O Príncipe da Paz e uma Cultura de Resistência
Mais da metade da minha vida foi dedicada a conhecer uma cultura de resistência. Uma tradição ancestral fundamentada no cristianismo primitivo e na filosofia pan-africana que se difundiu pelo mundo na poesia e voz de Bob Marley. Nas ondas sonoras do reggae existia uma mística que foi revelada pelo movimento Rastafari. Um movimento religioso, cultural e político que se alastrou pelos continentes explorados pelo neocolonialismo. Um dos estigmas que carrega um rasta são suas tranças, seu típico cabelo dread-lock que fazem parte de um voto sagrado e sua devoção no Eterno Criador Jah. Na popularização da identidade rastafári muitos equívocos são cometidos como a associação da imagem ao submundo de atividades ilícitas e falta de higiene ou cuidado com a aparência. Os estereótipos perpetuam preconceitos que assolam cotidianamente a vivência dos adeptos da cultura rastafári. Deve haver discernimento entre o ritmo musical caribenho reggae e a espiritualidade dos rastas. A cultuada pulseirinha do “reggae” nas cores verde, amarelo e vermelha significa uma alusão a bandeira da Etiópia, o berço do Príncipe da Paz, o Leão Conquistador da Tribo de Judah, Haile Selassie o 225° imperador da dinastia salomônica em África.
Em 1892, em Ejersa Goro nasce Tafari Makonnem no dia 23 de julho, aclamado como o Selassie I Day entre os rastas que entoam cânticos ritmados pelos tambores no culto nyahbinghi. Ganha o título de “Ras” quando tornasse príncipe, por isso a referência Rastafari aos seus discípulos. Como imperador recebe o nome de Haile Selassie (o poder da Santíssima Trindade). Selassie lutou pela unificação dos países africanos e foi um dos mentores dos Direitos Humanos Universais (1948). Visitou o Brasil em 1960 no governo de Juscelino Kubitschek e retornou às pressas com iminência de um golpe em Adis Abebba, capital da Etiópia. Seus discursos na Liga das Nações contra a invasão fascista italiana em 1935 e a guerra mundial que estava se avizinhando foram denúncias marcantes durante o catastrófico século XX.
Na diáspora da comunidade rastafári a união está na esperança de um futuro pacífico e igualitário onde toda forma de opressão será extinta. Antes de perguntar quantas vezes eu lavo o cabelo por semana ou se penteio ou não penteio e há quanto tempo cultivo minhas tranças, poderiam tentar compreender quais são os princípios que regem minha vida. No céu uma estrela adornada pelo Príncipe da Paz comanda uma cultura de resistência que semeia com ética e justiça o retorno as nossas raízes mais sublimes.
Publicado no Jornal Litoral Norte RS e Jornal A Folha/ Torres.