Ensaio Sobre a Questão Filosófica - trechos

A consciência da dor mexe com o comportamento e é capaz de despertar ações que, por outros meios corriqueiros e fáceis nunca seriam postas em prática. A ideia de sofrimento é um expediente do próprio espírito para a conquista da sabedoria. O fato de ser parte integrante do ser demonstra o compromisso dele na senda da evolução. É estranho notar, todavia, a falta de compreensão, quando não a falta de interesse nesse ponto tão crucial à vida. A explicação mais sensata é a que expõe a fraqueza ainda existente no homem para encarar de fato a coisas que dizem respeito ao mundo do inconsciente. Como somente o espírito é existência verdadeira e o homem não tem consciência dele por ser invisível, ele se precipita e acaba por entender que tudo é criação sua. Deus seria uma crença vaga, o mesmo se dando em relação à eternidade da vida a qual é espiritual antes der ser física e material. Os fenômenos, por serem visíveis, são prova irrefutável de que tudo é matéria. Aquilo que se vê é o que existe de fato e aquilo que não se vê não passaria de uma ilusão ou crença infundada ou ainda um meio ao alcance de homens sagazes em busca de crentes sedentos de salvação.

É pela observação da constituição do corpo humano que constatamos a sua complexidade. O empenho da ciência em estudá-lo pormenorizadamente deixa evidente a preocupação com o autoconhecimento. A vida se manifesta diferentemente quando vista pelo exterior. Ela dá ideia de movimento e de ação. Em outras palavras, é aquilo que conseguimos perceber através dos sentidos que dá a noção de vida ou de coisa existente. Tudo o que é inanimado ou dissociado de uma constituição orgânica deve, de fato, ser descartado como algo que não possui vida. A divisão dos três reinos da natureza coloca o termo ‘vida’ dentro de uma outra conotação. Neste sentido, um pedaço de madeira ou um tronco de árvore são destituídos da vida, tal como a conhecemos. A falarmos ‘vida animal’ ou ‘vida vegetal’ referimo-nos simplesmente ao estado em que se encontra a matéria naquele momento. Mas se todos os elementos do universo são constituídos de átomos, aí não se encontraria a vida? O que vem a ser, em última análise, esta vida a que nos referimos?

O antagonismo entre as ideias, as oposições sempre fizeram parte do comportamento social humano e isto, em parte é saudável, pois nos leva ao inconformismo gerando, daí, uma maior ânsia pelo desvendar do desconhecido. Parece fazer parte da natureza humana essa insatisfação com aquilo que nos foi outorgado. Somos seres jogados, por assim dizer, no meio de um universo cósmico inacessível pelo raciocínio mais apurado e nos sentimos como ovelhas perdidas, desgarradas da nossa própria origem. Daí o inconformismo e a ânsia de descobrirmos nossa identidade original. Em cima disso, há a confusão e a limitação do materialismo, impotente, visto que incapaz de dar ao homem uma resposta que o satisfaça plenamente. Neste sentido, a felicidade dá a impressão de não existir mesmo. Quando, pela expansão do processo mental e da criatividade, buscamos novos caminhos, torna-se possível encontrar, no fim do túnel, a luz que conduz à sabedoria das coisas.

Como já foi colocado linhas atrás, a felicidade não pode depender desse embate em descobrir a origem da vida. Só o fato de possuir uma mente pensante e analítica já coloca o homem na vanguarda de tudo mais que entendemos como existente. A aceitação desse fato e o sentimento de gratidão por sua superioridade o iguala a Deus. Todavia, é a complexidade de sua mente, paralelamente à grande vantagem de que é possuidor, a enorme pedra no caminho da sua evolução verdadeira. O materialismo foi criado pela mente que analisa e tira daí conclusões. A doença e todos os sofrimentos de que padece o gênero humano resultam dessa mente geradora dos bons e dos maus pensamentos. Pela mente o homem tanto prospera e usufrui da felicidade natural que lhe é inerente como é jogado ao fundo do poço da destruição e do fracasso. Enquanto não acertar os passos consigo mesmo, toda e qualquer procura, tanto pelo prisma do materialismo quanto pela filosofia, qualquer que seja a sua raiz, será ineficaz; mesmo a religião, não obstante sua visão global e transformadora resultará numa lamentável perda de tempo. O homem difere do animal inferior pela dádiva da ação pensante e dedutiva. Todavia, o animal, o qual parece menos privilegiado, usufrui da vida em sua plenitude. Por desconhecer a complexidade cósmica retira, de cada segundo de sua existência o benefício máximo. É, por isso, feliz porque não sabe complicar a vida. Evidente que ser humano é uma característica incomparavelmente superior, mas, junto a isto vem a responsabilidade em saber usar as vantagens outorgadas para que a felicidade não seja uma experiência frustrante.

