento de Espinosa (1632–1672) e do Thomas Hobbes (1588-1679), porém os autênticos fundadores do movimento foram o Sir Isaac Newton (1642-1727) e o John Locke (1632-1704), embora o Sir Isaac Newton não tenha sido um filósofo, na acepção justa da palavra, a sua obra teve a maior significação para a história do pensamento. Uma das suas maiores leis científicas inquestionáveis, aplicável até os dias de hoje a todos os sistemas conhecidos no universo, é aquela que aprendemos no antigo Curso Científico, que diz: “cada partícula da matéria no universo atrai outra partícula com uma força inversamente proporcional ao quadrado da distância entre elas e diretamente proporcional ao produto de suas massas”, lei válida não somente ao planeta Terra, mas aplicável – como já dissemos – a todo o Sistema Solar.
Quanto ao John Locke, o outro fundador do Iluminismo, ele nos apresenta a rejeição à doutrina cartesiana das ideias inatas e nos explica que todo o conhecimento do homem tem a sua origem na percepção sensorial – teoria conhecida como Sensualismo – que explicita que a mente humana, ao nascer, é absolutamente virgem, um papel em branco onde nada se encontra registrado – nem mesmo a ideia de Deus existe e muito menos quaisquer noções de certou ou errado, bem ou mal! A partir do momento que a criança nasce já começa a ter as suas próprias experiências através dos órgãos dos seus sentidos, quando são registradas no seu intelecto as origens das coisas. As ideias simples são expostas pela percepção sensorial e necessitam ser integradas e fundidas em ideias complexas. A função única do entendimento é a de combinar, coordenar e organizar as impressões recebidas dos sentidos para em seguida estabelecer um conjunto prático de uma verdade geral. Aí predominam tanto a sensação como a razão: a primeira para fornecer ao espírito a matéria-prima do conhecimento e a segunda, para trabalhá-la, retirando-lhe o molde original e mostrando o seu acabamento final, verdadeiro. Foi justamente a combinação entre o sensualismo e o racionalismo que constituiu os pressupostos básicos da filosofia do Iluminismo, no qual, o Voltaire teve um preponderante papel.
Nascido na burguesia como já citamos no início do presente ensaio, o Voltaire desde muito cedo demonstrava o gosto pelas obras satíricas e se via metido frequentemente em situações esdrúxulas e burlescas. O exemplo do poeta baiano Gregório de Matos e Guerra, parodiando ainda o também vate baiano Cuíca de Santo Amaro, poeta urbano muito admirado pelo meu pai, Joaquim Cunha Menezes, nas ruas românticas e bucólicas da sempre barroca Santo Amaro da Purificação, município do interior da Bahia, ou mesmo em Salvador, no interior dos antigos bondes ou na porta do Elevador Lacerda, cartão postal da cidade onde fazia ponto, a escandir e a maldizer das autoridades locais, principalmente os políticos da época etc. Ressaltamos que o Voltaire tinha a mesma natureza dos mencionados poetas baianos, carregada dentro de si o dom de ridicularizar e satirizar as personalidades do clero, da política e da alta sociedade, se envolvendo em situações embaraçosas e quixotescas, levando-o inúmeras vezes à cadeia, como por exemplo em 1716, quando é exilado em Sully-sur-Leine. No ano seguinte é encarcerado na Bastilha (História) por três anos; em 1726 retorna mais uma vez à Bastilha e em seguida segue em exílio para a Inglaterra. No ano de 1734 é expedido um mandado de captura em seu nome, tendo em vista a publicação das Cartas Inglesas e o consequente escândalo em torno delas, quando mais adiante é acusado de sacrílego etc.
Assim como o escritor Jorge Amado nos tempos do Estado Novo (1937-1945), no Brasil, quando a Ditadura Vargas estendia as suas garras tenebrosas contra os intelectuais de então, nem nunca esquecermo-nos do Graciliano Ramos, o Voltaire no seu tempo também foi taxado de subversivo e teve os seus trabalhos queimados na fogueira, assim como no Brasil do Getúlio Vargas foram queimados livros do Graciliano Ramos e do Jorge Amado que escreveram livros maravilhosos, tais como: Angústia, Memórias do Cárcere, Os subterrâneos da liberdade, O Cavaleiro da Esperança (livro) e outros que se transformaram logo depois em autênticos baluartes não só da Literatura Brasileira como da própria expressão da Liberdade para as gerações vindouras. Para mim, a maior falta de caráter do ditador Getúlio Vargas foi mandar prender e seviciar a Olga Benário (1908–1942), companheira do líder comunista Luís Carlos Prestes, para depois entregá-la de maneira submissa e vil às forças alemãs. Nascida Olga Gutmann Benário, foi militante comunista natural da Alemanha, de origem judaica, entregue pela ditadura do então ditador brasileiro e futuro suicida Getúlio Vargas, para ser morta pelo regime nazista em campo de concentração. Sua chegada ao Brasil aconteceu na década de 1930, quando para cá foi escalada pela Internacional Comunista, "Comintern" ,a fim de apoiar o Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Paradoxalmente veio com a missão de ser a guarda-costas do Luiz Carlos Prestes todavia transformou-se na sua companheira, com quem teve uma filha de nome Anita Leocádia Prestes.
