Pequeno Ensaio Sobre Questões de Filosofia - parte 29
O valor da vida
Entender por que vivemos e para que, eis uma questão de capital relevância no campo da filosofia. O que nos diferencia dos outros seres vai muito além da capacidade cognitiva superior; abrange espiritualidade, discernimento e vontade, capazes de superar, pelo poder mental organizado, toda manifestação imprópria de desejos considerados inferiores como os da compulsão sexual e alimentar, para citar os dois mais acentuados e combatidos. Ser homem, no sentido amplo da palavra, implica no esforço de elevar cada vez mais os pensamentos a níveis autênticos de espiritualidade. Não é o que vemos, infelizmente. O mergulho na vida cotidiana, sem o amparo de uma visão alteada por princípios dignos é que traz as consequências funestas que se estampam nas mídias de todo o mundo. Somos influenciados por mentes sagazes que querem confundir o sentido das coisas. Isto acontece a todo instante em todos os lugares. Na verdade, é o lugar comum dos anseios ao progresso.
O homem que se deixa levar por essa sagacidade é o carente de informação genuína, muito mais do que de meios básicos para viver. As religiões que não tem por alvitre a sinceridade e o amor aproveitam-se deste vazio e lucram com isso. É por essa razão que ter por meta a elevação dos pensamentos a fim de obter sabedoria impede a proliferação incontrolada dessa tendência. O alvo da vida vem a ser a descoberta desse Eu maior que desvendou a razão da existência.
Vem sendo provado por inúmeras experiências frustrantes que o que traz a verdadeira paz passa longe do acúmulo e do desfrute de bens materiais. Se assim fosse, todos os milionários viveriam em eterno mar de rosas e bem vemos que não é assim. Mas há no homem essa tendência genética de procurar no conforto material o conforto da alma. Se fosse esse o caminho, haveria um freio determinado pela satisfação do que foi buscado e encontrado, mas isto raramente acontece. É como se uma força descomunal manipulasse a vontade, submetendo-a à escravidão da posse; a insatisfação reinando sobre a vontade súdita e subalterna. Sem a supremacia do Eu maior e do apoio de uma força controladora dos nossos instintos destruidores o caos ter-se-ia instalado no mundo. Essa desordem que voga é a imposição dos órgãos sensoriais pertinentes à natureza humana. Quem busca Deus como um Ser que abomina o mal, mas ao mesmo tempo vê na Sua criatura um espirito em constante evolução, não terá que sofrer em demasia ao constatar um mundo que parece rumar contra os seus princípios de vida. Entender o mundo é entender Deus. O pensamento otimista acredita que tudo caminha para o progresso e que os transgressores também merecem a chance do arrependimento.
A visão espiritualista da vida é a melhor que existe. Ela não vê limites para o crescimento. Mesmo que todas ou quase todas as dissertações filosóficas estejam respaldadas pelas vivências dos que as lançaram ao mundo, são incontestes as evidências da adesão ao ponto de vista espiritualista por ser ele o que melhor responde às indagações da alma. Não é preciso viver o infinito para declará-lo fundamentalmente superior. A investigação cosmológica supera a simples teoria do homem macaco em todas as suas nuances. O homem somático, sujeito a todas as transformações da matéria não pode ser o único alvo das lucubrações filosóficas; ele não passa de simples veículo de expressão da alma. Os que suscitam apologias ao homem limitado pela roda dos renascimentos têm vista curta ou não querem admitir algo que possa confrontar com suas ideias científicas. Por que não admitir Deus? Por que não admitir a existência da perfeição? Nesse caso, então, da não admissão, encontra-se o paradoxo de saber que há perfeição em tudo que se relaciona com o universo e não aceitar que, por trás dessa perfeição, existe uma inteligência causal primaria.
Agora, não admitir que há, no universo, uma manifestação suprema de sabedoria conduz a um ponto de vista que nega a ordem, a organização e o próprio amor. Tudo parte de uma ideia e no processo de criação da vida, importa a nós, seres humanos, compreender a vontade do cosmos. Por que vivemos? Qual o papel do homem na face da Terra? Pela natureza de que somos dotados fica claro que há um plano divino para a nossa criação. A filosofia que compreende Deus e que O tem na conta de um ser infinito que a tudo preside, tem por obrigação conscientizar os homens da importância vital de sua estada aqui. Penso que o ápice da civilização encontra-se no esforço de cumprir os desígnios de sua criação, valorizar a oportunidade de crescimento e não se desviar da meta. A meta seria alcançar a glória de ser humano. Ser humano e ser divino vem a ser a mesma coisa, já que, como filhos de Deus, herdamos suas qualidades. O homem é um ser espiritual na sua mais pura essência. O confronto com a materialidade da vida tende a embotar esse princípio inato. Desprender-se o quanto antes da ilusão e concentrar a mente numa missão maior do que uma simples trivialidade profissional condiz com o homem-Deus.
Muitos comportamentos, ao longo da vida e da história, só vêm demonstrar que a humanidade ainda se encontra longe da perfeição no que concerne ao objetivo para o qual foi criada. Se analisarmos isto individualmente, quantas não são as vezes em que nos vemos desanimados na caminhada da vida, oprimidos pela incerteza de estarmos realmente seguindo a trilha correta? O viver dentro dos padrões instituídos tradicionalmente não garante uma satisfação plena. Não podemos nos assegurar se são esses os padrões condizentes com a vida de perfeição. Estamos todos no mesmo barco, sujeitos aos mesmos dilemas existenciais, às mesmas alegrias e às mesmas frustrações; todos os sentimentos e emoções são inerentes ao fato de se estar vivendo. Há, no entanto, um meio infalível de descobrirmos se a vida que levamos se harmoniza com a vida universal. Seria através da constatação da nossa felicidade.
O conceito de felicidade não é complicado como normalmente se admite. Ser feliz é viver alegre e agradecido; simples assim. A vida correta traz a felicidade. A vida de ilusões e de apego afasta todas as chances de felicidade. Não há segredos, não precisa haver lutas, sacrifício nem renúncia. É simplesmente usufruir a vida que nos foi concedida com o coração agradecido. A ilusão, nesse caso, vem pela conclusão equivocada de que isto não requer esforço e entrega. Se não houvesse a necessidade do esforço não haveria porque estarmos aqui; a vida não é um passeio, mas uma trilha suave que apresenta curvas e algumas barreiras que requerem parada e organização.