Por trás das razões que levam ao ateísmo, a falta de interesse em buscar Deus ou a origem da vida está a observância dos estados não condizentes com a natureza privilegiada do ser humano. Isto porque os registros históricos deixaram suas marcas profundas no inconsciente global; as tragédias provocadas pela ignorância vieram se acumulando, reforçando a ideia de que o homem é um ser pecador por natureza e somente o sofrimento, servindo de autopunição, é capaz de resgatá-lo do fogo eterno. Por trás de quase todas as religiões existe uma tendência em valorizar o sofrimento porque ele purifica a alma e leva a Deus. Não há dúvida de que há, no sofrimento algo positivo para a evolução do ser, mas ele não é a base da salvação. A falta de entendimento desse princípio básico leva a atitudes que podem ocasionar sofrimento e o conceito equivocado de que ele é necessário. O ser Divino não seria Divino se desse à sua criação esse expediente como opção única para a sua salvação. A felicidade não pode e não deve advir do sofrimento. Ele é o resultado da atitude falha diante do mistério denominado vida. É nesse ponto que as religiões deveriam orientar seus seguidores, dando a eles verdades claras e transparentes como meio de alcançarem a felicidade sem que tenham que passar pelo sofrimento ou encará-lo como meio exclusivo de salvação.

É a independência mental que conduz o homem ao melhor caminho; sendo dono de sua própria mente e de seu processo pensante ele pode tomar atitudes que geram felicidade, tanto para si próprio como para o irmão necessitado. Religiões existem espalhadas por todo o planeta. É certo que elas refletem a cultura de um povo e o conduzem por meio dos ensinamentos milenares que nortearam os caminhos dos seus pioneiros. Temos no catolicismo esse exemplo de respeito às tradições. Em se tratando da liturgia e dos dogmas isto não deixa de ser válido. Não há necessidade de se desviar do que foi instituído como preceito máximo da religião. O erro está na interpretação do que realmente prega o ensinamento religioso. Uma vez que os fundadores dessas religiões, como os pioneiros que testemunharam suas pregações já não se encontram entre os fiéis haverá sempre o perigo de erro na interpretação do que foi pregado e escrito como forma de ensinamento. Ao homem cabe uma autonomia de pensamento no sentido de encontrar por si mesmo o caminho da vida.

Tanto a religião quanto a filosofia devem ter como objetivo arrancar da criatura humana o manto da ignorância. Existe uma verdade fundamental no âmago das doutrinas que tem por base a sinceridade. É muito fácil deixar-se arrastar por pseudo ensinamentos que, ao invés de esclarecer o interessado em conhecer a verdade podem confundi-lo ainda mais. A vida não é tão complicada como parece ser. Na simplicidade das coisas está o verdadeiro caminho. O grande trunfo para a liberdade e a paz de espírito está no viver despreocupado e natural. Mesmo a procura ávida pela verdade pode conduzir a estados de espírito indesejados, por mais que se escave o poço do desconhecido mais profundo ele se torna e o motivo disto é a nossa natureza predisponente à simplicidade. Pode-se ser simples e ao mesmo tempo cheio de sabedoria. Os homens não conseguem chegar a uma conclusão satisfatória acerca da origem deles mesmos.

As religiões existem porque os homens precisam ser esclarecidos. O problema encontra-se muito mais na interpretação dos textos religiosos. Por estar em constante mudança, a pessoa acaba se perdendo no processo de melhorar a sim mesma. Seria excelente se houvesse um único ensinamento e uma única religião para toda a humanidade, mas qual seria essa religião? Como o verdadeiro caminho é o da simplicidade, aceitar que existe um Pai que tudo observa e controla já é uma postura religiosa de grande valia. Se, por um lado, o fanatismo religioso foi o responsável por grandes tragédias no mundo, o ateísmo, por outro, deixa o mundo desamparado, pois desconsidera o invisível. A ciência materialista, por si só, não é capaz de desvendar todos os mistérios que envolvem a vida e nem poderia, já que o próprio termo ‘vida’ representa o grande mistério. Resta a filosofia que é, de todas as ciências, a menos materialista. Relaciona-se à agulha de tricô que não vê obstáculo em seu caminho ao penetrar cada meandro daquilo que ainda faz parte do desconhecido. Se levarmos em consideração a distância que separa a psicologia e a parapsicologia da filosofia será possível entender a indiferença da ciência lógica em relação às coisas imateriais. Isto é perdoável ao se colocar o homem no rol dos seres que dependem dos cinco sentidos físicos para interagir com o mundo. Se ele não transcender essa limitação que sempre lhe foi imposta será visto, infelizmente, como escravo de sua própria ignorância.

Vão além da nossa compreensão as obras de que é capaz o homem de realizar. Ele jamais pode ser comparado a um simples animal que não possui outra coisa além de um cérebro cuja constituição não difere tanto da de um ser humano. Não pode estar no cérebro, detentor de um mecanismo comum, essa diferença inexplicável. Ela só pode advir de uma sabedoria que se encontra em alguma outra parte, no âmago da criatura. Daí, situarmos a mente como repositório da grande sabedoria universal. Não tem a ver com a polêmica da existência ou não de Deus nem com as divergências religiosas, muito menos com sua indispensabilidade na vida prática. A questão torna-se evidente e joga abaixo todas as convicções materialistas a respeito da vida. É secundário o que vem a ser o homem em relação ao que ele é capaz de realizar; e comprovamos isto no dia a dia ao testemunharmos o conjunto das suas façanhas.

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 17/07/2016
Reeditado em 17/07/2016
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