Dando sequência à sua via crucis, o Voltaire no ano de 1752 se envolve em acirrada polêmica e tem que abandonar a Prússia, dirigindo-se a Paris, mas não pôde entrar na sua cidade natal, tendo que ir buscar refúgio em Genebra, onde escreveu: Le Siècle de Louis XIV, Zadig ou o destino, Cândido ou o otimismo, Ensaio Sobre os Costumes e o Espírito das Nações que foram consideradas as suas maiores obras históricas. O Voltaire foi introduzido nos círculos literários de Paris através do seu padrinho, o Abade de Châteaunef , logo depois de completar o curso colegial quando se torna pajem do Marquês de Châteaunef numa missão diplomática na Holanda, ressaltando que o seu pseudônimo Voltaire já ocupava lugar de destaque entre os poetas satíricos e galantes dos saraus literários de então, ocasião em que escreve o poema épico La Henriade, em homenagem ao Henrique IV de França (1553–1610) e uma peça intitulada Édipo. Dois anos mais tarde é preso e encarcerado na Bastilha por ter escrito contra o Regente, Duque de Órleans. Já nessa ocasião, a exemplo do Gregório de Mattos e Guerra, o Voltaire já escrevia contra a Bíblia e os padres, satirizando os apóstolos e mais uma peripécia contra as autoridades força-o a solicitar exílio em Londres, quando tem a oportunidade de conhecer os escritores Jonathan Swift, Edward Young e Alexander Pope, além dos filósofos Berkeley e Samuel Clarck. Ao retornar à França o Voltaire escreveu e dirigiu as peças Brutus (1731) e Zaire (1732), escrevendo ainda em 1731 a História de Charles XII. Sem esquecer a linha filosófica dos seus escritos, o Voltaire também escreveu contos e novelas satíricas como, por exemplo: Zadig ou o Destino – História Oriental, Memmon ou a Sabedoria Humana, Micrômegas, Poème sur le désastre de Lisbonne, Histoire d'un bon bramin, Jeannot et Colin, Le monde comme il va, Histoire des voyages de Scarmentado écrite par lui-même e outros trabalhos de cunho humorístico e moral, os quais hoje reluzem como obras primas da literatura mundial.
Volto a falar das Cartas Inglesas ou Cartas Filosóficas, escritas pelo Voltaire, publicadas em 1734, quando nessa ocasião foi expedido um mandado de busca e captura do mesmo, sendo as referidas cartas malditas e condenadas à fogueira, levando o Voltaire a buscar refúgio no Castelo de Curey, de propriedade da Emile de Breteuil, Marquesa de Chatelet, oportunidade que aproveita para escrever trabalhos como: Alzire, Mérope, O Filho Pródigo, Le Fanatisme ou Mahomet, Les lettres de Memmius e outros. Somente anos depois já em situação política adversa, completamente a seu favor e ainda sob a proteção da Madame Pompadour, favorita de Luiz XV, é que o Voltaire acaba sendo nomeado Historiógrafo Real e no ano de 1746 é eleito para a Academia Francesa, já aos 52 anos de idade. Três anos mais tarde falece a Emile de Breteuil e o Voltaire segue para Postdan, no Reino da Prússia, a convite do Frederico II da Prússia (1712-1786) - terceiro Rei da Prússia e lá cercado de intelectuais, elabora sozinho o Dictionnaire Philosophique portatif. Porém, parodiando o poeta seiscentista baiano Gregório de Mattos e Guerra, novamente o Voltaire se envolve em novas polêmicas e escândalos sendo forçado, em 1752, a fugir desabaladamente da Prússia e ao mesmo tempo em que era proibido de retornar a Paris – como o Gregório de Mattos e Guerra na sua época fora proibido de retornar à Bahia, depois de cumprir degredo em Angola/Luanda – porém o Voltaire consegue asilo em Genebra e continua a escrever febrilmente, além das obras históricas já o tinham notabilizado, lavra também os seguintes livros: Essai sur les mœurs et l'esprit des Nations, Le Caffé ou l'Ecossaise, Le Philosophe ignorant, Ensaio Sobre os Costumes e o Le Siècle de Louis XIV e ainda escreve um Tratado Sobre a Tolerância em 1763, exatamente dois anos após ser acusado de sacrílego pela Igreja, brotam da sua lavra também L'ingénu e O Homem de Quarenta Escudos, escritos em 1767.
Interessante é que exatamente depois de duzentos anos do Voltaire ter escrito L'ingénu e O Homem de Quarenta Escudos é que o Caetano Veloso, compositor baiano nascido em Santo Amaro da Purificação, situado no Recôncavo da Bahia, no dia 07 de agosto de 1942, grava o seu primeiro LP sob o título de Domingo em parceria com a Gal Costa e interpretando a música Alegria Alegria consegue o quarto lugar em um dos festivais da MPB transmitido pela Rede Record e como suposto militante político, deixou gravado na nossa memória e para a recente História Política Brasileira o antológico discurso pronunciado sob vaias e gritos estridentes, ao interpretar a música É Proibido Proibir no 3º Festival Internacional da Canção (TV Globo, nas dependências do Teatro da Universidade Católica de São Paulo, no dia 15 de setembro de 1968, vésperas do aniversário da Dona Canôzinha Velloso, que no dia seguinte faria 61 anos de idade. Ainda no ano de 1967, o Caetano conhece o Augusto de Campos e a Poesia Concreta que, no entanto já era uma velha conhecida do poeta neo-concretista baiano Aroldinho Cajazeiras e do meu querido poeta e arquiteto tridimensional ALMAndrade. No dia 21 de novembro de 1967, após 273 anos exatos do nascimento do filósofo Voltaire, o Caetano Veloso casa-se com a Dedé Gadelha. Depois ele se casaria com a Paula Lavigne e com mais outras que se lhe dê na telha, apesar da poetisa Mabel Velloso - que para mim é a encarnação viva da poetisa baiana e também santamarense Amélia Rodrigues, aqui na Terra – já ter há mais de trinta anos me dito que o Caetano Veloso gosta de ler e de reler as Obras Completas do Gregório de Mattos, organizada pelo James Amado no final da década de 1960, embora não me conste que o Caetano tenha lido alguma vez o Voltaire.